STJ livra de PIS e Cofins descontos e bonificações dados ao varejo

O setor do varejo conseguiu uma decisão importante, ontem, na 1a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ficou definido, por unanimidade de votos, que a União não pode cobrar PIS e Cofins sobre bonificações e descontos ob- tidos na aquisição de mercadorias.

A decisão seria inédita na Cor- te. Essa é a primeira vez que a turma julga o tema e, segundo tributaristas, não há ainda posi- cionamento na 2a Turma — que também trata das questões de direito público no STJ.

Especialistas dizem que bonifi- cações e descontos são comuns no mercado. Os fornecedores geralmente diminuem os preços para o comprador em troca, por exemplo, de divulgação especial ou ex- posição de suas mercadorias em locais privilegiados nas lojas.

Ter que incluir esses valores no cálculo do PIS e da Cofins, frisam, poderia aumentar consideravelmente a conta a pagar ao governo federal.

O embate entre União e contribuintes começou a ganhar força no ano de 2017, quando a Receita Federal editou norma para que todos os fiscais do país passassem a exigir PIS e Cofins sobre valores em dinheiro e abatimentos recebidos de fornecedores. Trata-se da Solução de Consulta no 542, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).

No caso de bonificações — em que o fornecedor entrega mais quantidade de mercadoria do que a contratada pelo comprador —, o posicionamento está na Solução de Consulta Cosit no 202, de 2021.

A Receita Federal entende que bonificações e descontos são recei- tas e devem integrar a base de cálculo das contribuições. Para as varejistas, por outro lado, seriam apenas “redutores de custo”. Ou, sendo receita, teriam que ser caracterizadas como de natureza financeira, sujeitas à alíquota zero.

Esse tema começou a ser julgado na 1a Turma do STJ no fim do ano passado e já naquela ocasião os ministros sinalizavam que dariam razão aos contribuintes.

Proferiram votos a relatora, ministra Regina Helena Costa, e o desembargador Manoel Erhardt, que atuava temporariamente como ministro. Ambos contra a tributação.

Regina Helena afirmou, ao abrir as discussões, que a base de cálculo do PIS e da Cofins no regime não cumulativo é composta pelas receitas obtidas pela empresa no mês. E, no seu entendimento, os descontos não entram no conceito de renda.

“Não há como transformar as despesas do varejista em receitas”, disse ela, acrescentando que “desconto não é parcela apta a levar a tributação de PIS e Cofins”.

O julgamento foi interrompido, naquela ocasião, por um pedido de vista do ministro Gurgel de Faria. Ele reabriu as discussões, na sessão de ontem, e acompanhou o entendimento da relatora.

Gurgel classificou os descontos como “meros redutores” dos custos de aquisição de mercadorias e tratou a tributação como uma “premissa equivocada” do Fisco.

“Sob o ponto do varejista, na relação comercial havida com seus fornecedores os descontos e bonificações não configuram receita, mas despesa decorrente de aquisição de produtos ainda que presentes tais benefícios”, afirmou.

O ministro Sérgio Kukina também proferiu voto ontem e concordou com os colegas que já haviam se manifestado. A turma tem cinco integrantes, mas o ministro Benedito Gonçalves não estava presente na sessão de abertura do julgamento, no ano passado — ocasião em que os advogados defenderam os seus clientes na tribuna — e, por esse motivo, não participou da votação.

“Receita implica necessariamente ingresso financeiro ao contribuinte, o que evidentemente não ocorre quando o fornecedor concede descontos ao adquirente da mercadoria”, diz a tributarista Isabella Paschoal, do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados.

Para a especialista, caso prevalecesse o entendimento fazendário, haveria uma “subversão do conceito de receita” e essa nova condição poderia impactar outras situações tributárias.

O caso analisado pela 1a Turma do STJ envolve a Cencosud Brasil. A empresa buscava afastar cobrança feita pela Receita Federal por não incluir os valores referentes a bonificações e descontos no cálculo do PIS e da Cofins entre abril de 2006 e dezembro de 2010.

Em sustentação oral, a advogada Ariane Guimarães, sócia do escritório Mattos Filho, que defende a varejista, havia destacado aos ministros, principalmente, a questão dos descontos. “Não há que se falar em receita”, frisou. A advogada citou também recente precedente do Conselho Administrativo de Recur- sos Fiscais (Carf) favorável aos contribuintes.

Representante do Instituto de Defesa do Varejo (IDV), que é amicus curiae (parte interessada) na ação, a advogada Betina Treiger lembrou aos ministros — também na abertura do julgamento — que há acordos comerciais pela redução do custo do produto, para que seja repassada ao consumidor final.

“O desconto é irrelevante sob a perspectiva do varejista. A relevância do desconto se dá para o fornecedor, que vai ter redução no preço do produto vendido”, disse a advogada.

O procurador Sandro Soares, da Fazenda Nacional, citou, por outro lado, que em razão de concentração no varejo impõe-se aos fornecedores o pagamento de pedágio, que se tenta qualificar como descontos e bonificações (REsp 1836082).

Fonte: Valor Econômico – 12/04/2023

ARTIGO DA SEMANA – Redirecionamento da execução fiscal só com prévio requerimento do credor

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

O julgamento do Recurso Especial nº 2.036.722[1], pelo Superior Tribunal de Justiça, parece ter pacificado importante questão envolvendo o redirecionamento de execuções fiscais para os sócios da pessoa jurídica.

Neste recente julgamento, Primeira Turma do STJ definiu que o redirecionamento  da execução fiscal contra o sócio não pode ser decretada de ofício pelo juiz, mas depende de prévio requerimento do exequente/credor.

A decisão é muito importante e se soma a outros vários julgados do STJ sobre o redirecionamento de execuções fiscais contra os sócios de pessoa jurídica. 

Motivo de grande preocupação do empresário, o redirecionamento da execução fiscal para o(s) sócio(s) tem como consequência óbvia o comprometimento do patrimônio pessoal do empresário para fazer face ao débito tributário da pessoa jurídica de que participa. 

O Código Tributário Nacional cuidou do assunto no art. 135, III, dispondo que “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.

O Superior Tribunal de Justiça, muito antes do julgamento REsp 2.036.722, já havia se pronunciado alguma vezes sobre o tema.

A importante Súmula STJ nº 435 definiu que “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”

Importante lembrar que a dissolução irregular da empresa é uma presunção que decorre de prévia constatação por auxiliar do juízo, vale dizer, do Oficial de Justiça. O STJ já decidiu que “A dissolução irregular da pessoa jurídica devedora constatada por meio de certidão do oficial de justiça, atestando o encerramento das atividades no endereço informado, é causa suficiente para o redirecionamento da execução fiscal em desfavor do sócio-gerente.

Outra questão relevantíssima sobre o tema decidida pelo Tribunal da Cidadania diz respeito à definição do sócio administrador (antigo sócio-gerente) que deve responder pessoalmente pela dívida tributária pessoa jurídica.

Após intenso debate, a discussão ficou pacificada no STJ na compreensão dos Temas 962[3] e 981[4], segundo o qual a responsabilidade tributária deve recair sobre o sócio administrador à época da dissolução irregular da pessoa jurídica.

Também é preciso lembrar do Tema 444[5] dos Recursos Repetitivos que definiu o prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal para o(s) sócio(s) administrador(es).

Como se vê, o julgamento do Recurso Especial 2.036.722 acrescenta importante capítulo a um tema que parece inesgotável… 


[1] PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A ampliação subjetiva do polo passivo da execução fiscal não pode se dar de ofício pelo magistrado, exigindo-se pedido específico da parte interessada, sob pena de violação da regra da inércia de jurisdição, de usurpação do exercício do direito de ação e, na hipótese da execução fiscal, e indevida ingerência do Poder Judiciário em atribuição privativa do Poder Executivo.

2. Ao decidir questão não suscitada e a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte, as instâncias ordinárias violaram, na espécie, os arts. 2° e 141 do CPC/2015, impondo-se a reforma do acórdão em agravo de instrumento e a anulação da decisão do juiz da execução que determinou ex officio o redirecionamento da execução fiscal.

3. Recurso especial provido.

(REsp n. 2.036.722/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 7/3/2023.)

[2] PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. INDICAÇÃO. INEXISTÊNCIA.

1. Há manifesta ausência de prequestionamento, a atrair a aplicação da Súmula 211 do STJ, quando o Tribunal de origem não emite juízo de valor sobre a tese relacionada ao dispositivo de lei supostamente violado, mesmo após opostos embargos de declaração, não sendo possível admitir o prequestionamento ficto introduzido pelo art. 1.025 do CPC/2015 se a parte não veicula no recurso especial violação do art. 1.022 do CPC/2015 no tocante ao tema reputado omisso.

2. A dissolução irregular da pessoa jurídica devedora constatada por meio de certidão do oficial de justiça, atestando o encerramento das atividades no endereço informado, é causa suficiente para o redirecionamento da execução fiscal em desfavor do sócio-gerente.

Inteligência da Súmula 435 do STJ.

3. Hipótese em que o recurso especial encontra óbice na Súmula 7 do STJ, porquanto a verificação da inexistência de dissolução irregular da sociedade empresária depende do exame de provas, providência inadequada em recurso especial.

4. É firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a falta de indicação clara e precisa do dispositivo de lei federal alegadamente violado implica deficiência na fundamentação do recurso especial (Súmula 284 do STF).

5. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp n. 1.719.320/PB, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 1/7/2022.)

[3] Tese firmada: O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III, do CTN.

[4] O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN.

[5] Tese firmada: (i) o prazo de redirecionamento da Execução Fiscal, fixado em cinco anos, contado da diligência de citação da pessoa jurídica, é aplicável quando o referido ato ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, for precedente a esse ato processual;
(ii) a citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação tributária, por si só, não provoca o início do prazo prescricional quando o ato de dissolução irregular for a ela subsequente, uma vez que, em tal circunstância, inexistirá, na aludida data (da citação), pretensão contra os sócios-gerentes (conforme decidido no REsp 1.101.728/SP, no rito do art. 543-C do CPC/1973, o mero inadimplemento da exação não configura ilícito atribuível aos sujeitos de direito descritos no art. 135 do CTN). O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores, nesse contexto, é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo Fisco, nos termos do art. 593 do CPC/1973 (art. 792 do novo CPC – fraude à execução), combinado com o art. 185 do CTN (presunção de fraude contra a Fazenda Pública); e,
(iii) em qualquer hipótese, a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora (REsp 1.222.444/RS) ou ao ato inequívoco mencionado no item anterior (respectivamente, nos casos de dissolução irregular precedente ou superveniente à citação da empresa), cabendo às instâncias ordinárias o exame dos fatos e provas atinentes à demonstração da prática de atos concretos na direção da cobrança do crédito tributário no decurso do prazo prescricional.

STF reiniciará análise de prazo de repetição de indébito de tributo inconstitucional

Um pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes interrompeu, nesta terça-feira (4/4), o julgamento no qual o Plenário do Supremo Tribunal discute a alteração da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o início do prazo prescricional da ação de repetição de indébito de tributo declarado inconstitucional pelo STF.

Com isso, o caso será reiniciado em sessão presencial, ainda sem data marcada. Até então, a análise, iniciada na última sexta-feira (31/3), ocorria no Plenário virtual, com término previsto para a próxima quarta-feira (12/4).

As ações de repetição de indébito buscam a devolução de valores cobrados indevidamente. O STJ entendia que, nos casos de tributos declarados inconstitucionais, o prazo prescricional para ajuizar tal demanda começava a partir do trânsito em julgado no STF ou da resolução do Senado que suspendia a lei.

Em junho de 2007, o STJ alterou sua jurisprudência e passou a adotar a tese dos “cinco mais cinco”, segundo a qual a prescrição ocorre cinco anos após o fato gerador, acrescidos de mais cinco anos a partir da data da homologação tácita — quando o Fisco não se manifesta sobre os atos do contribuinte dentro do prazo previsto.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), já que o STJ vem aplicando a nova tese retroativamente.

Em fevereiro, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu que a alteração da jurisprudência do STJ não se aplica aos pedidos que não estavam prescritos à época do ajuizamento da respectiva ação. Ele manteve seus argumentos no novo voto do julgamento virtual.

De acordo com o magistrado, a aplicação retroativa da tese desconsidera os contribuintes que haviam baseado seus comportamentos e suas ações no entendimento dominante anterior. Para ele, isso viola o princípio da segurança jurídica.

Na visão de Lewandowski, toda mudança de jurisprudência que restrinja direitos dos cidadãos “deve observar, para sua aplicação, certa regra
de transição para produção de seus efeitos, levando em consideração os
comportamentos então tidos como legítimos, porquanto praticados em
conformidade com a orientação prevalecente”.

Clique aqui para ler o voto do relator
ADPF 248

Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2023, 10h49

STJ veta redirecionamento de execução fiscal contra sócio feita de ofício por juiz

A ampliação do polo passivo da execução fiscal com a inclusão do sócio da pessoa jurídica devedora não pode ser feita de ofício pelo magistrado e depende de pedido específico da parte, sob pena de indevida ingerência do Poder Judiciário em atribuição do Executivo.

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pelo sócio de uma empresa devedora que foi incluído em execução fiscal movida pelo município do Rio de Janeiro sem que a prefeitura carioca tivesse feito esse pedido.

A medida foi tomada de ofício depois que, em consulta feita na Receita Federal, verificou-se que a pessoa jurídica executada se encontrava em situação irregular. Com isso, houve citação para penhora, arresto ou bloqueio de bens em valor suficiente para a garantia de satisfação do crédito executado.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que a medida foi válida porque visou a efetivar as previsões da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980), além de evitar a prescrição da dívida fiscal e a extinção do crédito tributário.

Relator no STJ, o ministro Benedito Gonçalves discordou. Ele explicou que o redirecionamento da execução fiscal altera a ação de cobrança inicialmente ajuizada. Essa mudança diz respeito ao direito de ação assegurado ao credor, que pode ser exercido por ele no prazo prescricional legalmente estabelecido. Logo, não compete ao juiz da causa agir para evitar a prescrição.

“A determinação de redirecionamento da execução fiscal de ofício, além de representar uma violação ao direito de ação do autor, uma vez que cabe ao autor decidir acerca de seu interesse e conveniência na ampliação subjetiva da lide, representa indevida usurpação pelo Poder Judiciário de atribuição própria do Poder Executivo, em evidente mácula ao princípio da separação de poderes”, acrescentou o ministro.

No caso, é atribuição do município do Rio de Janeiro, por meio de seu representante processual, a manifestação do interesse em buscar o patrimônio do sócio para quitar a dívida. A votação na 1ª Turma foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.036.722

Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2023, 18h12

ARTIGO DA SEMANA – A Taxa SELIC em matéria tributária

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

A Taxa SELIC, objeto da divergência entre a Chefia do Poder Executivo Federal e a Presidência do Banco Central, tem sido utilizada há 27 anos como índice de atualização de tributos federais.

O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC é o mecanismo eletrônico centralizado de controle diário da custódia, liquidação e operação de títulos públicos por computadores, que foi criado pelo Banco Central em novembro de 1979 com o objetivo de dar mais segurança, agilidade e transparência aos negócios efetuados com títulos.

Em princípio, a Taxa SELIC foi criada com a natureza de medição da variação apontada nas operações do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. Possuía, ainda, característica de juros remuneratórios, cujo objetivo era premiar o capital investido pelo tomador de títulos da dívida pública federal, como rendimento da denominada “Letra do Banco Central do Brasil”, refletindo assim a liquidez dos recursos financeiros no mercado monetário.

Embora adotada como índice de atualização de tributos desde dezembro de 1995, a aplicação da Taxa SELIC na correção de tributos não passou incólume a críticas.

O primeiro questionamento quanto à aplicação desta taxa na atualização de tributos, vem do fato de não haver lei que defina o que seja a Taxa SELIC. A sua definição encontra-se nas Circulares BACEN nº 2868/99 e 2900/99: “Define-se Taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados nos Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais.”

Por conta disso, afirmava-se que não há ausência de definição da referida taxa, mas sim, falta de criação por lei da Taxa SELIC para fins tributários, já que inexiste disposição legal definindo essa taxa, que se encontra prevista em resoluções e circulares do Banco Central.

O art. 161, § 1o, do CTN, dispõe que os juros serão de 1%, se a lei não dispuser em contrário. A lei ordinária não criou a Taxa SELIC, mas tão somente estabeleceu seu uso. Assim, a lei ordinária que estabeleceu o uso da SELIC está contra a lei complementar, pois esta só autorizou juros diversos de 1% se lei estatuir em contrário.

Esta crítica à utilização da Taxa SELIC como índice atualização de tributos chegou a encontrar respaldo na jurisprudência, sendo o Recurso Especial 215.881 o leading case sobre a matéria[1]

Mas esta orientação não durou muito tempo, sendo alterada pelo STJ por um motivo simples: se a mesma Taxa SELIC é utilizada na atualização dos indébitos, por que motivo deveria ser afastada na correção dos débitos?[2]

Os Temas 145[3] e 905[4], dos Recursos Repetitivos, também pacificaram a utilização da Taxa SELIC no âmbito do STJ. 

A utilização da Taxa SELIC na atualização de tributos em atraso deu tão certo que vários entes da federação passaram a adotá-la.

O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, alterou seu Código Tributário Estadual para aplicar  Taxa Selic como encargo moratório a partir de 2012[5].

Como se vê, se há divergência quanto à Taxa SELIC no mercado financeiro, o mesmo não ocorre para fins tributários.


[1] TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. ART. 39, § 4º, DA LEI 9.250/95. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

I – Inconstitucionalidade do § 4º do art. 39 da Lei 9.250 de 26 de dezembro de 1995, que estabeleceu a utilização da Taxa SELIC, uma vez que essa taxa não foi criada por lei para fins tributários.

II – Taxa SELIC, indevidamente aplicada como sucedâneo dos juros moratórios, quando na realidade possui natureza de juros remuneratórios, sem prejuízo de sua conotação de correção monetária.

III – Impossibilidade de equiparar os contribuintes com os aplicadores; estes praticam ato de vontade; aqueles são submetidos coativamente a ato de império.

IV – Aplicada a Taxa SELIC há aumento de tributo, sem lei específica a respeito, o que vulnera o art. 150, inciso I, da Constituição Federal.

[2] TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PARCELAMENTO DA LEI N. 11.941/2009. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC. LEGITIMIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade.

III – A correção monetária plena é mecanismo mediante o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita.

IV – A atualização monetária dos tributos federais quitados em atraso dar-se-á, por expressa previsão legal e jurisprudencial vinculante, somente mediante a aplicação da taxa SELIC, de modo que se revela legítima a incidência dessa taxa na atualização da das parcelas do parcelamento de que trata a Lei n. 11.941/2009.

Precedentes.

V – Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

VI – Agravo Interno improvido.

(AgInt no REsp n. 1.925.630/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 9/8/2021, DJe de 12/8/2021.)

[3] Aplica-se a taxa SELIC, a partir de 1º.1.1996, na atualização monetária do indébito tributário, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de juros ou atualização monetária. Se os pagamentos foram efetuados após 1º.1.1996, o termo inicial para a incidência do acréscimo será o do pagamento indevido; havendo pagamentos indevidos anteriores à data de vigência da Lei 9.250/95, a incidência da taxa SELIC terá como termo a quo a data de vigência do diploma legal em tela, ou seja, janeiro de 1996.

[4] 3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.

A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

[5] Art. 173. O crédito tributário, quando não integralmente pago no prazo, sem prejuízo da imposição de penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas na legislação, será acrescido dos seguintes acréscimos moratórios:

I – juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema de Liquidação e Custódia – SELIC – para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do primeiro dia do mês subsequente ao vencimento do prazo até o último dia do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado;

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