ARTIGO DA SEMANA – Inscrição em dívida ativa e dano moral: se essa moda pega…

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Merece destaque nesta semana a divulgação de acórdão do TRF1, cujo julgamento ocorreu em maio, condenando a União/Fazenda Nacional no pagamento de indenização por danos em razão de inscrição indevida de débito na dívida ativa.

Segundo o TRF1, “Quanto ao dano, como demonstrado, é presumido, ocorrendo com a simples inscrição indevida em dívida ativa, não assistindo razão à apelante, pois desnecessária a comprovação de efetivo prejuízo.”

A louvável condenação da União no pagamento de indenização por danos nos leva à seguinte reflexão: por que houve a inscrição indevida do débito na dívida ativa?

Antes de mais nada, é preciso dizer que o Superior Tribunal de Justiça, desde 2010, deu um considerável empurrão no incremento da dívida ativa.

Através da Súmula 436[1], o STJ concluiu que A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco

E pela Súmula STJ 446[2] ficou consignado que Declarado e não pago o débito tributário pelo contribuinte, é legítima a recusa de expedição de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa

Sempre defendemos que a Súmula 436 é um equívoco. Segundo o Código Tributário Nacional, a constituição do crédito tributário é ato administrativo, vale dizer, deve ser praticado por autoridade competente. Contribuinte ou responsável tributário não são autoridades, logo suas declaraçõs não podem constituir crédito tributário. Ademais, relembrado lição do querido e saudoso HUGO DE BRITO MACHADO, a confissão de dívida é uma manifestação de vontade e, portanto, incompatível com a obrigação tributária que decorre da lei e independe da vontade do sujeito passivo.

Mas, para o STJ, declarou e não pagou, dançou. Mais ainda: o contribuinte que declarou e não pagou fica em situação irregular, vale dizer, não tem direito a expedição de certidão negativa.

Como o tributo declarado e não pago “dispensa qualquer oura providência por parte do fisco”, o resultado é a inscrição do débito em dívida ativa, suprimindo todo um processo administrativo fiscal que teria início num auto de infração/notificação de lançamento e fim numa decisão definitiva do CARF, por exemplo.

Portanto, com o empurrão do STJ a quantidade de débitos inscritos em dívida ativa aumentou.

O problema é que entre o não pagamento e a inscrição em dívida ativa muita coisa pode acontecer.

O contribuinte pode, por exemplo, retificar a declaração “confessando” um débito menor do que aquele originalmente declarado. E, não raro, esta retificação não é processada pelas procuradorias. Resultado: inscrição indevida em dívida ativa.

Pode acontecer de, após a declaração e o não pagamento, o contribuinte apresentar uma declaração de compensação daquele débito originalmente declarado com um crédito legitimamente apurado. E, não raro, a informação da existência desta DCOMP é ignorada ou desconhecida pelas procuradorias. Resultado: inscrição indevida em dívida ativa.

Isso sem contar os casos de erro na imputação do pagamento, tal como ocorreu no processo julgado pelo TRF1. 

O que o leigo não sabe é que a raiz do problema das inscrições indevidas em dívida ativa e até mesmo do ajuizamento indevido de execuções fiscais não está nos diversos fatos que podem ocorrer a partir do não pagamento do tributo declarado.

A profunda raiz do problema está na automatização do processo de inscrição em dívida ativa e no descumprimento de um dever legal pelas procuradorias.

A experiência nos mostra que nos casos autorizados pela Súmula STJ 436 as procuradorias já recebem o débito inscrito. Todo o processo é automático.

Consequentemente, não há controle administrativo da legalidade do ato pelas procuradorias, como determina o art. 2º, §3º, da Lei nº 6.830/80.

Se o processo de inscrição passasse pelo crivo de um procurador, talvez várias inscrições indevidas poderiam ser evitadas. E a Fazenda não estaria sujeita ao pagamento de indenizações por dano moral ou honorários de sucumbência em execuções fiscais.

Resumindo: cumprir a lei não sai caro.


[1] PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 13/05/2010.

[2] PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010.

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