ARTIGO DA SEMANA – Está na hora de falar sobre a Taxa de Incêndio

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O início de um novo exercício traz à memória obrigações tributárias cujos fatos geradores e vencimentos ocorrem ao longo do primeiro trimestre.

Neste rol está a Taxa de Incêndio, destinada, no Estado do Rio de Janeiro, ao Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (FUNESBOM).

O Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro (Decreto-Lei nº 05/75) trata precariamente das taxas.

Sobre a Taxa de Incêndio destacam-se os artigos 104 a 111 que, em última análise, dispõem sobres as taxas de um modo geral.

O art. 104 prevê laconicamente que “A Taxa de Serviços Estaduais incide sobre os atos expressamente enumerados na Tabela a que se refere o artigo 107 deste Decreto-lei”.

A Taxa de Incêndio surge no item 12 do Anexo II, incidindo sobre o “ato” de Prevenção e extinção de incêndio.

A questão que se coloca é saber se esta taxa, cujos vencimentos estão previstos para os dias 11 a 15 de março de 2024, adequam-se à Constituição e ao Código Tributário Nacional.

De acordo com o art. 145, II, da Constituição Federal, taxas são tributos cuja instituição está condicionada a um dos seguintes eventos: (a) prestação de serviço público específico e divisível ou (b) o exercício do poder de polícia.

Por esta razão, justifica-se a classificação das taxas como um tributo vinculado, ou seja, aquele cujo fato gerador consiste numa  atuação estatal. 

O artigo 78, do Código Tributário Nacional, dispõe que: “Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

Portanto, sempre que alguém se submeter a algum tipo de fiscalização estatal porque exerce uma atividade que gera repercussão junto à coletividade poderá estar sujeito a uma taxa, como por exemplo, as taxas ambientais, devidas por estabelecimentos industriais potencialmente poluidores e, por consequência, submetidos às fiscalizações das autoridades ambientais.

A outra situação em que poderá ser instituída uma taxa é para remunerar serviços públicos específicos e divisíveis, efetivamente prestados ou potencialmente colocados à disposição do particular.

O serviço público específico é o que pode ser destacado em unidades autônomas de intervenção, vale dizer, aqueles em que há a segregação das demais atividades estatais prestadas a todos indistintamente. Divisível é o serviço que pode ser prestado a cada um dos indivíduos. Bom exemplo de serviço público específico e divisível é a prestação jurisdicional, porque neste caso se verifica a segregação da atividade estatal (Poder Judiciário) e a entrega do serviço à parte que recorreu à Justiça.

Os serviços serão efetivamente utilizados pelo particular quando por ele usufruídos a qualquer título; serão potencialmente utilizados quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à disposição do contribuinte mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento.

As Taxas de Incêndio têm sido objeto de vários questionamentos judiciais que desaguam no Supremo Tribunal Federal.

No RE 643.247[1], o STF decidiu que os serviços de prevenção e combate a incêndio não podem ser remunerados por taxas e que tal atividade não compete aos municípios. 

Ao decidir o Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no RE 1.179.245[2], o Pleno do STF afastou a taxa sobre o serviço de segurança contra incêndio, cujos contornos em nada diferem da prevenção e extinção.

No mesmo sentido foi a conclusão da ADI 2908[3], afastando a taxa sobre o serviço de segurança contra incêndio, mas mantendo a exigência sobre a análise de projetos de sistemas de prevenção contra incêndio e pânico.

Também há interessante julgado da Primeira Turma[4] do STF afastando a Taxa de Incêndio tanto pela ausência de poder de polícia quanto pela ausência de indivisibilidade do serviço.

A Taxa de Incêndio do RJ, da maneira como está descrita no CTE, não é devida em razão de serviço público que preencha os requisitos do CTN. Tampouco se trata de tributo a remunerar regular exercício do poder de polícia.

Muito melhor seria se o legislador definisse adequadamente o serviço prestado pelo Corpo de Bombeiros apto a ser remunerado por taxas.

A aprovação de projetos de construção civil que observem as normas contra incêndio seria um bom exemplo de serviço público específico e divisível. A fiscalização de estabelecimentos que tenham potencial para gerar sinistros combatíveis pelo CBMERJ é hipótese de poder de polícia não previsto na legislação tributária estadual.

De todo modo, é importante acompanhar o que será definido pelo STF na compreensão do Tema 1282[5], que trata de taxa de incêndio destinada a Fundo Especial do Estado de Sergipe.


[1] TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO – INADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL. Descabe introduzir no cenário tributário, como obrigação do contribuinte, taxa visando a prevenção e o combate a incêndios, sendo imprópria a atuação do Município em tal campo.

(RE 643247, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01-08-2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-292  DIVULG 18-12-2017  PUBLIC 19-12-2017)

[2] EMENTA: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. TAXA DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO. SEGURANÇA PÚBLICA. SERVIÇO GERAL E INDIVISÍVEL. ILEGITIMIDADE DA COBRANÇA DESSE TRIBUTO PELO ESTADO. PRECEDENTES. TEMA 16 DA REPERCUSSÃO GERAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DA EMBARGANTE.

(RE 1179245 AgR-EDv, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15-03-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-055  DIVULG 22-03-2021  PUBLIC 23-03-2021)

[3] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. LEI SERGIPANA N. 4.184/1999. INSTITUIÇÃO DE TAXAS REMUNERATÓRIAS DE ATIVIDADES DE ÓRGÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA. CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. TAXA ANUAL DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E DE APROVAÇÃO DE PROJETOS DE CONSTRUÇÃO. ANÁLISE DE SISTEMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. As taxas são tributos vinculados a atividade estatal dirigida a sujeito identificado ou identificável, podendo decorrer do exercício do poder de polícia titularizado pelo ente arrecadador ou da utilização de serviço público específico e divisível posto à disposição do contribuinte. 2. A instituição de taxa exige que os serviços públicos por ela remunerados cumulem os requisitos de especificidade e divisibilidade. Os serviços autorizadores de cobrança de taxas não podem ser prestados de forma geral e indistinta a toda a coletividade (uti universi), mas apenas à parcela específica que dele frui, efetiva ou potencialmente, de modo individualizado e mensurável (uti singuli). 3. A taxa anual de segurança contra incêndio tem como fato gerador a prestação de atividade essencial geral e indivisível pelo corpo de bombeiros, sendo de utilidade genérica, devendo ser custeada pela receita dos impostos. 4. Taxa de aprovação de projetos de construção pelo exercício de poder de polícia. A análise de projetos de sistemas de prevenção contra incêndio e pânico é serviço público antecedente e preparatório de prática do ato de polícia, concretizado na aprovação ou não do projeto e, consequentemente, na autorização ou não de se obterem licenças e alvarás de construção. Serviços preparatórios específicos e divisíveis, voltados diretamente ao contribuinte que pretende edificar em Sergipe, podendo ser custeados por taxas. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.

(ADI 2908, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11-10-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242  DIVULG 05-11-2019  PUBLIC 06-11-2019)

[4] AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE UTILIZAÇÃO POTENCIAL DO SERVIÇO DE EXTINÇÃO DE INCÊNDIO – TAXA DE INCÊNDIO. IMPOSSIBILIDADE. SERVIÇO ESSENCIAL E INDIVISÍVEL NÃO PODE SER CUSTEADO POR TAXA. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

(RE 1240111 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06-03-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089  DIVULG 14-04-2020  PUBLIC 15-04-2020)

[5] Tema 1282 – RE 1.417.155. Dias Toffoli. Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 144, V, e 145, II, da Constituição Federal, a constitucionalidade dos itens 1, 2 e 6 do Anexo Único da Lei Complementar nº 247/2002 do Estado do Rio Grande do Norte, alterada pela Lei Complementar nº 612/2017, que estabeleceu o Fundo Especial de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio Grande do Norte (FUNREBOM) com a instituição da taxa de prevenção e combate a incêndios, busca e salvamento (resgate de pessoas não envolvidas em acidentes automobilísticos) em imóveis localizados no Estado do Rio Grande do Norte e da taxa de proteção contra incêndio, salvamento e resgate em via pública, relativamente a veículos automotores licenciados na mesma unidade federada.

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