ITBI e IPTU: o STJ e os impostos municipais que incidem sobre imóveis (parte 1)

Dois dos três principais tributos municipais têm incidência sobre imóveis: o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Juntamente com o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN, mais conhecido apenas como ISS), eles compõem grande parte das receitas próprias nos mais de 5.500 municípios brasileiros.

A previsão desses tributos está no artigo 156 da Constituição, mas, devido ao regulamento infraconstitucional, muitas controvérsias jurídicas envolvendo ITBI e IPTU são resolvidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A jurisprudência do STJ sobre esses tributos é o tema da reportagem especial em duas partes que começa a ser divulgada neste domingo. 

Este primeiro texto apresenta julgados da corte sobre o ITBI. O imposto é antigo na literatura jurídica nacional: remonta a 1809, ainda na época do Império, com o chamado “imposto da sisa”. Desde 1891, possui previsão constitucional. É regulado, atualmente, pelos artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional (CTN).

Detalhe importante: as regras do CTN são da época em que o ITBI era de competência estadual, portanto, é preciso analisá-las em conjunto com o regramento constitucional vigente. Uma das principais controvérsias a respeito do tributo é a base de cálculo, já que esse parâmetro influencia o valor a ser pago.

Qual é o valor do imóvel?

Em fevereiro deste ano, a Primeira Seção estabeleceu importante definição a respeito do assunto ao julgar o Tema 1.113 dos recursos repetitivos (REsp 1.937.821). Para o colegiado, a base de cálculo do ITBI deve considerar o valor de mercado do imóvel individualmente determinado, afetado por fatores específicos como o estado de conservação.

A seção de direito público fixou três teses:

1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; 

2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN); 

3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

De acordo com o relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, a expressão “valor venal” contida no CTN deve ser entendida como o valor considerado em condições normais de mercado para as compras e vendas.

Embora seja possível aferir um valor médio, a avaliação de cada imóvel possui especificidades, com oscilações positivas e negativas, que devem ser levadas em conta – lógica diferente, portanto, da estimativa feita para fins de IPTU.

“Cumpre salientar que a planta genérica de valores é estabelecida por lei em sentido estrito, para fins exclusivos de apuração da base de cálculo do IPTU, não podendo ser utilizada como critério objetivo para estabelecer a base de cálculo de outro tributo, o qual, pelo princípio da estrita legalidade, depende de lei específica”, complementou o relator.

Fato gerador é a efetiva transferência do imóvel

No AREsp 1.760.009, o STJ reafirmou o entendimento adotado pela corte após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1.124 da repercussão geral. Segundo esse entendimento, o fato gerador do ITBI somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro no cartório de imóveis.

No julgamento do recurso, em abril de 2022, a Segunda Turma do STJ acrescentou que, mesmo em caso de cisão de empresa com transmissão de imóvel do seu patrimônio, o fato gerador do ITBI é o registro da transferência do bem no cartório.

Nessa demanda, após a cisão de uma empresa em outras quatro, com a transferência de duas fazendas para uma delas, houve o recolhimento de ITBI para o município paulista de São Manuel, em 2012. Dois anos após o pagamento, o georreferenciamento na região constatou que as fazendas pertenciam a outro município do mesmo estado, Igaraçu do Tietê. Após nova transferência de propriedade, valores de ITBI foram pagos a este segundo município, em 2015.

A empresa requereu judicialmente a devolução de valores, alegando que o pagamento feito em 2012 ao município de São Manuel não era devido. O STJ deu razão à empresa, ao concluir que, de fato, a transferência só foi efetivada com o registro do imóvel em 2015, após o processo de georreferenciamento.

Nas palavras do relator, ministro Herman Benjamin: “O STJ entende que, mesmo em caso de cisão, o fato gerador do ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do bem imóvel, em conformidade com a lei civil, o que, no caso, ocorreu em 2015. Logo, não há como considerar como fato gerador da referida exação a data de constituição das empresas pelo registro de contrato social na Junta Comercial, ocorrido em 2012”.

O relator lembrou que, mesmo antes da decisão do STF, o STJ já havia adotado esse entendimento no AREsp 215.273, de 2012, e em julgados de 2007, como o REsp 771.781 e o REsp 764.808. “O fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento”, declarou Herman Benjamin no AREsp 215.273.

Devolução do imposto no negócio anulado

O STJ entende que, no caso de anulação da venda do imóvel, o valor pago a título de ITBI é passível de restituição. A discussão ocorreu no EREsp 1.493.162, relatado na Primeira Seção pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, hoje aposentado.

O negócio que ensejou a transferência de propriedade do imóvel e, por conseguinte, a tributação pelo ITBI não se concretizou em caráter definitivo devido à superveniente declaração de nulidade por sentença judicial transitada em julgado.

O fisco questionou decisão da Segunda Turma do STJ alegando que, mesmo na hipótese de anulação posterior do negócio, o imposto seria devido, e invocou como paradigma um acórdão divergente da Primeira Turma (REsp 1.175.640). Por unanimidade, a seção corroborou o acórdão da Segunda Turma e manteve a condenação imposta ao fisco de devolver o valor do ITBI.

De acordo com o relator, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que era nulo o negócio de compra e venda, não há fato gerador do imposto, nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição, e do artigo 35, incisos I, II e III, do CTN, “sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo contribuinte”.

Valor de venda ou valor de arrematação?

A transferência de propriedade tributada pelo ITBI pode envolver imóvel arrematado em leilão judicial, o que trouxe para o STJ a discussão sobre a base de cálculo em tais hipóteses. No REsp 1.188.655, em 2010, a Primeira Turma debateu se a base de cálculo do imposto seria o valor da arrematação ou o valor de venda do imóvel – uma diferença significativa, tendo em vista que imóveis leiloados podem ser arrematados por preços bem inferiores aos de mercado.

O relator, ministro Luiz Fux (hoje no STF), destacou que, embora continuassem a chegar ao STJ recursos contra decisões que aceitavam o valor venal como base de cálculo, o entendimento do tribunal, desde 1990, apontava para o valor da arrematação judicial.

O ministro citou dois precedentes nos quais o assunto foi debatido com profundidade, o REsp 863.893, relatado pelo ministro Francisco Falcão em 2006, e o REsp 2.525, relatado pelo ministro Armando Rollemberg (falecido) em 1990. No primeiro desses dois casos, a dúvida sobre a base de cálculo estava entre o valor da arrematação e o valor da avaliação judicial prévia ao leilão.

“No caso concreto – de arrematação judicial do bem imóvel –, o tribunal a quo manifestou-se no sentido de que a base de cálculo do ITBI é o valor da avaliação judicial. Nos termos da jurisprudência supracitada, todavia, tal posicionamento não deve prevalecer, porquanto não há que se falar em registro da transmissão do imóvel quando da avaliação judicial”, explicou o ministro ao citar casos mais antigos, como o REsp 2.525 – o primeiro sobre o assunto.

Neste, o ministro Armando Rollemberg ratificou as razões apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF), segundo as quais a arrematação é uma forma de venda que se processa judicialmente e permite a aquisição de imóveis por preço inferior ao da avaliação. O relator afirmou que o valor atribuído não é o valor alcançado na venda, e não há lógica jurídica que permita a prevalência do valor de avaliação para servir como base de cálculo do tributo.

Desde esse precedente, o STJ decide no sentido de considerar o valor da arrematação como base de cálculo do ITBI – entendimento confirmado, mais recentemente, no AgInt no AREsp 2.050.401, no AREsp 1.542.296 e no AREsp 1.425.219.

Ônus da prova para afastar imunidade tributária

Ao analisar o AREsp 444.193, a Segunda Turma ratificou o entendimento do tribunal segundo o qual, havendo dúvida sobre a real destinação do imóvel, para fins de aplicação da imunidade tributária, cabe à Fazenda Pública apresentar prova de que seu uso estaria desvinculado da finalidade religiosa.

No caso julgado, o fisco municipal questionou se alguns terrenos seriam mesmo para templos adventistas, buscando a cobrança do ITBI na transação. Isso ocorreu após a igreja adquirir imóveis no município e pleitear administrativamente a imunidade tributária.

Em primeira instância, o pedido da igreja foi julgado improcedente, ante a ausência de provas de utilização dos terrenos para a construção de templos. O tribunal estadual reformou a sentença, dando razão à instituição religiosa.

No STJ, o município questionou a decisão, sustentando que não havia provas do uso dos terrenos para a finalidade religiosa, razão pela qual seria devido o recolhimento de ITBI.

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, lembrou que havia presunção relativa de veracidade nas declarações da igreja. Assim, segundo ele, caberia à Fazenda Pública, nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, apresentar prova de que os terrenos estariam desvinculados da destinação institucional.

O ministro citou precedentes do tribunal no mesmo sentido. Um deles, de 2007 (Ag 849.285), tratou de controvérsia similar com entidades que gozam de imunidade tributária, porém relacionada ao IPTU. Em qualquer caso, para o STJ, existindo alguma contestação sobre a utilização de imóveis por instituição beneficiada pela imunidade tributária, cabe ao fisco competente produzir a prova.

Alienação onerosa para coproprietário

No REsp 722.752, a Segunda Turma discutiu o caso de quatro coproprietários de seis imóveis urbanos, que extinguiram parcialmente a copropriedade para que cada um deles passasse a ser o único titular de um imóvel. Nessa situação, como ficaria o ITBI?

No recurso relatado pelo ministro Herman Benjamin, o colegiado deu razão ao fisco municipal, que pedia o recolhimento do tributo. Ele comentou que, ao contrário do que entendeu o tribunal estadual, não houve a mera dissolução do condomínio, já que cada coproprietário adquiriu dos demais os 75% do imóvel que não lhe pertenciam.

“O ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou permuta (cessão de parcela de outros imóveis)”, explicou.

De acordo com o ministro, em razão do reconhecimento de que cada imóvel deve ser tributado de forma autônoma, o STF não permitiu que os municípios considerassem como uma universalidade todos os imóveis de um contribuinte, para fins de progressividade das alíquotas. 

“Ora, se o município não pode considerar o conjunto de imóveis uma universalidade, para fins de cobrança do IPTU, não teria sentido admitir que o contribuinte possa fazê-lo, com o intuito de pagar menos ITBI”, disse o relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1937821AREsp 1760009AREsp 215273REsp 771781REsp 764808EREsp 1493162REsp 1175640REsp 1188655REsp 863893REsp 2525AREsp 2050401AREsp 1542296AREsp 1425219AREsp 444193Ag 849285REsp 722752

Fonte: Notícias do STJ

ARTIGO DA SEMANA: Por que não estimular o contribuinte adimplente?

João Luís de Souza Pereira

Advogado. Mestre em Direito.

Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito Rio

Professor convidado do IAG PUC-Rio

Desde o ano 2000, o país tem vivido experiências com leis que concedem parcelamentos especiais para devedores tributários.

O REFIS, instituído pela Lei nº 9.964/2000, ainda no governo FHC, foi o mais ousado programa de parcelamento concedido pela União. Naquela ocasião, puderam ser parcelados em condições excepcionalíssimas, tributos objeto de autos de infração, aqueles ainda não constituídos, os inscritos em dívida ativa e até mesmo os retidos e não recolhidos.

De lá para cá, sob denominações diversas, diferentes amplitudes e prazos de parcelamentos, assim como descontos variáveis, surgiram outros tantos programas de parcelamentos com condições mais vantajosa do que o chamado parcelamento convencional, com até 60 (sessenta) parcelas e sem qualquer desconto.

Os parcelamentos especiais e/ou excepcionais (REFIS, PAES, PAEX…) não se limitaram aos tributos federais.

Do ano 2000 para cá, diversos Estados e Municípios, através de leis ordinárias, também concederam condições especiais de parcelamento, seja ampliando prazos, seja com reduções de multas e/ou juros de mora.

Atualmente, as melhores condições de regularização de débitos aparecem sob a forma de transação tributária, instituída inicialmente por lei federal (Lei nº 13.988/2020), mas já adotada pelos demais entes da federação.

A transação, embora possuindo especificidades, nada mais do que um meio de concessão de parcelamento com prazos maiores e, eventualmente descontos, além de outras vantagens como a quitação parcial mediante a utilização de precatórios.

O fato é que, para cada norma concedendo condições especiais de parcelamento, surgem as críticas afirmando que tais normas acabam por privilegiar o mau pagador de tributos.

Embora o mau pagador, de fato, acabe obtendo melhores condições para pagar o que deve, os parcelamentos especiais/excepcionais e as transações também alcançam os contribuintes que, por motivos de ordem diversa (alta inadimplência, queda da atividade do setor, etc…), não conseguem pagar os tributos incidentes sobre sua atividade.

No entanto, como o país já acumulou bastante experiência na concessão de vantagens aos devedores, está na hora do Executivo e do Legislativo pensarem conceder bonificações ao bom pagador.

Numa rápida pesquisa sobre o tema, identifica-se o tímido bônus de adimplência fiscal, de que trata o art. 38, da Lei nº 10.637/2002, como única norma federal a prestigiar o pagador de tributos pontual e mesmo assim com um pequeno desconto de 1% da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, apenas aplicável às empresas tributadas pelo lucro real ou lucro presumido. E para os optantes do SIMPLES NACIONAL? E quanto às pessoas físicas?

Decididamente, o legislador federal pode ser mais criativo, concedendo, por exemplo, redução de alíquota no IRPF sobre o ganho de capital auferido pela pessoa física adimplente. Por que não conceder redução do adicional do IR para o bom pagador de tributos federais? 

No âmbito dos estados, há uma importante ferramenta para bonificar o contribuinte adimplente: o desconto na cota única do IPVA. Deste modo, o legislador estadual poderia restringir o desconto ao bom pagador ou conceder-lhe maior percentual de redução para o pagamento à vista.

O mesmo se aplica ao IPTU, na esfera municipal, mas nada impede que o legislador também conceda vantagens, tais como alíquotas reduzidas do ISS, para o contribuinte adimplente.

Como se vê, é hora de pensar num tratamento o mais adequado àqueles que, por um critério de Justiça amparado pelo princípio da igualdade, mantêm regularidade no pagamento de tributos e não sofreram lançamentos de ofício nos últimos cinco anos.

O sistema tributário melhorou após 34 anos da Constituição de 1988?

Dois assuntos se destacarão na semana que hoje se inicia: o resultado do primeiro turno das eleições, que infelizmente não será analisado neste texto, pois escrito antes do resultado, e a comemoração, no dia 5 de outubro, dos 34 anos de nossa Constituição, que comento sob o prisma tributário.

Na versão original do capítulo tributário de nossa Constituição, a União tinha competência para arrecadar impostos sobre (1) importação, (2) exportação, (3) renda, (4) IPI, (5) IOF, (6) ITR e (7) Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Também tinha competência para instituir taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios, além de contribuições: sociais, de intervenção e no interesse de categorias profissionais.

Após 34 anos, constata-se que no âmbito da competência para a cobrança dos impostos pouco foi alterado, exceto: (a) a possibilidade de cobrança do ITR, que passou a ser permitia aos municípios (artigo 153, §4º, CF – EC 42/03), e (b) o IGF, que jamais foi implementado, a despeito de incontáveis projetos de lei em trâmite pelo Congresso.

Ainda no âmbito da União, não há nenhum registro relevante sobre contribuições de melhoria durante esse período, bem como sobre taxas, embora essas tenham sido cobradas em situações específicas, sem grande vulto. Houve uma experiência horrível durante o confisco do Plano Collor, que vários autores caracterizaram como empréstimo compulsório.

O problema na esfera federal ocorreu com as contribuições, que se multiplicaram e se transformaram em uma fonte de arrecadação originalmente impensável. Foram estabelecidas Cides (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico), com múltiplas incidências setoriais; e as contribuições sociais foram amplamente disseminadas, destacando-se o vetusto Pis, ao qual foi aliada a Cofins (sucessora do anterior Finsocial). Originalmente tinham alíquotas baixas, que foram paulatinamente aumentadas, até que foram criadas as incidências não-cumulativas, com alíquotas escorchantes e sem nenhuma organicidade, que acabaram por dinamitar o sistema, invadindo o campo de tributação sobre o consumo, reservado aos estados. O foco era arrecadar sem compartilhar com estados e municípios, quebrando a estrutura de federalismo cooperativo inicialmente organizada — projeto tristemente exitoso, a despeito de ínfima parcela de uma das Cides ter passado a ser destinada aos estados e ao DF (artigo 160, III, CF — EC 44/04).

Outra contribuição social federal que foi muito impactada foi a previdenciária referente aos servidores públicos, que originalmente incidiria apenas sobre os servidores que estivessem na ativa e passou a incidir também sobre os proventos dos aposentados e pensionistas (artigo 149, §1º, CF — EC 41/03), o que alcançou todos os entes federados.

No que se refere à competência dos estados, a Constituição originalmente previa para os impostos: (1) ITCMD, (2) ICMS e (3) IPVA, além de (4) um esdrúxulo Adicional do IR federal. Previa também a possibilidade de cobrar taxas e contribuições de melhoria, além de contribuições previdenciárias de seus servidores.

No âmbito dos impostos estaduais, o primeiro a ser limado foi o inadequado Adicional do IR (EC 3/93), que não deixou saudades. Em compensação, o ICMS passou a ser objeto de diferentes movimentos aparentemente contraditórios. Por um lado, surgiu uma guerra fiscal com arrojada renúncia de receitas de ICMS, visando a atração de investimentos, o que gerou incontáveis ADIs, que passaram por diversas fases, desde a singela concessão de liminar seguida de revogação da norma atacada e a consequente perda de objeto da ação, até a manutenção da ADI, mesmo sendo revogada a norma. Ao fim e ao cabo, a guerra fiscal foi amplamente reduzida em razão da LC 160/17. Por outro lado, como contrapartida à renúncia fiscal, foi fortemente aumentado o ICMS sobre bens essenciais, como energia elétrica, combustíveis e comunicações, violando o princípio da essencialidade, nos quais a fiscalização ocorre com muito mais facilidade e a possibilidade de sonegação é baixíssima. Isso foi encerrado pelo STF em 2022, através do RE 714.139 (Tema 745 da Repercussão Geral), concedendo prazo até 2024 para que os estados reorganizassem suas finanças, o que foi literalmente atropelado pela LC 194/22, ao determinar que tal redução ocorresse de imediato, dinamitando as finanças estaduais e, por decorrência do desarranjo federativo-fiscal ocasionado, estiolando as finanças municipais. A consequência, ainda não sentida, é que a fiscalização estadual e municipal sobre as empresas será intensificada a partir do próximo ano.

Deve ainda ser destacado sobre o ICMS que a necessária desoneração das exportações permanece inconclusa, pois houve a vedação à cobrança desse imposto na exportação, mas não foi assegurada “a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores (artigo 155, §2º, X, “a”, CF – EC 42/03), o que deve ser deliberado pelo STF, à míngua de deliberação dos estados.

No que se refere ao IPVA, o ponto de destaque é a decisão do STF (RE 134.509 e RE 255.111, ambos de 2002), desconsiderando a possibilidade de sua incidência sobre aeronaves e embarcações, o que merece ser reanalisado pela corte. 

Outro aspecto da tributação estadual a ser destacado é o uso abusivo das taxas, várias delas declaradas inconstitucionais, porém outras ultrapassando o crivo do STF, como ocorreu nas taxas minerárias

No âmbito dos municípios, a Constituição, em sua versão original, previa que eles poderiam cobrar os seguintes impostos: (1) IPTU, (2) ITBI, (3) IVVC — imposto sobre a venda a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto diesel, e (4) ISS), além de taxas e contribuições de melhoria.

O primeiro a ser cortado foi o IVVC (EC 3/93), o que revela o desacerto da tributação sobre os combustíveis na versão original da Constituição, pois o sistema de impostos únicos, previsto na Constituição anterior (1967/1969) deveria ter sido mantido, evitando assim diversos problemas também com o ICMS.

O destaque foi a criação de outra tributação esdrúxula, a CIP — Contribuição para o Custeio de Iluminação Pública (artigo 149-A, CF – EC 39/02), cujo enquadramento teórico permanece sendo objeto de acirradas discussões jurisprudenciais e acadêmicas. Isso trouxe consequências positivas por um lado, pois possibilitou que as cidades se tornassem mais iluminadas; porém com um aspecto negativo, uma vez que gerou empoçamento de recursos, uma vez que o montante arrecadado não pode ser usado em outra finalidade.

Em síntese: após 34 anos de vigência do sistema constitucional tributário, algumas alterações foram efetuadas, mas ele permanece íntegro e funcionando. Existem muitos problemas, sem dúvidas, mas não exatamente no âmbito constitucional, pois este sistema nos permitiu ser a sétima economia mundial em 2011, aspirando chegar à sexta posição; hoje estamos em 13º lugar

Essa constatação aponta para dois aspectos: (1) o grande problema não está no âmbito constitucional, mas no infraconstitucional, seja no legal, seja no infralegal. Estes âmbitos devem ser aperfeiçoados, com respeito à segurança jurídica dos envolvidos (contribuintes e entes federados). E (2) as atuais reformas constitucionais em debate visam criar outro sistema tributário, o que não é ruim em si, embora as propostas em curso sejam péssimas — para seu aproveitamento será necessária uma enorme cirurgia nos textos que tramitam no Congresso (PEC 45 e PEC 110).

Embora não conheça os resultados das eleições no momento em que este texto está sendo escrito, grande parte dos próximos governos já foram eleitos no domingo, 2/10/22. Temos nova composição na Câmara dos Deputados, em um terço do Senado e nas Assembleias Legislativas, e grande número de chefes do Poder Executivo foram eleitos no primeiro turno de votação. Esse grupo de pessoas, incumbentes da administração pública brasileira, terão muito a discutir e a fazer, inclusive no âmbito tributário. Espero que também sejam capazes de ouvir a sociedade na urgente tarefa de (re)organizar o Brasil, que é de todos nós.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2022, 8h00

Publicado acórdão do STJ afirmando que o proprietário de imóvel gravado com usufruto é contribuinte do IPTU


15 de agosto de 2022 | AREsp 1.566.893/SP | 1ª Turma do STJ
A Turma, por unanimidade, entendeu que, no caso de imóvel gravado com usufruto, tanto o proprietário, que remanesce com o domínio indireto, quanto o usufrutuário, que exerce a posse direta e detém o domínio útil, são contribuintes do IPTU, podendo a lei municipal disciplinar a sujeição passiva de qualquer um deles ou, ainda, de ambos. À luz do entendimento jurisprudencial fixado no Tema 122/STJ – segundo qual o art. 34 do CTN elenca como contribuintes do IPTU tanto o proprietário quanto o detentor de domínio útil e o possuidor da coisa, este desde que tenha animus domini, cabendo à lei local de regência eleger sobre quem irá recair a sujeição passiva do imposto no âmbito daquela municipalidade –, os Ministros cassaram o acórdão recorrido, com a determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que, em novo julgamento da apelação, seja verificada a sujeição passiva à luz da lei municipal. Por fim, os Ministros destacaram que a definição de contribuinte é matéria reservada à lei complementar (art. 146, III, “a”, da CF/1988) e, por isso, o art. 1.403, II, do CC/2002 não pode ser considerado como norma excludente de sujeição passiva para fins tributários.

Fonte: Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.

TJ-SP anula lei de isenção tributária em troca de adoção de animais abandonados

A concessão de qualquer isenção só pode se dar mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas.

Assim entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular uma lei de Registro, de iniciativa parlamentar, que autorizava a prefeitura a conceder isenção de tributos municipais, como IPTU e ISS, a pessoas físicas ou jurídicas que adotassem animais.

Ao propor a ADI, a Prefeitura de Registro alegou afronta aos princípios da separação dos poderes, da legalidade tributária estrita, da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade, além de atentar contra a autonomia financeira do município. Por unanimidade, o colegiado julgou a ação procedente.

Conforme o relator, desembargador Décio Notarangeli, trata-se de lei específica que define o beneficiário e os requisitos para a concessão e manutenção da isenção de tributos. Ficaria, porém, a critério do Executivo a definição de quantos e quais tributos seriam objeto da isenção e a extensão da renúncia fiscal, o que deveria ser feito por decreto em até 60 dias.

“Está claro, pois, que a referida lei padece de inconstitucionalidade pela abdicação, pelo Poder Legislativo, de sua competência institucional em favor do Poder Executivo, o que atenta contra a separação de poderes e a reserva legal estrita em matéria tributária”, explicou o magistrado, destacando que a isenção tributária não poderia ser concedida por meio de decreto do prefeito.

Para Notarangeli, sem a completa definição dos elementos da isenção fiscal, não seria possível nem afirmar se o benefício era, ou não, desproporcional: “Como é fácil de perceber, um desconto de 3% no IPTU, costumeiramente concedido como estímulo para a quitação do tributo à vista em uma única parcela, não se equipara a isenção de 75% ao contribuinte adotante”.

O relator também afirmou que a lei impôs diretrizes ao Poder Executivo e a seus órgãos, como o centro de controle de zoonoses e os canis públicos, em ofensa à competência de auto-organização administrativa do município. Além disso, ele disse que a norma não foi antecedida de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, como determina o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

“Não consta que o projeto de renúncia fiscal tenha sido acompanhado de estimativa de impacto orçamentário, apesar de a questão ter sido suscitada antes da votação que derrubou o veto integral do prefeito. Nada obstante louvável a iniciativa parlamentar de incentivar a adoção responsável de animais abandonados, a Lei 2.000/2021, do município de Registro, padece de vício insanável de inconstitucionalidade”, concluiu.

Clique aqui para ler o acórdão
2275813-83.2021.8.26.0000

Fonte: Conjur – 23/08/2022

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