O julgamento do Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 09/06/2021, que declarou a inconstitucionalidade do art. 7º, §2º, da Lei nº 12.016/2009 (ADI 4296), tem impacto profundo no instituto da compensação tributária, modalidade de extinção do crédito tributário prevista no art. 156, II, do Código Tributário Nacional e disciplinada nos arts. 170 e 170-A, do mesmo Código.
A relação entre mandado de segurança e compensação tributária remonta ao início dos anos 1990, justamente a partir da Lei nº 8.383/91.
Mesmo prevista no art. 156, II, e 170, da redação original do CTN, como uma das hipóteses de extinção do crédito tributário, somente em dezembro de 1991 surgiu a regulamentação da compensação tributária pelo art. 66, da Lei nº 8.383/91.
Como se vê, durante um longo período, os contribuintes que tinham efetuado um pagamento de tributo a maior ou indevidamente somente poderiam obter o ressarcimento do indébito através de pedidos administrativos ou judiciais de restituição. Estas modalidades de ressarcimento dos pagamentos indevidos ou maior possuem uma série de inconvenientes, que vão desde as limitações no reconhecimento do indébito até o recebimento através de precatórios judiciais.
Surgindo como uma alternativa viável a estas situações desconfortáveis, a Lei nº 8.383/91 (e suas alterações) regulamentou inicialmente o instituto da compensação tributária. Posteriormente, a Lei nº 9.129/95 deu nova redação ao artigo 89, da Lei nº 8.212/91, disciplinando a compensação das contribuições previdenciárias. Finalmente, o artigo 74, da Lei nº 9.430/96 (com várias alterações) instituiu uma nova modalidade de compensação, restrita aos tributos administrados pela então Secretaria da Receita Federal.
A compensação tributária, à evidência, somente será cabível quando o sujeito passivo for ao mesmo tempo credor e devedor da Fazenda Pública e se justifica pelo fato de não ser razoável que aquele que se encontre nessa situação seja obrigado a pagar o que deve e pleitear a restituição do que pagou indevidamente ou a maior. Por isso, não há nada mais razoável do que a lei prever um encontro de contas entre os sujeitos da relação jurídica tributária nesta hipótese, afastando o solve et repete.
Embora a compensação tenha surgido como uma verdadeira luz no fim do túnel, os órgãos de administração tributária impuseram – e ainda impõem – diversos óbices à sua concretização, prevendo restrições ao direito de compensar por normas infralegais com sérios vícios de legalidade que, por vezes, acabam por inviabilizar o direito de compensar tributos pagos indevidamente ou a maior nos termos da lei.
Consequentemente, os contribuintes precisam recorrer ao Poder Judiciário para afastar o ato ilegal da autoridade administrativa que, em cumprimento às normas infralegais, restringem ou impossibilitam indevidamente o direito à compensação tributária tal como previsto na(s) lei(s) reguladora(s) da compensação.
Ainda nos início dos anos 1990, havia dúvida sobre o cabimento do mandado de segurança como a via processual adequada para fazer valer o direito à compensação na forma da lei, afastando as restrições veiculadas por Instruções Normativas – sempre elas – e Ordens de Serviço ilegais.
Entendendo que o caso é de típico ato ilegal praticado por autoridade administrativa com violação a direito líquido e certo do contribuinte, consolidou-se a jurisprudência pelo cabimento do mandado de segurança na espécie. Aliás, não tardou muito para o Superior Tribunal de Justiça sumular a questão: Súmula STJ nº 213 – O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.
Definida a questão do cabimento do mandado de segurança para o reconhecimento do direito à compensação tributária, também coube ao STJ definir que a compensação tributária não poderia ser deferida por provimento jurisdicional liminar, como assentou a Súmula STJ nº 212 desde a sua primeira redação: A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.
Inequivocamente, a Súmula STJ nº 212, surgida originalmente em 1998 (DJ 02/10/1998), inspirou o Poder Executivo a propor a redação do art. 170-A, do CTN, no que foi atendido pelo Congresso Nacional. Também é certo que a mesma Súmula deu ensejo à vedação expressa à compensação tributária por medida liminar prevista no art. 7º, §2º, da Lei nº 12.016/2009.
Interessante é observar os motivos que levaram o STJ, já em 1998, a sumular a questão da vedação à compensação tributária via medida liminar.
Do exame dos julgados que deram origem à Súmula STJ 212, observa-se do RMS 8206 que o Tribunal da Cidadania concluiu que a ausência de periculum in mora impede o deferimento liminar da compensação. Isto porque, “no âmbito do procedimento administrativo, a recorrente pode ainda valer-se das reclamações e recursos pertinentes.”
No mesmo RMS 8206, a Segunda Turma do STJ deixou claro que também não seria o caso de deferimento da compensação naquela fase processual porque “medida liminar tem caráter nitidamente satisfativo”.
Ao decidir o Recurso Especial 150.796, a Segunda Turma do STJ reafirmou a inexistência de periculum in mora para autorizar a imediata compensação, embora desta vez concluindo que “O deferimento liminar pressupõe a iminência de lesão irreversível” e daí concluiu que “Na compensação tributária, tal ameaça não existe, vez que se o contribuinte não efetuar, de imediato, a compensação, poderá, oportunamente, pleitear a restituição de indébito”.
No julgamento do REsp 153.933 a Segunda Turma ratificou a necessidade de processo judicial ou administrativo para a apuração da liquidez e certeza do crédito a compensar, assim como novamente reconheceu a natureza satisfativa da medida liminar que defere a compensação tributária.
Ao apreciar o Recurso Especial 137.489, a Primeira Turma do STJ concluiu que no juízo de cognição sumária o juiz não tem condições de aferir a origem dos débitos e créditos, tampouco a liquidez a certeza dos créditos a compensar.
A primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial 158.768 , concluiu que “A cautelar não se presta para afirmação da suficiência,
certeza e liquidez dos créditos lançados como compensáveis”.
Em síntese, pode-se dizer que o STJ entendeu que a compensação tributária, por ser modalidade de extinção do crédito tributário, cria uma situação definitiva e por isso mesmo não poderia ser deferida por medida liminar, provimento jurisdicional de nítida natureza precária e provisória. O STJ, enfim, concluiu que a compensação tributária e a medida liminar em mandado de segurança seriam incompatíveis.
Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, §2º, da Lei do Mandado de Segurança, o STF acabou com a restrição ao deferimento de medida liminar que autorize a compensação tributária.
Consequentemente, o julgamento da ADI 4296 tem como consequência a revogação tácita da Súmula STJ nº 212, visto não mais haver amparo, sob o prisma constitucional, para a restrição veiculada por aquele verbete.
Do mesmo modo, o julgamento da ADI 4296 importa na declaração de inconstitucionalidade do art. 170-A, do CTN, porque sendo possível a concessão de medida liminar em mandado de segurança para deferir a compensação tributária, não há fundamento constitucional para a norma que impõe aguardar o trânsito em julgado para a concretização de compensação tributária.
Todavia, para simplificar o que pode ser dar margem a discussão, melhora seria que o STJ revogasse expressamente a Súmula 212 e que fosse apresentado Projeto de Lei Complementar com o intuito de revogar o art. 170-A, do CTN.
Finalmente, é preciso esclarecer que a declaração de inconstitucionalidade do art. 7º, §2º, da Lei nº 12.016/2009, não confere um cheque um branco para o deferimento de compensações tributárias via medidas liminares em mandado de segurança. Como qualquer medida liminar da Lei nº 12.016/2009, aquela que deferir a compensação tributária dependerá do preenchimento dos requisitos da relevância dos fundamentos jurídicos da impetração e da ineficácia de decisão final favorável ao contribuinte.