ARTIGO DA SEMANA – APRIMORAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL ESTADUAL

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o voto de qualidade no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) que apresentamos como destaque desta semana nos leva a refletir sobre a necessidade de aprimoramentos no Processo Administrativo Fiscal do Estado do Rio de Janeiro. 

Sem prejuízo da conclusão dos trabalhos da comissão instalada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Senado Federal, há medidas legais e infralegais que devem ser adotadas pelas autoridades fluminenses com o objetivo de melhorar a qualidade do processo administrativo fiscal fluminense.

Todos que militam no processo administrativo fiscal do RJ ficariam agradecidos se a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovasse projetos de lei para o aperfeiçoamento do processo Administrativo Fiscal.

A primeira medida legislativa que se impõe é a extinção do voto de qualidade dos presidentes de Câmara do Conselho de Contribuintes.

A partir da publicação da Lei (federal) nº 13.988/2020 e da maioria que se formou no julgamento das ADIs 6399, 6403 e 6415, não faz mais nenhum sentido o silêncio do legislador fluminense acerca da extinção do voto de qualidade pelos Presidentes de Câmaras do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro.

Considerando que há Câmaras privativamente presididas por conselheiros representantes dos contribuintes (2ª e 3ª), a discussão pelo fim do qualidade no processo administrativo fiscal estadual ganha especial relevância, na medida em que a tese defendida não é o fim de um julgamento pró fisco mas, sobretudo, da supremacia de um julgamento justo.

Num Estado Democrático de Direito que prima pela isonomia e paridade de armas na dialética processual, nada justifica que o voto de um julgador – seja representante da Fazenda ou dos Contribuintes – tenha maior peso do que os de seus pares. Portanto, já passou da hora do voto de qualidade ser extirpado do processo administrativo fiscal estadual.

Os legisladores estaduais também precisam incluir dispositivo no Decreto-Lei nº 05/75 (Código Tributário Estadual) prevendo os embargos de declaração como um dos recursos no processo administrativo fiscal estadual.

Trata-se de recurso consagrado na legislação processual brasileira que tem por objetivo o aperfeiçoamento dos julgados, evitando a manutenção de decisões contraditórias, obscuras ou omissas.

À míngua de previsão legal para a oposição de embargos de declaração, os contribuintes arguem a nulidade dos julgados, muitas vezes acolhida, resultando em novos julgamentos pela instância recorrida com evitável dispêndio de tempo, recursos materiais e humanos.

A legislação tributária estadual também precisa ser aperfeiçoada para deixar expresso que os autos de infração e as notas de lançamento deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito.

Lamentavelmente, os autos de infração lavrados pela fiscalização da SEFAZ não costumam anexar todos os elementos de convicção  utilizados pelo autuante para a formalização da exigência fiscal. Consequentemente, o processo administrativo se inicia com indexável prejuízo ao direito de defesa, que poderá ser evitado ser a legislação impor aos Auditores Fiscais o dever da melhor instrução possível aos autos de infração/notas de lançamento.

Outra medida que representaria importante avanço no processo administrativo fiscal estadual seria a previsão de suspensão dos processos versando sobre matérias que estão submetidas à apreciação do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça sob os ritos da Repercussão Geral ou dos Recursos Repetitivos.

A adoção desta medida pelo legislador estadual irá ao encontro da desejável harmonia ente as decisões administrativas e judiciais, também afastando um desnecessário ingresso em juízo para a discussão de matérias pacificadas nos Tribunais Superiores.

O processo administrativo fiscal do Estado do Rio de Janeiro também precisa ser aperfeiçoado para, do ponto de vista legislativo, prever patamar razoável para a interposição de recurso de ofício pela autoridade julgadora de primeira instância. 

Mantida a regra atual – em que o recurso de ofício se constitui como uma regra – o julgamento de primeira é desprestigiado, significa um mero ritual de passagem, sem contar o desnecessário congestionamento nas pautas de segunda instância, abarrotadas de recursos de ofício absolutamente desnecessários.

É igualmente urgente que seja extinto o recurso exclusivo da Representação Geral da Fazenda ao SEFAZ. Este recurso hierárquico, por mero descontentamento face às teses definidas em julgamento colegiado, está longe de ser meio de controle da legalidade do ato administrativo. Trata-se, na verdade, de pura irresignação de uma das partes face ao decidido, repita-se, por órgão julgador colegiado.

Recorrer ao SEFAZ para reformar decisão tomada por um colegiado deve ser a exceção e só faz sentido se a decisão recorrida for absolutamente nula ou fruto de atuação fora da competência do colegiado.  Como o STJ já decidiu “a necessidade de controlar pressupõe algo descontrolado” (MS 8.810, DJ 06/10/2003). Meras irresignações, portanto, não podem dar ensejo à revisão de acórdãos pelo SEFAZ.

Também não podemos deixar de mencionar a necessidade de ser alterada a praxe adotada por diversos órgãos julgadores administrativos que, reconhecendo nulidade do processo ou de qualquer ato administrativo, não se preocupam em analisar o mérito do pedido e com isso simplesmente acolhem a nulidade, determinando que outro ato ou decisão  seja proferido em boa e devida forma.

Melhor seria, contudo, que mesmo se tratando de nulidade, as autoridades administrativas enfrentassem o mérito nos casos em que se puder decidir favoravelmente ao sujeito passivo.

A adoção desta providência, já prevista no processo administrativo fiscal federal (art. 59, § 3º, do Decreto nº 70.235/72) é medida de justiça fiscal e de evidente economia processual, abreviando a tramitação de processos que, ao fim e ao cabo, culminarão no afastamento de exigências fiscais descabidas.

Outra medida importante que precisa ser tomada está na comunicação das decisões administrativas.

Desde há muito – quem sabe até desde sempre – adotou-se como praxe no processo administrativo fiscal estadual a adoção de portarias de intimação para a comunicação de decisões de primeira ou segunda instâncias.

Nada contra a utilização das Portarias Intimação, não fosse o fato de  em todas elas constar a seguinte expressão: “O processo administrativo respectivo, contendo o inteiro teor do despacho acima mencionado, encontra-se à disposição dos interessados no endereço da repartição fiscal abaixo mencionada”.

Em razão da expressão acima transcrita, as diversas repartições simplesmente não anexam cópia integral da decisão administrativa proferida pelo Auditor-Chefe, pela Junta de Revisão Fiscal ou pelo Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro.

Pior ainda, sequer a ementa da decisão é transcrita na Portaria de Intimação, de modo que a expressão “do despacho acima mencionado” chega a ser falaciosa, visto que as Portarias limitam-se a informar a parte dispositiva da decisão.

Desnecessário dizer que a falta de juntada do inteiro teor da decisão administrativa caracteriza evidente prejuízo ao direito de defesa, na medida em que subtrai do contribuinte o direito de prontamente saber o conteúdo da decisão que repercute negativamente em sua esfera de interesses, fazendo-o perder precioso tempo na elaboração de seu recurso.

E nem se diga que o alerta de que o processo administrativo está à disposição na repartição competente é motivo para sanar a evidente irregularidade. Basta lembrar que, não raro, o interessado poderá estar estabelecido em outro município, mas circunscrito a uma Auditoria Especializada, por exemplo, localizada na capital. Além disso há casos em que o interessado está localizado em outro Estado, mas recebeu Portaria de Intimação dirigida por Chefe de Posto Fiscal. Portanto, é muito provável que o contribuinte perca bastante tempo até reunir condições para, deslocando-se à repartição fiscal, ter acesso ao inteiro teor da decisão.

Ademais, a utilização das Portarias de Intimação sem a devida juntada da decisão administrativa também representa violação a expressa previsão da legislação tributária estadual, precisamente ao artigo 36, parágrafo único, do Decreto nº 2.473/79, segundo o qual “A intimação de decisão será acompanhada de cópia ou resumo do ato.”

Portanto, é preciso que sejam adotadas medidas administrativas e/ou infralegais para que tais violações ao direito de defesa deixem de ser praticadas.

Como se vê, há muito trabalho pela frente. Atos legais, infralegais e administrativos podem mudar o rumo de um processo administrativo que precisa ser aprimorado para conferir maior justiça, eficácia e prestígio ao direito de defesa.

O momento de renovação do Executivo e Legislativo é propício para a implementação de mudanças.

A rigor, não é preciso esperar que o resultado dos trabalhos da comissão instalada pelo STF e Senado se transforme em normas legais. Cabe ao TJRJ, ALERJ e ao Governo do Estado formarem comissão com representantes do CRC, da classe dos advogados – não necessariamente da OAB/RJ – e representantes do empresariado para promover uma discussão com vistas a aprimorar o processo administrativo fiscal estadual.

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