João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito Rio. Professor convidado do IAG/PUC-Rio
De acordo com o artigo 38, do CTN, a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
A legislação dos municípios detalha o conceito de valor venal. O art. 14, parágrafo único, da Lei Municipal do Rio de Janeiro nº 1.364/88, por exemplo, afirma que Entende-se por valor venal o valor corrente de mercado do bem ou direito.
Não raro, os municípios adotam, para efeito de ITBI, o mesmo valor venal utilizado como base de cálculo do IPTU, daí resultado grave problema.
O Superior Tribunal de Justiça, através do Tema 1.113 dos Recursos Repetitivos, analisando as controvérsias acerca da base de cálculo do imposto, definiu que a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
Portanto, para o Tribunal da Cidadania a base de cálculo do ITBI é o valor da operação declarado pelas partes, cabendo, obviamente, avaliação contraditória pelo município mediante regular processo administrativo.
Todavia, em razão de tratar-se de imposto submetido ao lançamento por declaração, a orientação decorrente do Tema 1.113 não tem resolvido o problema.
Nos termos do art. 13, da Lei nº 1.364/88, “O Lançamento do imposto será efetuado na repartição fazendária competente”. Embora possa parecer que o ITBI no Rio de Janeiro será lançado de ofício, a verdade é que a emissão da guia de recolhimento depende de prévias informações prestadas pelo contribuinte ou por terceiros, daí não havendo dúvida de que se trata de imposto sujeito ao lançamento por declaração.
À luz do que restou pacificado no Tema 1.113, uma vez recebidas as informações/declarações do interessado, cabe ao fisco ao municipal tomar uma das seguintes providências: (a) emitir a guia do ITBI calculando o imposto pelo exato valor da base de cálculo informada ou (b) dar início a procedimento de ofício, assegurando ampla defesa e contraditório, com vistas a arbitrar a base de cálculo do imposto.
Porém, para os municípios nada mudou. O valor declarado pelo interessado para efeito de cálculo do ITBI continua sendo ignorado pela municipalidades e as guias do imposto continuam a ser emitidas por valor diverso daquele objeto da declaração.
É bem verdade que, não concordando com a base de cálculo adotada pelo município por ocasião da emissão da guia de pagamento do ITBI, o contribuinte pode apresentar impugnação com o objetivo de ser revista da base de cálculo.
Mas o problema é que a impugnação, que suspende a exigibilidade do ITBI (art. 151, III, do CTN) e por isso mesmo viabiliza a expedição de certidão de regularidade fiscal (art. 206, do CTN), não permite que o contribuinte obtenha o registro da escritura pública junto ao Cartório competente.
Isto porque os oficiais de registro, numa interpretação equivocada do artigo 289[1] da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), entendem que a “rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício” não lhes permite realizar o registro mediante a prova de que o lançamento do ITBI está sendo objeto de tempestiva impugnação.
Os oficiais de registro dão a mesma interpretação, restritiva e equivocada, ao art. 30, XI, da Lei nº 8.935/94:
Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:
XI – fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;
Para piorar, o caput do art. 20[2], da Lei nº 1.364/88, contrariando jurisprudência histórica do STF, estabelece como regra o pagamento antecipado do ITBI e o arts. 23, I[3] e 24[4], impõem solidariedade do tabelião, escrivão e demais serventuários pelo pagamento do imposto e imposição de multa de 50%.
Consequentemente, o comprador que tenha a intenção e o justo direito de ver a escritura rapidamente registrada não tem a apresentação de impugnação do ITBI como uma opção.
Prevalecendo a orientação do Tema 1.113 e as equivocadas interpretações dadas pelos oficiais de registro às leis federais, a solução é o ingresso no Judiciário, submetendo o contribuinte ao pagamento de Taxa Judiciária, Custas Judiciais e, eventualmente, honorários periciais.
No entanto, há solução muito mais simples que depende exclusivamente do legislador municipal e do Poder Executivo: basta que a Lei nº 1.364/88 passe a dispor que o imposto será submetido ao lançamento por homologação e, ato contínuo, que a Secretaria Municipal de Fazenda adote as providências necessárias para que a guia de pagamento do ITBI seja preenchida e paga pelo próprio contribuinte/interessado, por sua conta e risco, sempre ressalvada a possibilidade de arbitramento da base de cálculo pelo Município, mas após o pagamento e sempre respeitados a ampla defesa e o contraditório.
[1] Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.
[2] Art. 20 – O imposto será pago antes da realização do ato ou da lavratura do instrumento, público ou particular, que configurar a obrigação de pagá-lo, exceto nos seguintes casos:
[3] Art. 23 – O descumprimento das obrigações previstas nesta lei sujeita o infrator às seguintes penalidades:
I – de 50% (cinqüenta por cento) do valor do imposto devido, na prática de qualquer ato relativo à transmissão de bens ou de direitos sobre imóvel, sem o pagamento do imposto nos prazos legais;
[4] Art. 24 – Os tabeliões, escrivães e demais serventuários de ofício respondem solidariamente com o contribuinte pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles e perante eles, em razão de seu ofício, quando seja impossível exigir do contribuinte o cumprimento da obrigação principal.