A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a pessoa jurídica pode perfeitamente fazer a dedução retroativa dos juros sobre capital próprio (JCP) pago aos acionistas e sócios, retirando-os da apuração do lucro real. Assim, as empresas podem reduzir a base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Com esse entendimento, o colegiado negou provimento a dois recursos especiais em que a Fazenda Nacional buscava uma alteração da jurisprudência que se construiu na corte em posição favorável ao contribuinte.
A discussão envolve o pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP). Em suma, é a remuneração que as empresas pagam aos que investiram dinheiro na atividade exercida – comparável a um empréstimo. Esse pagamento não depende do sucesso do negócio.
Como ferramenta de atração de investimento, tal modalidade é interessante porque permite o ingresso de verbas que não serão consideradas lucro. Logo, serão deduzidas da base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, conforme prevê o artigo 9º da Lei 9.249/1995.
O ponto central é a possibilidade de as empresas atrasarem esses pagamentos e, apenas no momento em que o fizerem, descontarem o montante de uma só vez na apuração do lucro real. Em um dos casos analisados, a empresa não pagou o JCP de 2001 a 2005, mas em 2006 quitou a obrigação com seus acionistas e descontou R$ 12 milhões na apuração dos lucros.
Para a Fazenda Nacional, o contribuinte deveria respeitar o regime de competência — o método segundo o qual o lançamento é feito na data em que o evento contábil ocorre. Essa posição foi consolidada na restrição temporal incluída no artigo 75, parágrafo 4º da Instrução Normativa 1.700/2017.
Sem limitação temporal
Relator, o ministro Francisco Falcão apontou que o artigo 9º da Lei 9.249/1995, ao prever a dedução do JCP sobre o lucro real, não estabelece qualquer limitação temporal. Logo, não há impedimento para que essa dedução seja retroativa.
A única condição, imposta no parágrafo 1º, é que a empresa tenha lucros, lucros acumulados e reservas de lucros em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.
O ministro Falcão também afastou a ocorrência de ofensa ao regime de competência. Ele destacou que o pagamento do JCP depende de deliberação do órgão societário. É só nesse momento que surge a obrigação para empresa. Portanto, há respeito ao regime contábil.
A posição acaba por confirmar a jurisprudência já existente no STJ. O voto foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Mauro Campbell e Assusete Magalhães. Abriu a divergência e ficou vencido ao adotar a tese fazendária o ministro Herman Benjamin.
Vitória do contribuinte
Para o advogado Fábio Kawano, do Lira Advogados, a decisão é acertada e reforça a ilegalidade da restrição temporal prevista atualmente no parágrafo 4º do artigo 75 da Instrução Normativa 1.700/17, da Fazenda Nacional.
“Recentemente houve decisões no mesmo sentido exaradas pelas 1ª e 2ª Turmas da Câmara Superior do CARF. Assim, percebe-se uma evidente convergência no entendimento pró-contribuinte tanto na esfera administrativa quanto judicial”, disse.
A advogada Julia Ferreira Cossi Barbosa, do Finocchio & Ustra Advogados, destacou que a posição já era esperada, já que praticada pelo STJ desde 2009. Assim, não cabe mesmo qualquer restrição temporal como a feita pela Fazenda na IN 1.700/2017.
“De todo modo, a decisão não deixa de ser uma grande vitória aos contribuintes, que poderão deixar de receber autuações milionárias para questionamentos quando a dedução é realizada com base em pagamentos retroativos”, exaltou.
REsp 1.955.120
REsp 1.946.363
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2022, 14h41