Ação no STF sobre ISS em industrialização por encomenda gera alerta em municípios

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar nesta sexta-feira (14/4) um tema de amplo impacto na arrecadação dos mais de cinco mil municípios brasileiros: a incidência de Imposto Sobre Serviços (ISS) em operações de industrialização por encomenda.

O julgamento ocorre no Plenário Virtual e tem previsão para acabar no dia 24. O relator é o ministro Dias Toffoli. Já há pedidos de destaque para que seja apreciado presencialmente, devido à sua relevância — são, ao todo, oito amici curiae (amigos da corte) admitidos.

O caso concreto é o de uma empresa de Contagem (MG) contratada para cortar bobinas de aço em chapas. O município alega que pode tributar a atividade porque ela está descrita na lista que orienta o que são serviços geradores de ISS, anexa à Lei Complementar 116/2003.

O subitem 14.05 da lista indica que incide ISS sobre galvanoplastia, anodização, corte, recorte e acabamento de objetos quaisquer — processos que estão envolvidos na atividade praticada pela empresa alvo da tributação. As instâncias ordinárias e o Superior Tribunal de Justiça deram razão ao município.

No STF, a repercussão geral foi reconhecida em 2015 com o objetivo de dar definição ao tema, levando em conta o modelo de competências tributárias estabelecido pela Constituição e a sistemática de tributação do setor produtivo, orientada pelo princípio da não cumulatividade.

Esse é o cenário que faz com que o diretor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), Ricardo Almeida Ribeiro da Silva, defina o julgamento como o mais importante já feito sobre o ISS, por causa da capacidade de influir na arrecadação e na sonegação de impostos.

Cumulatividade em xeque
A tese da empresa é que sua atividade não se submete ao ISS, mas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual, já que a mercadoria não foi entregue ao consumidor final. Isso significaria incidir também o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a cargo da União.

O contribuinte alega que o corte de chapas de aço serviu como uma etapa do processo industrial. Assim, enquadra-se como industrialização por conta de terceiros, conforme a previsão do regulamento do ICMS mineiro.

Em parecer de 2015, a Procuradoria-Geral da República deu razão ao contribuinte. O documento apontou que apenas os tributos conferidos à União (IPI) e aos estados (ICMS) têm o poder de extrair recursos da cadeia produtiva. Para isso, usam a técnica da não cumulatividade.

O tributo é recolhido em todas as fases da cadeia produtiva, mas é compensado na fase seguinte até que esse ônus seja suportado pelo consumidor final. A cobrança do ISS em uma dessas etapas causaria um indesejável desequilíbrio.

A ideia é que os serviços incluídos na lista anexa da LC 116/2003 sejam interpretados não de forma literal, mas de acordo com sua real natureza. Se o corte de chapa de aço for serviço destinado ao consumidor final, incide ISS. Se, em vez disso, for etapa da industrialização, incidem ICMS e IPI.

O Supremo ensaiou essa interpretação em 2011, quando concedeu liminar na ADI 4.389 para afastar a cobrança de ISS sobre a fabricação e circulação de embalagens, apesar de esse serviço estar listado no subitem 13.05 da lista anexa à LC 116/2003. A decisão depois caiu porque a ação foi extinta sem julgamento de mérito por perda do objeto.

Convite à sonegação
Em manifestação encaminhada ao STF, a Abrasf alertou que não há razões constitucionais para substituir a incidência de um imposto cumulativo (ISS) por dois outros não cumulativos (IPI e ICMS). Assim, repetir a medida representaria fazer reforma tributária à revelia do Congresso Nacional, segundo a entidade.

A Abrasf argumentou também que o cabimento do ISS sobre o corte de chapas de aço não pode ficar à mercê da destinação do produto, pois se trata de fato posterior e estranho ao fato gerador do tributo. Será muito difícil fiscalizar essa atividade, pois ela envolverá destinatários desconhecidos e situados por todo o território brasileiro, cada qual com suas especificidades.

Segundo a Abrasf, a vinculação do fato gerador ao destino da chapa de aço vai gerar insegurança, manipulação, evasão e sonegação fiscal não só do ISS, mas também do IPI e do ICMS. Bastará ao contribuinte alegar ao município que o comprador usou os bens para processo industrial e dizer ao estado que o mesmo bem serviu para consumo final.

“Por melhores que sejam os argumentos econômicos ou financeiros para rejeitar a cumulatividade ou a falta de geração de créditos tributários para que os adquirentes das chapas de aço cortadas (caso sejam intermediários na cadeia produtiva) abatam do imposto devido na sua venda futura, não pode o Judiciário afastar a obrigação tributária do ISS, sob pena de instituir uma evidente situação de isenção tributária”, argumentou a entidade.

Voto do relator
Toffoli já votou e considerou que é inconstitucional a incidência do ISS prevista no subitem 14.05 da LC 116/2003 se os objetos são destinados à comercialização ou à industrialização.

O magistrado propôs a modulação dos efeitos de seu voto para impedir: a cobrança do ISS sobre fatos geradores ocorridos até a véspera do dia da publicação da ata de julgamento do mérito; e a repetição de indébito do ISS para quem recolheu o imposto até a mesma data. Nesse caso, a União não poderia cobrar o IPI sobre os mesmos fatos geradores.

As ressalvas à modulação seriam as ações judiciais ajuizadas até a mesma data — o que inclui repetições de indébito e execuções fiscais sobre a incidência do ISS — e os casos de bitributação comprovada, com relação a fatos geradores ocorridos até a data em questão. Nesses casos, o contribuinte teria direito à repetição do indébito do ISS independentemente de propor ação judicial até esse marco. Já nas hipóteses de não recolhimento do ISS ou do IPI, incidiria o IPI em relação aos fatos geradores ocorridos até o dia mencionado.

Ciclo econômico
Toffoli afirmou que as previsões da lei complementar podem ser ignoradas quando a atividade definida como serviço tributável não o for ou envolver o fornecimento de mercadorias “de vulto significativo e com efeito cumulativo”.

De acordo com o ministro, a lei complementar não pode expandir a competência tributária atribuída pela Constituição aos municípios. A LC 116/2003 não ressalvou os objetos destinados à industrialização ou à comercialização no subitem 14.05. Por isso, “deformou o critério material do ISS”, invadiu a competência tributária da União e provocou “efeito cumulativo relevante” do imposto municipal em relação ao IPI, segundo Toffoli. 

Para o magistrado, “a solução da controvérsia a respeito da tributação incidente sobre a industrialização por encomenda perpassa pela análise do papel que essa atividade tem na cadeia econômica, e não propriamente pela análise isolada da atividade-fim desempenhada pela indústria contratada”.

Se o bem retorna à circulação ou passa por nova industrialização após a industrialização por encomenda, este primeiro processo representa apenas uma fase do ciclo econômico e não está sujeito ao ISS.

Por esse critério, o relator entendeu que o imposto não se aplica a objetos destinados à circulação ou à industrialização em casos de atividades de restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, plastificação, costura, acabamento, polimento e afins.

Toffoli lembrou que a 1ª Turma do STF, em 2014, reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança de ISS quanto à industrialização por encomenda feita em materiais fornecidos pelo contratante, que eram retornados a ele e comercializados (RE 606.960). Na ocasião, discutiu-se a incidência do ISS sobre atividade de desdobramento e beneficiamento de bloco ou chapa de granito e mármore (corte, recorte ou polimento, nas definições do subitem 14.05).

No ano seguinte, a 1ª Turma chegou à mesma conclusão com relação à industrialização por encomenda em materiais fornecidos pelo contratante, embora tal atividade configurasse, no caso concreto, etapa intermediária do ciclo produtivo da mercadoria.

Questão de multa
O recurso extraordinário a ser julgado ainda incluirá uma relevante discussão: a definição de limites para a fixação da multa fiscal moratória, que no caso representou 30% do valor do débito. A análise vai levar em conta a vedação constitucional ao efeito confiscatório da multa fiscal.

Toffoli sugeriu a adoção do limite máximo de 20% do valor do débito para as multas moratórias, com as variações temporais (dia de atraso, mês etc.) a cargo de cada lei. Ele recordou que o Plenário da corte já estabeleceu a constitucionalidade de multas moratórias nesse percentual (RE 582.461), por considerá-las razoáveis e suficientes para punir quem deixar de pagar o tributo no tempo devido.

Em julgamentos antigos, a 2ª Turma reduziu multas de 100% para 30%. Em precedente mais atual, validou uma multa de 40%. Já a 1ª Turma, em casos bem mais recentes, reduziu multas de 30% para 20%.

No caso concreto, a análise da multa ficou prejudicada, pois ela foi aplicada devido à falta de pagamento do ISS — que, pelo voto de Toffoli, não precisava ser recolhido.

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RE 882.461

Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2023, 10h56

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