STF começa a julgar teto para multa de mora

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar uma ques-tão com impacto para todos os contribuintes que sofrem penalidades por atraso no pagamento de tributo. Os ministros vão definir se deve haver um teto para a aplicação da chamada multa de mora.

O julgamento foi iniciado na sexta-feira no Plenário Virtual. Deve ser concluído na segunda-feira (24), a não ser que algum ministro peça vista ou peça destaque, o que deslocaria a análise para o plenário físico (RE 882.461, Tema 816).

No recurso, os ministros também analisam um conflito entre Estados e municípios para definir se incide ICMS ou o ISS sobre operações de industrialização por encomenda, realizada em materiais fornecidos pelo contratante e quando essa operação for etapa intermediária do ciclo produtivo da mercadoria.

Sobre a multa de mora, o relator, ministro Dias Toffoli, entendeu que deve haver um limite. E estabeleceu, no voto, uma uniformização diante da ausência de uma lei complementar federal nesse sentido. Propôs teto de 20% para multas moratórias instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e municípios.

Segundo o ministro, há um cená- rio de “enorme discrepância de tratamento” da multa moratória pelas diversas unidades da federação. “Já houve caso em que foi aplicada multa tida como moratória de incríveis 150% ou 100%. Em outros, se viram multas que teriam a mesma nature- za nos patamares de 60%, 50%, 40% e 30%”, disse ele, fundamentando a necessidade de uniformização.

Ainda de acordo com a proposta do ministro, as variações temporais para aplicação da multa — por dia ou mês de atraso — podem ficar a cargo de cada lei.

O teto de 20% sobre o valor do débito, acrescentou, está em linha com julgamento do Supremo que, em 2011, estabeleceu serem constitucionais e não confiscatórias as multas moratórias de 20% do valor do débito (RE 582461, Tema 214).

“Há, nesse caso, juízo de certeza de que as multas moratórias fixadas até esse percentual são razoáveis, sendo oneroso o suficiente para punir aquele que, simplesmente, deixa de pagar tributo no tempo devido”, afirmou.

Para a advogada Nina Pancak, da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), entidade que atua como parte interessada no processo, havia dúvida se esse precedente de 2011 fixava um teto para a aplicação da penalidade. “As turmas do STF vinham sinalizando positivamente nesse sentido, mas agora, com o voto do relator, isso fica claro”, diz.

A discussão chegou ao Supremo a partir de um recurso da ArcelorMittal Brasil. A siderúrgica foi penalizada pelo município de Contagem (MG) a pagar multa de 30% sobre ISS supostamente devido e não recolhido no prazo. A empresa defende no processo que o correto seria recolher o ICMS sobre a industrialização por encomenda, tema que também está sob julgamento na Corte.

Sérgio Santana Silva, do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e DF, também parte interessada na causa, defendeu, em defesa oral aos ministros, que uma multa pouco superior aos 20% não teria efeito confiscatório. “A questão é colocar balizas que não podem ser tão ínfimas que não reprimam o comportamento inadimplente, mas também não tão sufocantes que tenham efeito confiscatório.”

No julgamento, o ministro Toffoli ainda acatou pedido das indústrias na disputa sobre o conflito de competência entre Estados e municípios para tributar operações de industrialização por encomenda quando esta for etapa intermediária do ciclo produtivo da mercadoria. Nesses casos, apontou o relator, deve incidir o ICMS.

Para o relator, é inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.05 da lista anexa à Lei Complementar no 116, de 2003, se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização. Esse item prevê, por exemplo, a tributação pelo ISS de restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, corte e polimento.

No caso, o município de Contagem havia exigido o ISS sobre operação da ArcelorMittal. A empresa explica no processo que os produtores de aço, contratantes, remetem os produtos em estado bruto a ela, que, após cortá-los transversal e longitudinalmente, devolve-os aos produtores.

O advogado Valter Lobato, que representa a companhia no julgamento, defendeu a incidência do ICMS. “Há escala industrial a ser realizada, não prevalece a individualização da encomenda e, portanto, prevalece a obrigação de dar e não de fazer”, disse aos ministros.

O tributarista Paulo Ayres Barreto, que representa a Associação Brasileira na Indústria Química (Abi- quim) no processo, apontou, em sustentação oral, que a exigência do ISS faria com que grandes indústrias acabem sendo menos tributadas do que as pequenas e médias.

Em seu voto, além de defender a incidência do ICMS, o relator propôs que a cobrança passe a valer a partir da data da publicação da ata de julgamento do mérito. Justificou a modulação dos efeitos da decisão pelo risco dos mais de 5,5 mil municípios virem a ser cobrados a devolverem o que foi recolhido indevidamente.

Pela proposta, os contribuintes que recolheram o ISS até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito ficariam impedidos de pedirem a devolução do imposto. Mas os municípios também estão impedidos de cobrar o imposto sobre fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito. Fica de fora da modulação, pelo voto, as ações judiciais ajuizadas até a véspera da mesma data.

Fonte: Valor Econômico – 18/04/2023

×