O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) deve ser isento e aplicador da lei ao julgar litígios, buscando o equilíbrio entre os interesses do Fisco e os do contribuinte. Quando se afasta desse preceito e se torna um mero órgão arrecadador do governo, o tribunal administrativo prejudica não só as empresas, mas o ambiente de negócios e o país como um todo.
É o que defende o advogado Hamilton Dias de Souza, um dos expoentes do Direito Tributário brasileiro, em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, na qual a revista Consultor Jurídico conversa com alguns dos principais nomes do Direito sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.
Com 50 anos de atuação na área, o ex-professor da Universidade de São Paulo falou sobre temas como a reinstituição do “voto de qualidade” para o desempate nas discussões no Carf, a relação entre os agentes fiscais e as empresas e a posição dos ministros do Supremo Tribunal Federal e de seus assessores diante de julgamentos em matéria tributária.
Sobre o Carf, Dias de Souza explica que o órgão passou por um ponto de inflexão no começo deste ano. Segundo o tributarista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entendeu que a tônica no conselho, até aquele momento, era de decidir a favor do contribuinte. Era preciso, então, mexer nesse modelo, com o objetivo de aumentar a arrecadação.
“Mudou o presidente do Carf, que era um legalista, presidente indicado pelo Fisco. Colocou outro, que até agora tem julgado as questões, digamos, de forma dividida, mas sobretudo a favor do Fisco”, aponta o advogado.
Nesse sentido, Dias de Souza diz que retomada do voto de qualidade inverte uma lógica que deveria nortear o órgão: a de que, em caso de empate, a decisão seja sempre a favor do contribuinte.
“Até porque isso sempre envolve uma sanção e, havendo sanção, na dúvida e a teor do que dispõe o Código Tributário Nacional, isso deve se resolver a favor do contribuinte. Mas mudou. A partir de 1º de janeiro, essas circunstâncias mudaram, o equilíbrio de forças do Carf mudou.”
Tal mudança nos rumos do conselho, segundo o tributarista, afeta também sua função primordial, que é ser isento diante dos interesses em jogo.
“Imaginar que nós tenhamos um órgão fiscal que não tenha a função de decidir de forma imparcial, mas que decida arrecadar mais, interfere nas relações delicadas entre Fisco e contribuinte. Prejudica o ambiente de negócios, prejudica as empresas, aumenta o ‘custo Brasil’ e prejudica a todos nós”, prossegue Dias de Souza.
A atual composição do Supremo Tribunal Federal em relação às discussões tributárias também foi objeto da análise. E, novamente, o diagnóstico é de que o perfil não é dos mais favoráveis à iniciativa privada nessas questões. Algo que se deve, segundo ele, à origem dos ministros.
“De alguma maneira, nós temos no STF um órgão em que a maioria dos julgadores provêm do poder público, e não da iniciativa privada.Anteriormente, eu me lembro de que a academia contribuía mais para o Supremo. Hoje eu vejo que a grande maioria dos ministros é egressa, de alguma forma, do poder público, ainda quando são magistrados”, explica.
“Não diria que o STF é injusto. Não diria que há um viés claro. Porém, se me perguntarem, com franqueza, o que eu sinto é uma dificuldade maior de que as teses do contribuinte sejam acolhidas.”
Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2023, 9h45