João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
Entre as propostas do Relatório do Grupo de Trabalho Destinado a Analisar e Debater a PEC nº 45/2019 (Reforma Tributária) está a alteração no IPVA.
O Grupo de Trabalho propõe duas mudanças no IPVA: (a) que o imposto passe a incidir sobre a propriedade de veículos aquáticos e aéreos; e (b) que o imposto seja progressivo em razão do impacto ambiental do veículo.
Como se sabe, o IPVA é o imposto estadual que incide sobre a propriedade de veículos automotores.
A Constituição também estabelece que 50% do produto da arrecadação deste imposto seja repassado ao municípios.
Portanto, é claro o interesse dos Estados e Municípios no incremento da arrecadação do imposto.
Mas não é esta a justificativa do Grupo de Trabalho para as mudanças propostas no IPVA.
Antes de mais nada, é preciso recordar que a incidência do IPVA sobre aeronaves e embarcações aquáticas já prevista em leis estaduais, mas afastada pelo Supremo Tribunal Federal.
Para o STF, a criação do IPVA pela Constituição de 1988 teve como propósito a substituição da antiga Taxa Rodoviária Única (TRU), razão pela qual a incidência do imposto sobre veículos não terrestres contrariaria os desígnios do legislador constituinte (RE 134.509/AM e outros).
O Grupo de Trabalho procura justificar a previsão constitucional de incidência do IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos na busca da isonomia tributária[1].
Esta justificativa não faz sentido.
A igualdade tributária existe para tratar da mesma forma aqueles que estejam em posição equivalente.
Famílias que usam veículos terrestres para deslocamento diário não estão em posição de equivalência com os proprietários de bens de alto valor e utilizados para fins recreativos.
O Grupo de Trabalho afirma que a ideia não é tributar os chamados veículos aquáticos e aéreos utilizados em atividades produtivas[2]. Pretendem, com isso, mirar nas embarcações e aeronaves de pessoas físicas.
Daí cabe a pergunta: alguém já imaginou um avião ou lancha na declaração de bens e direitos de uma pessoa física? Acorda, deputado!
O Grupo de Trabalho também propõe que o IPVA seja progressivo em razão do impacto ambiental do veículo[3].
Diversos Estados já preveem em suas leis que o IPVA tenha alíquotas diferenciadas em razão da utilização de diesel, gasolina, álcool ou energia elétrica.
Não há questionamento quanto à esta utilização extrafiscal do IPVA.
Logo, cabe outra pergunta: por que entupir a Constituição com mais este dispositivo?
Pelo visto, os membros do Grupo de Trabalho estão, como se diz na gíria, “viajando”. E não é por via marítima ou aérea…
[1] “De fato, a intenção da proposta é trazer mais isonomia à tributação do patrimônio, permitindo que bens de alto valor e utilizados para fins recreativos sejam onerados da mesma forma que os carros utilizados pelas famílias para seu deslocamento diário. Trata-se de medida que trará maior progressividade ao Sistema Tributário e que é demanda recorrente de grande parte dos Parlamentares, independentemente de legislatura ou de partido”.
[2] “…não pretendemos que o tributo incida sobre bens de capital das empresas, como, por exemplo, plataformas de petróleo. Esse imposto não terá o viés de onerar a atividade produtiva…”
[3] “Outra mudança sugerida pelo Grupo é a possibilidade de o IPVA ser progressivo em razão do impacto ambiental do veículo. Essa alteração está em linha com as propostas ambientais mais modernas defendidas mundialmente e caminha no mesmo sentido dos acordos de adequação de emissão de carbono em que o Brasil é signatário. Trata-se de proposta, portanto, em sintonia com o contexto mundial atual em relação tanto à tributação quanto à defesa do meio ambiente”.