Texto fixa penalidade em 100%, mas prevê volta ao patamar original na reincidência
O projeto de lei sobre a volta do voto de qualidade ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) trata de outra questão polêmica: as multas aplicadas pela Receita Federal. O texto reduz de 150% para 100% a chamada “qualificada”, adotada pela fiscalização quando entende que o contribuinte cometeu fraude, dolo ou simulação para não pagar ou recolher menos tributos. Mas a penalidade, de acordo com a proposta, pode voltar ao patamar original em caso de reincidência.
Existem pelo menos cinco discussões entre contribuintes e Receita Federal sobre multas aguardando julgamento no Su- premo Tribunal Federal (STF), segundo levantamento realizado pelo escritório BMA Advogados. As duas principais seriam resolvidas com a aprovação do texto atual do projeto de lei.
A proposta passou pela Câmara dos Deputados no primeiro semestre (PL no 2384/2023) e está agora na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Otto Alencar (PSD-BA), relator no Senado, pretende apresentar o seu parecer até o fim deste mês. Caso os senadores façam alterações, o texto terá que ser devolvido à Câmara.
Hoje, na esfera federal, há a multa de 20%, aplicada quando há atraso no pagamento de tributo, as chamadas isolada e de ofício, de 50%, para descumprimento de obrigação acessória, e a multa padrão adotada nas autuações — que pode ser elevada para 150% em caso de fraude, dolo ou simulação.
“No regime de hoje, as multas podem somar 220%, porque só a multa qualificada é de 150%”, afirma Diana Piatti Lobo, sócia do Machado Meyer Advogados. De acordo com ela, a penalidade sempre teve caráter confiscatório e o Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que tributo não pode ter efeito de confisco.
A advogada vê com bons olhos as mudanças propostas no projeto de lei. Para ela, são alterações muito positivas para os contribuintes. “Acho que elas estão em linha com a tentativa de melhora do ambiente fiscal.”
A principal mudança está na multa qualificada, que cairia para 100%. Porém, em caso de reincidência, voltaria aos 150%. Pelo texto, será considerada reincidência nova tentativa de fraude, dolo ou simulação no prazo de dois anos.
A proposta também prevê redução de penalidades em caso de autorregularização. As multas de ofício e de mora cairiam, respectiva, em um terço e 50%.
Além disso, o artigo 14 do projeto de lei determina o cancelamento de multas em autuações fiscais inscritas ou não em dívida ativa que exceda a 100% do crédito tributário. “Esse comando vale inclusive para multas já aplicadas, mesmo que esteja em inscrição em dívida. Altera o regime para multas que serão aplicadas e aplica o novo regime para as multas já constituídas”, afirma Diana Piatti Lobo.
Apesar de a proposta não resolver todos os litígios envolvendo as multas tributárias, poderia dar fim aos mais importantes na esfera federal, segundo Lígia Regini, sócia do BMA Advogados.
A advogada lembra que a multa de 150% por vezes é questionada no Carf, sob a alegação de que o fiscal não comprovou a fraude para qualificar a multa. “Hoje é necessário enfrentar o contencioso administrativo para afastar a multa de qualificação”, diz.
Para Regini, a mudança indica uma evolução muito importante, seguindo a ideia de que a multa não teria propósito arrecadatório, mas que seria apenas um instrumento para estimular a conformidade e corrigir desconformidades. “Hoje as Fazendas estão arrecadando através da multa. Não deveria ser esse o propósito.”
Dois temas abordados no PL são alvo de questionamentos no STF em dois recursos. Em um deles, os ministros vão definir a possibilidade de fixação de multa tributária punitiva, não qualificada, em montante superior a 100% do tributo devido (RE 1335293). No outro, os limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio de 150% sobre a totalidade ou diferença do imposto (RE 736090).
As outras teses que seguem em discussão no STF tratam de multa por descumprimento de obrigação acessória, multa por não homologação de pedido de compensação e o limite de fixação da multa moratória.
“É uma evolução e o fiscal sai da postura de só aplicar a lei automaticamente”, afirma a advogada. Ela acrescenta que esses pontos do projeto de lei podem resolver ainda contenciosos na esfera administrativa. “E daria para a Receita daqui pra frente o dever de ter mais critério na aplicação da penalidade.”
De acordo com o vice-presidente do Sindifisco Nacional, Tiago Barbosa, os auditores fiscais não são favoráveis às mudanças nas multas. O objetivo principal das multas, afirma, não
é a sua aplicação em casos de Imposto de Renda da Pessoa Física, por exemplo, mas sim alcançar grandes contribuintes com planejamentos abusivos e ilegais.
As mudanças trazidas pelo projeto de lei, em geral, acrescenta o vice-presidente, não incentivam o pagamento de tributos. “Não são medidas adequadas, sobretudo pelo histórico e pela comparação do sistema tributário brasileiro com os dos países que conseguem fornecer distribuição de renda e igualdade social”, diz ele. Para o auditor fiscal, alterar a multa agrava o problema, que é uma espécie de estímulo a fazer o planejamento tributário se tornar planejamento financeiro.
Fonte: Valor Econômico – 16/08/2023