Em debate, relator explica construção da reforma tributária no Senado

O Fórum Esfera, promovido no último fim de semana no Guarujá, colocou frente a frente legisladores, governadores, representantes do governo federal e do contribuinte para um debate intenso sobre a reforma tributária possível e a que cada setor idealiza, de acordo com seus interesses.

Falando pelos contribuintes, o advogado Luiz Gustavo Bicharadestacou pontos positivos da reforma, como a redução da complexidade e da litigiosidade do atual sistema. Mas alertou para o risco de uma “caça às bruxas” caso o Senado retire setores da previsão de alíquota reduzida, sob o argumento de que isso necessariamente gera uma alíquota geral maior. “Esses setores podem ter importância social, econômica ou estratégica que justifique tratamento diferenciado, como é o caso da energia elétrica e de limpeza urbana.”

Bichara ressaltou que “a União também tem outros instrumentos que podem servir para aumentar a carga tributária, como o Imposto Seletivo, cuja redação é muito ampla”, o que, para o advogado merece ser objeto de restrições no corpo da Proposta de Emenda Constitucional.

E concluiu falando das preocupações sobre a aquisição de bens de ativo fixo, “cuja regra de desoneração deveria ser mais clara e com a necessidade de transição mais gradativa também para a parcela federal que, hoje, aumenta de uma vez na virada de 2026 para 2027”.

O senador Eduardo Braga, relator da reforma tributária no Senado, informou que, mal iniciou-se a apreciação na casa e a matéria já foi alvo de 80 emendas, Veja a transcrição da exposição do senador:

A Câmara deu um passo muito importante. Mas o sistema brasileiro é bicameral. Ainda há pouco a apresentadora falou: “Olha, nós já demos um passo importante — aprovamos o texto da reforma constitucional”. Na realidade, nós aprovamos na Câmara o texto, e aqui estão alguns dos nossos companheiros mais importantes, e que foram responsáveis — quero aqui cumprimentar a Câmara por esse importante passo, seja na figura do presidente, Arthur Lira, mas também na figura do Aguinaldo Ribeiro, relator da matéria na Câmara, e do líder do meu partido, Isnaldo Bulhões, que participou ainda há pouco. E na figura do Isnaldo eu quero cumprimentar todos os líderes da Câmara.

Mas essa matéria ainda não foi aprovada. Ela veio agora para o Senado, e no Senado ela sofrerá um amplo debate. E qual a metodologia que nós adotamos ao chegar ao Senado?

A primeira de todas as providências foi, ao receber o texto que veio da Câmara, procurar o Ministério da Fazenda, o ministro [Fernando] Haddad, o secretário-extraordinário [Bernard] Appy, e pedir um estudo que pudesse nos indicar as alíquotas que seriam estabelecidas pelo modelo aprovado pela Câmara dos Deputados.

Por que isso? Porque não creio que o Brasil possa aprovar uma reforma tributária às escuras, sem ter uma perspectiva de qual alíquota nós estamos falando para o consumidor e para o setor produtivo brasileiro.

O segundo passo que demos, e aqui eu quero agradecer ao presidente Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União — foi ir ao Tribunal de Contas da União e pedir ao Tribunal de Contas da União o apoio e o auxílio do Tribunal de Contas da União, do ponto de vista técnico, que nós tenhamos base técnica das informações e análise técnica sobre os estudos apresentados pelo Ministério da Fazenda. Para quê? Para que nós possamos ter segurança técnica para votarmos e deliberarmos de forma absolutamente consciente, no Senado da república, sobre o que estamos aprovando para o contribuinte, para o setor produtivo e para a nação brasileira em relação à futura carga tributária da reforma que nós pretendemos entregar.

Acho que a discussão não é apenas de alíquota. Eu não pude concluir o meu raciocínio na minha primeira participação. O fundamental para o povo brasileiro é que a carga tributária nesta reforma não seja ampliada. Ninguém mais aguenta pagar mais imposto sobre consumo nesse país.

Independentemente de alíquota. Para isso, o poder limitador de tributar, que é um poder constitucional, precisa estar estabelecido nesta emenda constitucional.

Portanto, nós estamos pedindo ao Tribunal de Contas da União que, junto com o Ministério da Fazenda, possa nos informar, na Comissão de Constituição e Justiça e no Senado, qual a carga tributária hoje existente no consumo no Brasil. Para que este seja o limitador do poder de tributação como comando constitucional. Porque aí nós estaremos assegurando ao contribuinte brasileiro, ao empresário, ao cidadão, à dona Maria, ao seu João, que esta reforma tributária não representará aumento de carga tributária para o povo brasileiro.

E aí vamos discutir as questões federativas: o Conselho Federativo será um órgão técnico- administrativo, ponto. Não tem espaço político no Senado da República para que esse

Conselho Federativo tenha outras funções. Caso contrário, existem inúmeras emendas — e aqui estão senador Efraim, senador Angelo Coronel, senador Hiran — inúmeras emendas, inclusive, com propostas radicais de até extinção do Conselho Federativo — o que inviabiliza inclusive a metodologia aprovada pela Câmara.

Portanto, diferentemente do que foi dito ainda há pouco, as competências do Conselho Federativo estarão no comando constitucional. De forma clara. Por quê? Porque a questão federativa é uma questão do pacto federativo que está na Constituição da República e assim será preservado.

Agora, as questões técnicas federativas, assim como acontece no Simples Nacional, estarão competentemente estabelecidas no Conselho Federativo. Portanto, esta é a principal preocupação dos governadores, que ficará, a meu ver, absolutamente esclarecida nesta sessão temática da próxima terça-feira.

Mas aí é importante colocar a importância do Tribunal de Contas da União, como órgão auxiliar do Legislativo, para dirimir exatamente esse tipo de dúvidas, para que não passe para a sociedade uma informação que leve a uma interpretação dúbia — o Tribunal de Contas da União vai convalidar esses dados de forma indiscutível para o Senado da República.

Agora, isso é a segurança que o Senado quer exatamente para dar ao povo brasileiro a transparência do que estamos votando na reforma tributária. Essa é a segurança que nós queremos.

Nosso esforço e nosso compromisso são nessa direção. É claro que, na democracia, depende de um conjunto de esforços e de um conjunto de eventos, mas o nosso cronograma é nesse sentido. Eu gostaria de entrar também na questão do imposto seletivo.

Veja, o Bichara falou: “Olha, o Imposto Seletivo vai substituir o IPI.” Ora, quer algo mais genérico que imposto de produto industrializado? O que é imposto de produto industrializado? Angelo Coronel, uma vassoura é um produto industrializado. Ou não é? É. Portanto, quando o IPI foi instituído, substituindo o imposto sobre consumo, ele também era algo genérico.

Agora, o que eu acho? Eu acho que o Imposto Seletivo, também, tal qual o IPI — que tem limite constitucional, tem teto de alíquota constitucional —, não pode ficar sem uma trava constitucional. E é preciso que se compreenda que, na regulamentação do Imposto Seletivo, duas questões: O que é o Imposto Seletivo — porque, o fundamentalismo não pode estar no Imposto Seletivo. Ele tem que ser um imposto de sustentabilidade, sob pena da inviabilização da economia brasileira — agora, ele é um imposto extrafiscal, ele está substituindo o IPI — e o IPI é base fundamental de funding para o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), para o FPE (Fundo de Participação dos Estados), para o FNO (Fundo Constitucional do Norte), para o FNE (Fundo Constitucional do Nordeste), para o FNCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste), e inclusive de funding para o BNDES.

Portanto, esse imposto terá — e isso nós estamos conversando com o Ministério da Fazenda, com o secretário Bernard Appy, porque nós precisamos calibrar esse imposto, e esse imposto tem sido objeto de uma discussão inclusive com relação à questão da tributação sobre produto final, ou sobre insumos, que é uma discussão também que está muito presente nesse debate.

Portanto, sem nenhuma dúvida, o imposto seletivo é um imposto importante na estruturação que foi colocada, mas precisam ser levadas em conta estas observações, e nós no Senado estamos atentos com estas questões e discutindo tecnicamente — e óbvio, com ênfase política e federativa, a questão do imposto seletivo.

Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2023, 14h49

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