João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
A aprovação do Projeto de Lei nº 2.384/2023, que reintroduz do voto de qualidade pró fisco nos julgamentos do CARF, não deve encerrar as discussões sobre este tema.
A iniciativa do governo no Projeto de Lei e todo o empenho do Ministério da Fazenda em sua aprovação dão uma boa mostra de que a intenção do Poder Executivo sempre foi ver um processo administrativo com julgamento parcial e com exclusivo propósito arrecadatório.
Em contrapartida à reintrodução do voto de qualidade em favor do fisco, o PL 2.384/2023 prevê que, nestes casos, o pagamento do tributo devido poderá ser realizado sem a incidência de multa de ofício e juros moratórios, bem como autoriza o cancelamento da representação fiscal para fins penais.
Estas benesses, evidentemente, têm um só propósito: encerrar a discussão administrativa com o pagamento do crédito tributário pelo contribuinte.
Mas é preciso ficar alerta: o pagamento após um processo encerrado pelo voto de qualidade não implica, necessariamente, numa causa perdida. Muito pelo contrário.
Não raro, os votos de qualidade a favor do fisco vão na contramão daquilo que o Poder Judiciário vem decidido sobre a mesma matéria.
Ou seja: o CARF decide a favor do fisco, mas a Justiça decide a favor do contribuinte.
Um exemplo: há empresas que, por motivos diversos, acabam realizando pagamentos de juros sobre o capital próprio relativos a períodos anteriores e por isso sofrem autuações glosando a dedução destes pagamentos na apuração do IRPJ e da CSLL porque, no entendimento do fisco, somente podem ser deduzidos o JCP no ano-calendário a que se referem os seus limites, sendo, portanto, vedada a possibilidade de dedução relativa a períodos anteriores (vide art. 75, §4º, da IN-RFB 1.700/2017 e Soluções de Consulta COSIT 329/2014 e 45/2018).
Após várias decisões contrárias aos contribuintes no CARF, houve uma reviravolta exatamente no período em que vigorou o voto de qualidade em favor dos contribuintes.
Interessante notar que neste tema as decisões do CARF proferidas pelo voto de qualidade em favor dos contribuintes vão exatamente no mesmo sentido daquilo que o Superior Tribunal de Justiça decide sobre a matéria.
Consequentemente, com o retorno do voto de qualidade em favor do fisco, o CARF estará decidindo contrariamente à jurisprudência construída e pacificada, inclusive com acórdãos recentes[1], do STJ sobre a matéria.
Como se vê, a previsão de pagamento do tributo sem multa e juros após decisão do CARF pelo voto de qualidade em favor do fisco não passa de uma arapuca…
[1] TRIBUTÁRIO. IRPJ. CSLL. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. DEDUÇÃO. EXERCÍCIOS ANTERIORES AO DA REALIZAÇÃO DO LUCRO. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está pacificada no sentido de que é lícita, a partir do ano calendário 1997, a dedução dos juros sobre capital próprio mesmo em relação a exercícios anteriores àquele em que realizado o lucro da pessoas jurídica.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.971.537/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 17/8/2023.)