Para o STJ, não cabe à Fazenda compensar saldo de ICMS ao lavrar auto de infração

A utilização de crédito de ICMS para compensação do tributo devido é uma possibilidade a ser exercida pelo contribuinte no momento do lançamento por homologação. Assim, não é possível impor ao Fisco que faça esse encontro de contas no momento do lançamento de ofício.

Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um laboratório farmacêutico que tentava anular um auto de infração lavrado pela Fazenda de São Paulo pelo não pagamento de ICMS no valor de R$ 1,8 milhão.

Segundo o contribuinte, o Fisco paulista deixou de considerar que ele tem R$ 20 milhões em créditos de ICMS aptos a serem compensados em sua escrituração contábil. A alegação é que a decisão administrativa feriu o princípio da não cumulatividade.

É plenamente possível usar esse crédito para compensar a cobrança futura de ICMS, desde que isso seja feito dentro do prazo de cinco anos da data de emissão do respectivo documento fiscal. O que se discutiu, no caso, foi uma possível ampliação das formas admitidas para essa compensação.

O direito à compensação pode ser exercido no lançamento do ICMS por homologação, quando o próprio contribuinte calcula o tributo e antecipa o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, a quem caberá homologar esse ato.

Se o contribuinte não declara o fato gerador do ICMS, o lançamento por homologação é substituído pelo lançamento de ofício, em que o agente fiscal calcula o montante devido. No caso, isso ocorreu pela lavratura de um auto de infração por falta de pagamento, com imposição de multa.

Para a empresa, caberia ao Fisco paulista, no momento de lavrar o auto de infração, perceber que ela tinha crédito suficiente para abater a totalidade do que não recolheu a título de ICMS. Essa possibilidade já foi admitida pelo STJ, em precedente da 2ª Turma (REsp 1.250.218).

Para as instâncias ordinárias, no entanto, esse encontro de contas é uma tarefa do contribuinte, que pode ou não exercê-la no momento oportuno. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concluiu que não há qualquer dever da administração fazendária de fazer essas contas.

Essa interpretação foi referendada por unanimidade de votos na 1ª Turma. Relator, o ministro Gurgel de Faria observou que cabe somente ao contribuinte escolher o momento para compensação dos créditos de ICMS e quais deles serão efetivamente aproveitados.

Se a empresa não exerce essa faculdade no momento oportuno, não pode fazê-lo retroativamente. “Concluo, assim, que o direito de crédito somente pode ser exercitável no âmbito do lançamento por homologação”, afirmou o relator.

Consequências
Na visão do ministro Gurgel de Faria, é simplesmente impossível o Fisco considerar eventual saldo credor de ICMS no lançamento de ofício do imposto. Isso porque a análise feita depende da validade das declarações e dos documentos apresentados pelo contribuinte quando da ocorrência do fato gerador.

“Se cada vez que o Fisco não homologar a apuração e o pagamento do imposto for necessária a investigação de toda a documentação fiscal relacionada com os créditos do contribuinte, o objeto da fiscalização será aumentado em muitas vezes, inviabilizando, na prática, o exercício do mister da administração tributária”, explicou ele.

Essa questão prática também foi levada em conta no voto-vista da ministra Regina Helena Costa, que classificou o lançamento por homologação como instrumento de praticabilidade para pagamento do ICMS, pois simplifica e racionaliza a atividade administrativa.

Para ela, adotar a disciplina do lançamento por homologação também para os casos de lançamento de ofício resultaria na redução significativa desses benefícios e implicaria salvo-conduto para uma atuação descompromissada com a cultura de conformidade fiscal.

Uma empresa que possui créditos de ICMS, por exemplo, não precisaria se preocupar com a falta de pagamento do tributo no futuro ou com obrigações tributárias acessórias, pois caberia ao próprio Fisco afastar essas irregularidades em prol de uma compensação que o próprio contribuinte não fez quando teve a oportunidade.

“Ademais, caso a medida pleiteada se tornasse a regra, os direitos da empresa recorrente de parcelar o débito, buscar a transação e utilizar posteriormente o saldo, observado o prazo decadencial, seriam atingidos”, concluiu a ministra.

Clique aqui para ler o acórdão
AREsp 1.821.549

Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2023, 8h47

×