ARTIGO DA SEMANA – Crédito de ICMS na aquisição de produtos intermediários

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça divulgada aqui, representa significativo avanço na interpretação das normas acerca do crédito de ICMS sobre produtos intermediários.

No julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.775.781, a Primeira Seção do STJ, pacificando a questão, decidiu que o direito ao creditamento existe quando comprovada a necessidade do uso de produtos intermediários para a atividade-fim do contribuinte.

Esta, aliás, já era a orientação dos julgados da Primeira Turma[1] do STJ.

Deste modo, afasta-se a jurisprudência mais restritiva, segundo a qual seria necessária a comprovação do consumo do produto intermediário no processo produtivo da empresa[2].

Portanto, os produtos intermediários que sofram desgaste no processo produtivo, ainda que não consumidos e por isso mesmo não incorporados ao produtos final, não são considerados bens de uso e consumo.

Consequentemente, o crédito destes produtos intermediários pode ser imediato, não se submetendo à postergação do aproveitamento para 01/01/2033.

A decisão do EREsp 1.775.781 representa, na verdade, a melhor interpretação do artigo 20, §1º, da Lei Kandir, segundo o qual Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento.

Ora, ao definir que o produto intermediário utilizado na atividade-fim, embora não consumido no processo produtivo, confere o direito ao ICMS relativo à sua entrada no estabelecimento, o STJ está a garantir que, para efeito de compensação do ICMS, a vedação ao crédito só deverá ter lugar quando a mercadoria for utilizada em operações subsequentes não tributadas ou, mais importante ainda, que não sejam vinculadas à atividade do estabelecimento. 

Esta decisão permite que se tenha esperança quanto à pacificação deste tema junto aos órgãos administrativos de função judicante e aos Tribunais de Justiça dos Estados, não sendo considerada como um caso isolado…


[1] TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTS.

489 e 1.022 DO CPC INOCORRÊNCIA. PRODUTOS ESSENCIAIS À ATIVIDADE FIM DA EMPRESA AINDA QUE DESGASTADOS GRADATIVAMENTE. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS DE ICMS. POSSIBILIDADE. VERIFICAÇÃO DA ESSENCIALIDADE. NECESSIDADE DE EXAME DE PROVAS. COMPETÊNCIA DA CORTE DE ORIGEM. MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão.

III – É legítimo o aproveitamento dos créditos de ICMS referentes à aquisição de quaisquer produtos intermediários, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de utilização dos mesmos para a atividade fim da empresa.

Precedentes.

IV – Provido o recurso especial para estabelecer nova premissa, impõe-se o retorno dos autos, a fim de que o tribunal de origem decida acerca do direito ao aproveitamento de créditos considerando a essencialidade dos produtos questionados para a realização da atividade fim do objeto social do estabelecimento empresarial.

V – Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

VI – Agravo Interno improvido.

(AgInt no REsp n. 2.053.167/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/2023.)

[2] TRIBUTÁRIO ? PROCESSUAL CIVIL ? ICMS ? PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS UTILIZADOS NO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO ? IMPOSSIBILIDADE DE CREDITAMENTO DE ICMS ? ARTIGO 20 DA LC 87/96 ? AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.

1. A controvérsia essencial dos autos restringe-se ao direito de crédito do ICMS, na hipótese da aquisição de bens que sofrem desgaste ao longo da cadeia produtiva.

2. Dos autos, verifica-se que a matéria infraconstitucional supostamente violada no recurso especial, qual seja, art. 20 da LC n. 87/96, não foi objeto de análise por parte do Tribunal de origem, razão pela qual ausente o necessário prequestionamento. Assim, incide no caso o disposto no enunciado 211 da Súmula do STJ.

3. No tocante à alínea ?c?, é de reconhecer que o dissídio jurisprudencial alegado não restou adequadamente apresentado, pois o recorrente não demonstrou as circunstâncias identificadoras da discordância entre o caso confrontado e o aresto paradigma, vindo em desacordo com o estabelecido nos artigos 541 do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, e com o entendimento pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

4. Ad argumentum, mesmo se presente o necessário prequestionamento, a agravante não lograria êxito em sua pretensão. Em outros termos, no que tange ao direito de crédito de ICMS, oriundo dos denominados produtos intermediários, isto é, aqueles utilizados no processo industrial, far-se-ia fundamental a sua integração ao produto final, ou seja, consumidos no processo de forma imediata e integral.

Hipótese não configurada nos autos.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 738.905/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 7/2/2008, DJ de 20/2/2008, p. 128.)

×