João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
A chamada Tese do Século (Tema 69 da Repercussão Geral) pacificou o entendimento de que o ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS.
Além do ICMS, diversos Estados também exigem um pagamento destinado a Fundos de Combate à Pobreza (FECP) que também incidem sobre a receita da venda de mercadorias e/ou serviços tributados pelo imposto estadual.
A questão que se coloca, portanto, é: os pagamentos ao FECP também devem ser excluídos da base de cálculo do PIS/COFINS?
Uma primeira tarefa para se responder à indagação está na definição da natureza jurídica dos pagamentos devidos pelos contribuintes do ICMS destinados aos Fundos de Combate à Pobreza.
Instituídos pela Emenda Constitucional 31/2000, posteriormente alterada pela Emenda Constitucional 42/2003, no art. 82, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), os Fundos de Combate à Pobreza são financiados por um adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição.
No Estado do Rio de Janeiro, o FECP art. 2º, I, da Lei nº 4.056/2002, dispõe que “Compõem o Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais: o produto da arrecadação adicional de dois pontos percentuais correspondentes a um adicional geral da alíquota atualmente vigente do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo (…)”.
Como se vê, seja no plano constitucional, seja na redação da legislação estadual, o FECP é disciplinado como um adicional do ICMS.
Diversamente do que ocorreu com os “depósitos” ao Fundo Estadual de Estabilização Fiscal (FEEF) e ao Fundo orçamentário Temporário (FOT)[1], o STF, lamentavelmente ainda não se pronunciou abertamente sobre a natureza jurídica do FECP.
Todavia, é perfeitamente seguro dizer que o pagamento ao FECP, por ser um adicional da alíquota do ICMS, nada mais é do que ICMS, sendo que o produto de sua arrecadação poderá ter destinação específica com a ressalva expressa da parte final do art. 82, do ADCT.
Por aí já se vê que o vale para o ICMS também vale para o FECP.
Também não se pode perder de vista que o pagamento ao FECP, a exemplo do ICMS, segundo a legislação, deve ser destacado no documento fiscal[2], bastando mencionar o disposto no art. 2º, da Resolução SEFAZ/RJ 253/2021.
E o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Embargos de Declaração no RE 574.706, deixou bem claro que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS é aquele destacado no documento fiscal[3].
No voto da Min. Cármen Lúcia, relatora do RE 574/706, no julgamento dos Embargos de Declaração está bem claro que “todo o valor destacado a título de ICMS deve ser excluído da base de cálculo da Contribuição PIS/COFINS”.
No mesmo sentido é a manifestação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional no Parecer PGFN 14.438/2021.
Consequentemente, tratando-se de adicional de alíquota do ICMS, que confere a mesma natureza do imposto, e considerando que, por força da legislação, deve ser destacado no documento fiscal, não podem restar dúvidas quanto à possibilidade de exclusão do FECP das bases de cálculo do PIS/COFINS, a exemplo do que ocorre no ICMS.
[1] Ementa: Direito Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Fundos destinados ao equilíbrio fiscal. FEEF e FOT. Redução de benefícios fiscais de ICMS. Vedação à vinculação da receita de impostos. Não cumulatividade. 1. Ação direta de inconstitucionalidade originalmente proposta contra os arts. 2º, 4º, caput e inciso I, e 5º, da Lei nº 7.428/2016, do Estado do Rio de Janeiro, que dispunham sobre a destinação de recursos ao Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF. Petição inicial aditada para impugnar os arts. 2º, 3º, caput e inciso I, 5º e 8º da Lei nº 8.645/2019, também do Estado do Rio de Janeiro, que revogou aquele primeiro diploma e instituiu o Fundo Orçamentário Temporário – FOT. Pedido de declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, do Convênio ICMS nº 42/2016 e dos Decretos estaduais nºs 45.810/2016, 45.973/2017 e 47.057/2020. (…) 3. Natureza jurídica dos depósitos destinados aos fundos estaduais. Redução transitória no importe de 10% de benefícios fiscais já usufruídos pelo contribuinte, em prol da formação de fundo voltado ao equilíbrio fiscal do Estado do Rio de Janeiro. Medida emergencial e temporária, pensada em razão da notória crise fiscal suportada pelo ente federativo. A figura tributária criada pela Lei nº 7.428/2016 e mantida pela Lei nº 8.645/2019 tem a natureza jurídica de ICMS. (…)
(ADI 5635, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 23-11-2023 PUBLIC 24-11-2023)
[2] Art. 2° O percentual do adicional de ICMS destinado ao FECP deve ser acrescido à alíquota incidente do imposto na operação ou prestação respectiva.
§ 1° As informações e valores relativas ao adicional do FECP devem constar nos documentos fiscais:
I – de forma individualizada, caso o documento fiscal possua campos específicos, inclusive na hipótese de substituição tributária;
II – somadas à alíquota incidente do imposto, caso o documento fiscal não possua campos específicos, inclusive na hipótese de substituição tributária.
§ 2° Independentemente do destaque individualizado no documento fiscal a que se refere o inciso I do § 1°, na EFD ICMS/IPI, os campos destinados à indicação da alíquota, da base de cálculo e do valor do ICMS devem trazer seus valores totais, assim entendidos com a inclusão do percentual e dos valores adicionais relativos ao FECP, dispensado o preenchimento dos registros C191 e C591.
§ 3° No documento fiscal devem ser discriminados o valor total e individual do FECP relativo às operações e prestações que lhe deram causa, em atendimento ao disposto na Lei n° 8.405, de 24 de maio de 2019:
I – na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e em seu respectivo documento auxiliar (DANFE), no arquivo XML, a informação do FECP deve ser preenchida:
a) no campo “Informações Adicionais do Produto” (campo indAdProd), informar os valores, por item, constantes nos campos vBCFCP, pFCP, vFCP, vBCFCPST, pFCPST, vFCPST;
b) no campo “Informações Adicionais de Interesse do Fisco” (campo “infAdFisco”), informar os valores totais destinados ao FECP.”;
c) no caso de não incidência do FECP, essa informação deve constar do campo “Informações Adicionais de Interesse do Fisco” (campo “infAdFisco”)”.
II – na Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica (NFC-e) e em seu respectivo documento auxiliar (DANFE do NFC-e), no arquivo XML, as informações do FECP devem ser inseridas no espaço reservado ao campo das Divisões, Divisão IX – Mensagem de Interesse do Contribuinte.
[3] “Decisão: O Tribunal, por maioria, acolheu, em parte, os embargos de declaração, para modular os efeitos do julgado cuja produção haverá de se dar após 15.3.2017 – data em que julgado o RE nº 574.706 e fixada a tese com repercussão geral “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS” -, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio. Por maioria, rejeitou os embargos quanto à alegação de omissão, obscuridade ou contradição e, no ponto relativo ao ICMS excluído da base de cálculo das contribuições PIS-COFINS, prevaleceu o entendimento de que se trata do ICMS destacado, vencidos os Ministros Nunes Marques, Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Tudo nos termos do voto da Relatora. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 13.05.2021 (Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF)”.