ARTIGO DA SEMANA – A Reforma Tributária vai aumentar o preço dos serviços

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019 promove alterações profundas no Capítulo da Constituição que trata do Sistema Tributário Nacional.

Embora o Sistema Tributário Nacional compreenda tributos incidentes sobre o patrimônio, a renda, o comércio exterior, a folha de salários e o consumo, a PEC nº 45/2019 restringiu-se a alterar a tributação sobre o consumo e a fazer sutis modificações na tributação do patrimônio.

A Constituição da República, promulgada há 35 anos, é inegavelmente prodigiosa em relação ao Direito Tributário. Aliás, nenhuma Constituição no mundo é tão detalhista em matéria tributária quanto a nossa.

Desta forma, além de estabelecer as competências tributárias, a Constituição Brasileira também define as espécies dos tributos e, em alguns casos, dispõe sobre normas gerais de incidência.

Ocorre que, ao longo do tempo, constatou-se que o Sistema Tributário Nacional concebido pelo legislador constituinte é complexo, contempla múltiplas incidências sobre o consumo, tributa excessivamente a folha de salários, não desonera completamente as exportações e não afasta a tributação sobre investimentos. 

Por tais motivos, sempre se defendeu a ideia de uma Reforma Tributária para tornar o Sistema mais racional, consumindo menos tempo e recursos para a apuração dos tributos, permitindo a ampla desoneração das exportações, desafogando os investimentos e a folha e salários, bem como reduzindo ou eliminando as múltiplas incidências sobre o consumo. 

Embora aplaudida por muitos, a PEC 45/2019 poderia ser mais ousada, visto que restringiu-se às alterações relativas aos tributos sobre o consumo e promoveu pequenos retoques na tributação sobre o patrimônio.

Tendo em vista que a tributação brasileira decorre de um Sistema, reduzir a Reforma a uma parte (o consumo) indica timidez e a perda da oportunidade de cuidar do tema como um todo.

A principal crítica, contudo, está nos amplos poderes que a PEC 45/2019 outorga à lei complementar que disciplinará o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o IPI, o ICMS e o ISS. 

O Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), tal como previsto na PEC 45/2019, que trata da Reforma Tributária, será instituído e amplamente regulamentado por lei(s) complementar(es) da União.

Há várias e fundadas críticas às leis complementares que instituirão e disciplinarão este novo imposto.

Uma primeira crítica ao IBS está na sua própria existência, vale dizer, no fato de ser um tributo da competência dos Estados, DF e Municípios, porém instituído por pessoa política diversa, a União.

O segundo e grave problema do IBS está no iminente aumento da tributação sobre os serviços, que obviamente terá impacto sobre os consumidores.

A substituição do ISS pelo futuro IBS importará numa mudança de alíquota dos atuais 5% (cinco por cento) para 25% (vinte e cinco por cento), segundo se especula.

Argumenta-se que o aumento de alíquota será mitigado pela não cumulatividade do IBS, mecanismo que apenas excepcionalmente acontece com o ISS.

Mas esta premissa não é absolutamente verdadeira, sobretudo porque não se sabe como será exatamente a não cumulatividade do IBS. 

A lei complementar do IBS também não resolve definitivamente o problema da não cumulatividade do imposto.

A propósito, a experiência brasileira com leis complementares que disciplinam o regime de compensação de impostos não cumulativos não é das melhores. Muito pelo contrário. Mesmo no regime atual, em que a não cumulatividade, sob o prisma constitucional, é ampla, ressalvada apenas as operações não tributadas pelo ICMS, sucessivas leis complementares introduziram restrições e escalonamentos à implementação do sistema, até hoje não introduzido de maneira ampla e definitiva. Recorde-se que as Leis Complementares  92/97, 99/99, 114/2002, 122/2006, 138/2010 e 171/2019 fizeram com que a ampla não cumulatividade do ICMS somente ocorra a partir de 01/01/2033

Pois bem. A PEC 45/2019 afirma que a não cumulatividade do IBS caberá à lei complementar. 

O art. 156-A, §1º, VIII, da Proposta afirma que “com vistas a observar o princípio da neutralidade, [o IBS] será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, inclusive direito, ou serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, e as hipóteses previstas nesta Constituição.”

Mais adiante, o art. 156-A, §5º, II, dispõe que a lei complementar disporá sobre “o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação, desde que: a) o adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; ou b) o recolhimento do imposto ocorra na liquidação financeira da operação.”

O texto aprovado, evidentemente, é pior do que a redação atual da Constituição.

Na PEC 45/2019, percebe-se que, mais uma vez, aquilo que atualmente já consta expressamente da Constituição passa a ser disciplinado por uma futura lei complementar. Pior ainda: a PEC 45/2019 (art. 156-A, §1º, VIII) admite que a lei complementar exclua o crédito de bens de uso e consumo pessoais – seja lá o que isso for – já sinalizando a possibilidade de restrições à regulamentação da não cumulatividade.

Mas não é só. O novo texto também retrocede em relação à não cumulatividade, admitindo pelo art. 156-A, §5º, II, que a lei complementar vede o direito ao crédito do imposto cobrado, mas não pago na etapa anterior, transferindo ao adquirente o ônus de fiscalizar o pagamento do tributo, hipótese, desde há muito, rechaçada pelos Tribunais.

Ademais, os prestadores de serviços sabidamente têm como maior insumo a mão-de-obra e este gasto não se sujeita ao IBS na etapa anterior, logo não permitirá o desconto/compensação de créditos na etapa subsequente.

Então fica claro que não há compensação de créditos de IBS suficiente para neutralizar, que dirá reduzir, o desembolso dos atuais 5% para 25%. 

A consequência é óbvia: se a alíquota será maior e os créditos serão menores, o ônus do IBS será transferido para o preço, aumentando a conta do consumidor.

Tome-se como exemplo um condomínio de casas ou apartamentos que consome serviços de vigilância, conservação, jardinagem, manutenção de elevadores, higienização de caixas d’água e cisternas, etc…). É óbvio que todos os fornecedores de serviços passarão a pagar mais tributos e, naturalmente, repassarão este custo ao preço cobrado de seus clientes. Conclusão: os condomínios sofrerão expressivo aumento nas despesas a serem rateadas entre os condôminos. 

Resumindo: os consumidores terão dias difíceis pela frente em razão do inevitável impacto do IBS sobre suas finanças.

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