ARTIGO DA SEMANA – Imunidade recíproca na Reforma Tributária

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A Reforma Tributária introduzida pela Emenda Constitucional nº 132/2023 também dispôs sobre a imunidade recíproca.

De acordo com a nova redação dada ao art. 150, §2º, a imunidade recíproca é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público e à empresa pública prestadora de serviço postal, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

A EC 132/2023 não alterou o art. 150, §3º, que continua dispondo que não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A novidade na redação  do art. 150, §2º, como se vê, fica por conta da inclusão da empresa pública prestadora de serviço postal no rol das entidades amparadas pela imunidade recíproca.

Antes de representar o êxito de eventual lobby empreendido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), esta nova redação do art. 150, §2º, da Constituição, veio positivar aquilo que já era uma orientação da jurisprudência.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 601.392, fixou a tese para o Tema 235 da Repercussão Geral, segundo a qual “Os serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, inclusive aqueles em que a empresa não age em regime de monopólio, estão abrangidos pela imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º)”.

No julgamento do RE 627.051, foi fixada a seguinte teste para o Tema 402 da Repercussão Geral: “Não incide o ICMS sobre o serviço de transporte de encomendas realizado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, tendo em vista a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal”.

A ECT foi novamente mencionada na compreensão do Tema 644 do STF: A imunidade tributária recíproca reconhecida à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT alcança o IPTU incidente sobre imóveis de sua propriedade e por ela utilizados, não se podendo estabelecer, a priori, nenhuma distinção entre os imóveis afetados ao serviço postal e aqueles afetados à atividade econômica.

Consequentemente, neste ponto, a EC 132/2023 apenas “choveu no molhado”.

O STF, por diversas vezes, tem se debruçado sobre a imunidade recíproca.

No Tema 412, o STF afirmando que a INFRAERO é empresa pública prestadora de serviço público, concluiu que a pessoa jurídica faz jus à imunidade recíproca.

No julgamento do RE 580.264[1], mesmo sem fixação de tese para o Tema 115, o Plenário do STF concluiu que “As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal.” 

Ao julgar a medida cautelar na Ação Cível Originária 3627[2], o STF também estendeu a imunidade recíproca à EMBRAPA, exatamente em razão de sua natureza jurídica (empresa pública prestadora de serviço público).

A Primeira Turma do STF já reconheceu a imunidade recíproca à Casa da Moeda em função de sua atividade monopolística[3].

Ainda mais recente é o pronunciamento do Plenário do STF na ACO 3640 (já divulgado aqui) que reconheceu a imunidade recíproca à (sociedade de economia mista) Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar). Neste caso emblemático, o Tribunal identificou que a empresa é prestadora de serviço público, que 94% de seu capital pertence ao Estado do Paraná, que 95% dos tomadores de seus serviços são integrantes da administração pública direta ou indireta, que 98% de suas receitas ou recursos são de origem pública e que apenas 1,4% das ações pertencem a entidades do setor privado, que não negociam na Bolsa de Valores.Como se vê, muito mais importante do que acrescentar a ECT ao Texto Constitucional, caberia à EC 132/2023 contribuir para pacificar as discussões quanto à aplicação da imunidade recíproca aos entes a administração indireta que exercem atividade de prestação de serviço público, definindo quais são os critérios para o afastamento do impostos sobre o patrimônio, renda e serviços das entidades.


[1]EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇOS DE SAÚDE. 1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Constituição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis). 2 . A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro. 3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com repercussão geral.

(RE 580264, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 16-12-2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-192 DIVULG 05-10-2011 PUBLIC 06-10-2011 EMENT VOL-02602-01 PP-00078)

[2] EMENTA REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). UNIDADE DESCENTRALIZADA. EMBRAPA CERRADOS. EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA). IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. ART. 150, VI, “A”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROBABILIDADE DO DIREITO. PERIGO DE DANO. TUTELA DE URGÊNCIA REFERENDADA. 1. O Supremo é competente para dirimir controvérsia acerca da extensão da imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, em razão do potencial abalo ao pacto federativo. 2. Há interesse processual quanto ao reconhecimento de imunidade em relação à unidade descentralizada não alcançada por ato administrativo declaratório envolvendo a matriz. 3. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) consiste em empresa pública prestadora de serviço público de natureza não concorrencial, voltada à produção de ciência e tecnologia no setor agrícola, fazendo jus, assim como suas unidades descentralizadas, à imunidade tributária relativa a impostos. Precedentes. 4. Deferida tutela de urgência, determinando-se que a parte ré se abstenha de lançar e cobrar IPVA de veículos de propriedade da Embrapa Cerrados utilizados nas atividades essenciais desta e registrados no âmbito do Distrito Federal. 5. Medida cautelar referendada.

(ACO 3627 MC-Ref, Relator(a): NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, julgado em 09-05-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 16-05-2023  PUBLIC 17-05-2023)

[3] E M E N T A: CASA DA MOEDA DO BRASIL (CMB) – EMPRESA GOVERNAMENTAL DELEGATÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS – EMISSÃO DE PAPEL MOEDA, CUNHAGEM DE MOEDA METÁLICA, FABRICAÇÃO DE FICHAS TELEFÔNICAS E IMPRESSÃO DE SELOS POSTAIS – REGIME CONSTITUCIONAL DE MONOPÓLIO (CF, ART. 21, VII) – OUTORGA DE DELEGAÇÃO À CMB, MEDIANTE LEI, QUE NÃO DESCARACTERIZA A ESTATALIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO, NOTADAMENTE QUANDO CONSTITUCIONALMENTE MONOPOLIZADO PELA PESSOA POLÍTICA (A UNIÃO FEDERAL, NO CASO) QUE É DELE TITULAR – A DELEGAÇÃO DA EXECUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO, MEDIANTE OUTORGA LEGAL, NÃO IMPLICA ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DE DIREITO PÚBLICO, INCLUSIVE O DE DIREITO TRIBUTÁRIO, QUE INCIDE SOBRE REFERIDA ATIVIDADE – CONSEQUENTE EXTENSÃO, A ESSA EMPRESA PÚBLICA, EM MATÉRIA DE IMPOSTOS, DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL FUNDADA NA GARANTIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (CF, ART. 150, VI, “a”) – O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DESSA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL, QUE TRADUZ UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DO PRINCÍPIO DA FEDERAÇÃO – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA CASA DA MOEDA DO BRASIL, EM FACE DO ISS, QUANTO ÀS ATIVIDADES EXECUTADAS NO DESEMPENHO DO ENCARGO QUE, A ELA OUTORGADO MEDIANTE DELEGAÇÃO, FOI DEFERIDO, CONSTITUCIONALMENTE, À UNIÃO FEDERAL – DOUTRINA (REGINA HELENA COSTA, “INTER ALIOS”) – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

(RE 610517 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03-06-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-120  DIVULG 20-06-2014  PUBLIC 23-06-2014)

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