João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
O Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 (PLP 68/2024), pelo qual o Poder Executivo apresenta sua proposta de regulamentação da Reforma Tributária, é um verdadeiro retrocesso no que diz respeito à não cumulatividade do IBS/CBS.
Na verdade, o primeiro passo atrás foi dado pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que abriu as portas para a compensação do IBS/CBS pagos na etapa anterior (art. 156-A, §5º, II)[1].
O PLP 68/2024, seguindo a dica dada pela EC 132/2023, prevê no art. 28[2], caput, que O contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS poderá apropriar créditos desses tributos quando ocorrer o pagamento dos valores do IBS e da CBS incidentes sobre as operações nas quais seja adquirente de bem ou de serviço …
Logo em seguida, no art. 28, §2º, o PLP 68/2024, talvez com receio de que o retrocesso já não estivesse claro o suficiente, ratifica: Os valores dos créditos do IBS e da CBS apropriados corresponderão aos valores, respectivamente, do IBS e da CBS efetivamente pago em relação às aquisições.
Como se vê, o PLP 68/2024, além de retroceder alguns anos na sistemática da não cumulatividade, representa um desprestígio aos servidores integrantes da fiscalização tributária federal, estaduais e municipais que, ao que o PLP indica, não têm sido eficientes no controle da arrecadação dos tributos sobre o consumo, visto que tal tarefa passa a ser transferida aos adquirentes dos bens e/ou serviços.
O retrocesso, aliás, está na sólida jurisprudência, construída há anos, que garante o crédito dos tributos não cumulativos destacados no documento fiscal, independentemente da comprovação do pagamento pelo fornecedor.
Para aqueles que acreditaram numa Reforma progressista, mais uma má notícia: o PLP 68/2024 fez um pacto com o passado e está a inviabilizar a transferência de créditos acumulados do IBS/CBS a terceiros. O art. 35, do PLP, é categórico: É vedada a transferência, a qualquer título, para outra pessoa ou entidade sem personalidade jurídica, de créditos do IBS e da CBS.
Como se vê, a Futura Nova Lei é pior que a atual Lei Kandir, cujo artigo 25, ainda que de forma tímida, admite a transferência de saldos credores do ICMS a terceiros.
Aliás, a vedação à transferência de créditos do IBS/CBS a terceiros é de discutível constitucionalidade.
O art. 156-A, §5º, III, da Constituição, na redação dada pela EC 132/2023, afirma que cabe à lei complementar dispor sobre a forma e o prazo para ressarcimento de créditos acumulados pelo contribuinte.
Vedar a transferência de créditos não é dispor sobre forma e prazo de ressarcimento, mas negar uma das formas de recuperação do custo dos tributos incidentes sobre a operação.
Transformar o PLP 68/2024 em uma boa regulamentação do IBS/CBS é um grande desafio colocado nas mãos do Congresso Nacional, que sofrerá pressões de um governo que aprovou uma Reforma Tributária ruim e propõe uma regulamentação pior ainda…
[1] Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
§ 5º Lei complementar disporá sobre:
II – o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, desde que:
a) o adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; ou
b) o recolhimento do imposto ocorra na liquidação financeira da operação;
[2] Art. 28. O contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS poderá apropriar créditos desses tributos quando ocorrer o pagamento dos valores do IBS e da CBS incidentes sobre as operações nas quais seja adquirente de bem ou de serviço, excetuadas exclusivamente as operações consideradas de uso ou consumo pessoal e as demais hipóteses previstas nesta Lei Complementar.