João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
Com a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 (PLP 68/2024) pela Câmara dos Deputados, surgiram alterações no futuro tratamento tributário do IBS/CBS quanto ao fornecimento de alimentação e bebidas por estabelecimentos comerciais.
A redação original previa o regime específico de tributação para as operações de fornecimento de alimentação e bebidas por bares e restaurantes, inclusive lanchonetes.
O texto aprovado pela Câmara dos Deputados alterou a redação original, criando um artigo 271[1], para estender o regime específico às operações de fornecimento de bebidas contempladas na cesta básica nacional e àquelas que gozam de redução em 60% dos tributos, bem como para excluir do regime o fornecimento de alimentos preparados por empresas que atuam em eventos, que atuam sob contrato e os empresas de catering.
Quanto às bebidas, mesmo antes de entrar no mérito, o Senado Federal deverá corrigir erro material no texto aprovado que, ao se referir às mercadoria com redução em 60% (Título IV, Capítulo III, Seção VII), mencionou o Título IV, Capítulo III, Seção VIII (produtos de higiene pessoal e limpeza).
O regime específico de tributação do IBS/CBS nas operações de fornecimento de alimentação e bebidas por bares e restaurantes, inclusive lanchonetes, tem como permissivo constitucional o art. 156-A, §6º, introduzido pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que admite alterações nas alíquotas, nas bases de cálculo e nas regras de creditamento, admitindo a não aplicação do disposto no § 1º, V a VIII.
Por sua vez, o art. 156-A, §1º, V a VIII, prevê que no IBS/CBS: (a) cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica; (b) a alíquota fixada pelo ente federativo será a mesma para todas as operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição; (c) será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação e (d) será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas na Constituição.
A tributação por um imposto sobre valor agregado sobre o fornecimento de alimentação e bebidas por bares, restaurantes e lanchonetes já foi objeto de discussão judicial, resultando na Súmula STF nº 574: “Sem lei estadual que a estabeleça, é ilegítima a cobrança do imposto de circulação de mercadorias sobre o fornecimento de alimentação e bebidas em restaurante ou estabelecimento similar.”
Esta discussão teve origem na Constituição de 1967/69 (art. 23, II) e no Decreto-lei nº 406/68, dispondo no art. 1º, III, que o antigo ICM incidiria sobre o fornecimento de alimentação e bebidas em restaurantes, bares, cafés e estabelecimentos similares.
O art. 8º, §2º, do Dec-Lei nº 406/68, por sua vez, afirmava que o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista anexa ficariam sujeitos ao ICM.
A Súmula STF nº 574 identificou que, mesmo havendo previsão no Decreto-Lei nº 406/68, a incidência do ICM, à luz do princípio da legalidade, dependeria de norma estadual específica.
A Constituição de 1988 previu no art. 155, §2º, IX, “b”, que o ICMS incidirá também sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.
Daí surgiu a questão de saber se a previsão do Convênio ICMS nº 66/88 e da posterior Lei Complementar nº 87/96 seriam normas aptas a incluir o fornecimento de alimentação e bebidas no campo de incidência do ICMS, o que foi respondido afirmativamente pelo Superior Tribunal de Justiça pela Súmula STJ nº 163: “O fornecimento de mercadorias com a simultânea prestação de serviços em bares, restaurantes e estabelecimentos similares constitui fato gerador do ICMS a incidir sobre o valor total da operação”).
Considerando que o IBS é a reunião do ICMS, ISS e IPI, a discussão sobre o fato gerador do imposto sobre o fornecimento de alimentação e bebidas por restaurantes, bares e simulares tornou-se inócua porque, seja serviço, seja a saída de mercadorias, ambas as situações estão sob o permissivo constitucional de incidência do IBS/CBS.
Do texto até aqui aprovado, não se pode deixar de criticar a tributação dos produtos da cesta básica nacional quando fornecidos por bares, restaurantes, lanchonetes e similares. Se a intenção do legislador é desoneração para proporcionar o consumo de tais mercadorias, submetê-las à tributação, mesmo quando fornecidas por determinados estabelecimentos, não atenderá o fim desejado. Além disso, como o fornecedor da alimentação adquirirá o produto sem tributação, a incidência na etapa final não será justa, tendo em vista a impossibilidade de compensação de crédito.
A conferir o que Senado Federal disporá sobre o tema…
[1] Art. 271. As operações de fornecimento de alimentação por bares e restaurantes, inclusive lanchonetes, ficam sujeitas a regime específico de incidência do IBS e da CBS, de acordo com o disposto nesta Seção.
§ 1o O regime específico de que trata esta Seção aplica-se também ao fornecimento de bebidas sujeitas aos regimes diferenciados de que tratam o Capítulo II do Título III e a Seção VIII do Capítulo III do Título IV, ambos deste Livro.
§ 2o Não está sujeito ao regime específico de que trata o caput o fornecimento de alimentos preparados para pessoa jurídica classificado nas posições 1.0301.31.00, 1.0301.32.00 e 1.0301.39.00 da Nomenclatura Brasileira de Serviços – NBS, ou o fornecimento de alimentação sob contrato, para pessoa jurídica, que seja executado por empresa classificada no CNAE 5620-1/01.