ARTIGO DA SEMANA –  CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NO IBS E NA CBS

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A extinção do ICMS e do ISS pela criação do IBS trouxe à tona a reflexão acerca do processo administrativo que cuidará do controle da legalidade dos lançamentos e demais atos da Administração Tributária relativos ao novo imposto.

A mesma Emenda Constitucional que criou o novo imposto também concebeu um órgão administrativo com competências variadas, entre elas a de decidir o contencioso administrativo.

Nos termos do art. 156-B, da Constituição, introduzido pela EC 132/2023, o poderoso Comitê Gestor do IBS decidirá sobre o contencioso administrativo do IBS dentro dos termos e limites estabelecidos na Constituição, obviamente, e em lei complementar.

O Congresso Nacional está debruçado sobre o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, que  trata do Comitê Gestor do IBS, nos qual o processo administrativo tributário do imposto está disciplinado nos arts. 66 a 119.

O processo administrativo de que tratam os arts. 66 a 119 do PLP 108/2024, é bom que se diga, contempla apenas o IBS.

A CBS, irmã federal do IBS, não se submeterá às normas de contencioso administrativo do novo imposto.

Consequentemente, o IVA brasileiro não é tão dual quanto o anunciado, visto que os contenciosos da CBS e do IBS sequer se submeterão às mesmas normas.

A existência de dois contenciosos administrativos para dois tributos criados à imagem e semelhança um do outro impõe a existência de duas normas reguladoras distintas, o que em nada simplifica o sistema. Portanto, o argumento de que a Reforma Tributária do Consumo veio para simplificar as coisas é falacioso.

A propósito, a norma que disciplina o processo administrativo fiscal da União está longe de ser um exemplo de modernidade.

Criado em 1972, o Decreto nº 70.235 vem sendo objeto de profundas alterações ao longo tempo, não sendo exagero afirmar que se tornou uma verdadeira colcha de retalhos.

Por outro lado, propostas de substituição do Decreto 70.235/72 não avançam, bastando lembrar o PL 2483/2022, fruto do Ato Conjunto dos Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1/2022, que ainda tramita serenamente há dois anos no Senado Federal sem perspectiva de remessa à na Câmara dos Deputados.

A manutenção de dois processos administrativos distintos, com normas diferentes e estruturas de julgamento diversas, faz com que o CARF continue vivo e sob a nociva influência do Governo Federal que, decididamente, usa o órgão como um instrumento de arrecadação, conforme já expusemos aqui.

De fato, a existência do PLP 108/2024 é boa notícia porque unifica a norma processual relativa ao IBS, substituindo as 27 normas estaduais e distrital, além das diversas normas dos municípios que se preocuparam em disciplinar em seus processos administrativos fiscais.

No entanto, o novo processo administrativo do IBS, capitaneado pelo Comitê Gestor, traz desafios enormes que precisam ser profundamente debatidos.

Um ponto importante a ser considerado diz respeito à estruturação das instâncias julgadoras neste novo processo administrativo fiscal.

Em diversos Estados e vários Municípios, o processo administrativo do ICMS possui três instâncias (primeira, segunda e especial), sendo que a primeira é constituída estritamente por fiscais de carreira e as demais são órgãos paritários. Mas esta regra possui exceções. Minas Gerais, por exemplo, contempla a paridade já na primeira instância e o no Município do Rio de Janeiro a instância especial é o Secretário de Fazenda.

Há entes da federação em que admitem a presidência dos órgãos colegiados paritários pro representantes indicados pelos contribuintes, o que acaba por mitigar os efeitos do chamado voto de qualidade (desempate), mas isto não é uma unanimidade.

Também não se pode ignorar que cada ente da federação construiu uma jurisprudência administrativa acerca de determinados temas do ICMS ou do ISS, muito por conta da legislação de cada um. Todavia, esta jurisprudência, ainda que aplicável ao IBS, dificilmente prevalecerá e o Estado ou Município deverá se curvar a um entendimento que, a rigor, será diverso daquele manifestado ao longo de décadas.

Isto sem contar que, sendo o IBS e a CBS tributos em tudo semelhantes, para não dizer idênticos, há o risco do CARF e do órgão competente do Comitê Gestor decidirem uma mesma matéria de maneira diversa! 

Portanto, a introdução de um novo contencioso administrativo para o IBS vai muito além de uma disciplina comum das normas reguladoras. Por isso mesmo, o PLP 108/2024 precisa não apenas de um grande esforço de cada uma das partes envolvidas, mas da participação efetiva dos advogados, contadores, empresários e administradores na construção da melhor solução possível para de um processo administrativo transparente, equilibrado, célere e justo.

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