ARTIGO DA SEMANA –  Julgamento da ADI 5465 e as sanções tributárias pelo uso de mão-de-obra escrava: por que demorou tanto?

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

No julgamento da ADI 5465, concluído no último dia 09/04/2025, o Supremo Tribunal Federal validou dispositivos da Lei nº 14.946/2013 , do Estado de São Paulo, que “Dispõe sobre a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de qualquer empresa que faça uso direto ou indireto de trabalho escravo ou em condições análogas.”

A lei paulista, inegavelmente, vai ao encontro da concretização da dignidade da pessoa humana. Nada mais justo do que impor sanções, sejam quais forem, àqueles que se utilizam de mão-de-obra escrava, sobretudo para obter lucro em razão da exploração de trabalho forçado, não renumerado e em condições degradantes.

Senhores de escravos devem ser punidos severamente. Cassar o registro que  lhes permite comercializar seus produtos é sanção branda, mínima até.

É por demais óbvio que o empregador escravocrata não está em situação de equivalência relativamente àqueles que contratam mão-de-obra nos termos da CLT ou demais regimes de trabalho formais.

Também é claro que a imposição de sanção que inviabiliza o exercício de atividade econômica não constitui, no ponto, sanção política, exatamente porque a penalidade não é imposta a empregador regular, muito pelo contrário.

É igualmente evidente que  a lei paulista não quebra a separação dos Poderes, tampouco significa ruptura ao pacto federativo – e este era o fundamento central do pedido do autor da ação –  porque a investigação e o reconhecimento do trabalho escravo continuam sendo responsabilidade dos órgãos federais.  

Diante desta obviedades, é espantoso constatar como uma causa tão simples demorou tanto tempo para ter um desfecho.

A ação foi proposta em 02/02/2016 e distribuída ao hoje aposentado Min. Celso de Mello.

Três anos após o ajuizamento, em 11/03/2019, o Ministro Relator despachou: “Presentes, na espécie, os requisitos autorizadores da instauração do procedimento abreviado, a que se refere o art. 12 da Lei nº 9.868/99, ouçam-se, no prazo de 10 (dez) dias, os órgãos de que emanaram os preceitos normativos ora impugnados: o Senhor Governador e a Augusta Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Publique-se.”

Ou seja, após 03 anos do ajuizamento foi proferida decisão sem qualquer reflexo na validade ou cumprimento de lei que tem o louvável propósito de punir empregadores que façam uso da mais deplorável forma de exploração do trabalho humano.

Em alguma data ocorrida entre 07/02/2025 e 14/02/2025, portanto 09 (nove) anos após ajuizamento de ação contra lei que busca impedir o funcionamento de empregadores escravocratas, o STF, após decisão do novo relator, Min. Nunes Marques, validando a norma com ressalvas, acatou proposta do atual presidente, Min. Luís Roberto Barroso, de submeter o julgamento da ADI à sessão presencial.

Um mês depois, em 19/03/2025, a ADI 5465 entrou na pauta de sessão presencial, mas o julgamento não foi concluído porque, após os votos dos Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e  Dias Toffoli, que julgava procedente o pedido, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.

Somente em 09/04/2025 é que o Plenário do STF, por maioria, conheceu da ação e julgou procedente em parte o pedido para assentar a constitucionalidade da Lei paulista n. 14.946, de 28 de janeiro de 2013, do Estado de São Paulo, conferindo interpretação conforme à Constituição aos seguintes dispositivos: (i) Artigos 1º e 2º da Lei paulista n. 14.946/2013, de modo a exigir a comprovação, em processo administrativo sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, de que o sócio ou preposto do estabelecimento comercial sabia ou tinha como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas; (ii) Artigo 4º da Lei paulista n. 14.946/2013, de modo a exigir a comprovação, em processo administrativo sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, de que o sócio a ser punido, sabendo ou tendo como suspeitar da participação de trabalho escravo na cadeia de produção das mercadorias adquiridas, haja contribuído, comissiva ou omissivamente, com a aquisição de aludidas mercadorias; (iii) § 1º do Art. 4º da Lei paulista n. 14.946/2013, de maneira que o prazo de 10 (dez) anos seja adotado como limite máximo, restando a norma com a seguinte dicção: “§ 1º – As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de até 10 (dez) anos, contados da data de cassação”, tendo ficado explicitado que o reconhecimento da ocorrência de trabalho análogo à escravização é feita pelo órgão federal competente. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro Dias Toffoli, que julgava procedente o pedido.

A Lei nº 14.946/2013 não é extensa. Possui 07 (sete) artigos, dos quais apenas 4 cuidam da parte que interessa à discussão da ADI 5465.

Ministros do STF, segundo determina o art. 101, da Constituição, são “…cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico…”

Daí vem a indagação: cidadãos com notável saber jurídico, por maior que seja o volume de processos chegando diariamente aos gabinetes, precisam de 09 anos para decidir se uma lei que suspende o direito de comercializar dos empregadores escravocratas é constitucional?

É triste constatar que o país que mais demorou a abolir a escravidão ainda demore a impor sanções aos senhores de escravos.

×