ARTIGO DA SEMANA –  Tema STJ nº 1293: Prescrição intercorrente no processo administrativo aduaneiro

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Recente informação divulgada pelo Superior Tribunal de Justiça dá conta do julgamento dos Recursos Especiais 2.147.578 e 2.147.583, ambos relatados pelo Min. Paulo Sérgio Domingues, que determinaram a fixação de tese para a compreensão do Tema nº 1293 dos Recursos Repetitivos.

O Tema STJ nº 1293 trata da prescrição intercorrente nos processos administrativos relativos à aplicação de multas por infrações à legislação aduaneira e a tese fixada foi a seguinte: 

1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos. 

2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. 

3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.

O primeiro item da tese do Tema STJ 1293 é bastante claro e afirma que a paralisação do processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 03 anos, impõe a extinção da penalidade e o arquivamento do processo (art. 1º, §1º, da Lei nº 9.873/99[1]).


[1] Art. 1o  Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1o  Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

O segundo item da tese impõe uma reflexão sobre a natureza jurídica da penalidade cuja cobrança passa a sujeitar-se à prescrição no curso do processo administrativo. De acordo com a Primeira Seção do STJ, a prescrição intercorrente só ocorrerá nos processos administrativos para a cobrança de penalidades cuja“norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação”.

Por outro lado, como restou definido no item 3, não há que se falar em prescrição intercorrente nos processos administrativos em que “a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado”.

Como o STJ não apontou especificamente as penalidades em cujos processos administrativos incidirá a prescrição intercorrente, caberá ao intérprete identificar as infrações que tenham por objeto o “controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro”, tal como indicado no item 2 do Tema nº 1293.

Do exame dos Recursos Especiais nº 2.147.578[2] e 2.147.583, observa-se que a penalidade em questão era aquela do art. 107, IV, “e”, do Decreto-Lei nº 37/66[3].

A mesma multa foi objeto do Recurso Especial nº 1.999.532 e dos Agravos Internos nos Recursos Especiais nº 2.101.253, 2.119.096 e 2.148.053, de modo que a tarefa de identificar as penalidades sujeitas ao Tema 1293 não será nada fácil.

Situação importante a ser definida pelo STJ diz respeito à questão de saber se as infrações denominadas de dano ao Erário terão seus processos administrativos sujeitos à prescrição intercorrente.

Ainda que o art. 23, do Decreto-Lei nº 1.455/76, relacione diversas condutas como lesivas ao Erário, parece bastante claro que o que está em jogo é a preservação da regularidade do serviço aduaneiro.

A hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros de que trata o art. 23, V, do Decreto-Lei nº 1.455/76, por exemplo, é caso típico de fiscalização da regularidade do serviço aduaneiro.

A chamada interposição fraudulenta não tem por objeto a exigência dos tributos devidos na importação, até porque a hipótese pode ser identificada após o desembaraço aduaneiro, ocasião em que os tributos incidentes na importação já estarão completamente pagos.

Além disso, a sanção pela interposição fraudulenta é o perdimento da mercadoria ou a imposição da multa equivalente ao valor aduaneiro, caso tiver sido consumida ou revendida. 

A conferir o que virá por aí…


[1] Art. 1o  Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1o  Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

[2] ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO ADUANEIRA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 1º, § 1º, DA LEI 9.873/99. INCIDÊNCIA DO COMANDO LEGAL NOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES DE NATUREZA ADMINISTRATIVA (NÃO TRIBUTÁRIA). DEFINIÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO CRÉDITO CORRESPONDENTE À SANÇÃO PELA INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO ADUANEIRA QUE SE FAZ A PARTIR DO EXAME DA FINALIDADE PRECÍPUA DA NORMA INFRINGIDA. FIXAÇÃO DE TESES JURÍDICAS VINCULANTES. SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO: PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

1. A aplicação da prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 encontra limitações de natureza espacial (relações jurídicas havidas entre particulares e os entes sancionadores que componham a administração federal direta ou indireta, excluindo-se estados e municípios) e material (inaplicabilidade da regra às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária, conforme disposto no art. 5º da Lei 9.873/99).

2. O processo de constituição definitiva do crédito correspondente à sanção por infração à legislação aduaneira segue o procedimento do Decreto 70.235/72, ou seja, faz-se conforme “os processos e procedimentos de natureza tributária” mencionados no art. 5º da Lei 9.873/99. Todavia, o rito estabelecido para a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pelo descumprimento de uma norma de conduta é desimportante para a definição da natureza jurídica da norma descumprida.

3. É a natureza jurídica da norma de conduta violada o critério legal que deve ser observado para dizer se tal ou qual infração à lei deve ou não obediência aos ditames da Lei 9.873/99, e não o procedimento que tenha sido escolhido pelo legislador para se promover a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pela infração praticada. O procedimento, seja ele qual for, não tem aptidão para alterar a natureza das coisas, de modo que as infrações de normas de natureza administrativa não se convertem em infrações tributárias apenas pelo fato de o legislador ter estabelecido, por opção política, que aquelas serão apuradas segundo processo ou procedimento ordinariamente aplicado para estas.

4. Este Tribunal Superior possui sedimentada jurisprudência a reconhecer que nos processos administrativos fiscais instaurados para a constituição definitiva de créditos tributários, é a ausência de previsão normativa específica acerca da prescrição intercorrente a razão determinante para se impedir o reconhecimento da extinção do crédito por eventual demora no encerramento do contencioso fiscal, valendo a regra de suspensão da exigibilidade do art. 151, III, do CTN para inibir a fluência do prazo de prescrição da pretensão executória do art. 174 do mesmo diploma Nesse particular aspecto, o regime jurídico dos créditos “não tributários” é absolutamente distinto, haja vista que, para tais créditos, temos justamente a previsão normativa específica do art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 a instituir prazo para o desfecho do processo administrativo, sob pena de extinção do crédito controvertido por prescrição intercorrente.

5. Em se tratando de infração à legislação aduaneira, a natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela violação da norma será de direito administrativo se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado. Precedente sobre a matéria: REsp n. 1.999.532/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023.

6. Teses jurídicas de eficácia vinculante, sintetizadoras da ratio decidendi do julgado paradigmático: 1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos. 2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. 3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.

7. Solução do caso concreto: ao conferir natureza jurídica tributária à multa prevista no art. 107, IV, e, do DL 37/66, e, por consequência, afastar a aplicação do art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 aos procedimentos administrativos apuratórios objeto do caso concreto, o acórdão recorrido negou vigência a esse dispositivo legal, divergindo da tese jurídica vinculante ora proposta, bem como do entendimento estabelecido sobre a matéria em precedentes específicos do STJ (REsp 1.999.532/RJ; AgInt no REsp 2.101.253/SP;

AgInt no REsp 2.119.096/SP e AgInt no REsp 2.148.053/RJ).

8. Recurso especial provido.

(REsp n. 2.147.578/SP, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 12/3/2025, DJEN de 27/3/2025.)

[3] Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas:

IV – de R$ 5.000,00 (cinco mil reais):              

e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga; e

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