Os empates em julgamentos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais voltaram a ser favoráveis ao Fisco nos processos administrativos que chegam ao órgão depois de três anos da extinção do chamado voto de qualidade. O governo Lula editou a Medida Provisória 1.160 em janeiro de 2023 para determinar que os presidentes das turmas de julgamento voltassem a decidir as disputas tributárias caso houvesse empate entre todos os julgadores.
As turmas do Carf têm composição paritária com representante dos contribuintes e da Receita Federal. Entretanto, a presidência do colegiado sempre cabe a um representante da Fazenda, já que o Carf pertence ao Ministério da Economia e é um órgão de recursos administrativos. O presidente vota por último nos julgamentos e, com a MP editada pelo governo, cabe a ele dar o voto de minerva.
A mudança foi promovida logo no início do governo, em meio à pressão política pelo equilíbrio das contas públicas. O Anuário da Justiça demonstrou, em sua edição de 2022, como o fim do voto de qualidade, após a promulgação da Lei 13.988/2020, beneficiou as empresas. Segundo relatório do Insper, entre 2017 e 2020, o valor dos créditos tributários mantidos ou extintos pelo Carf em julgamentos nos quais houve voto de qualidade foi de R$ 52 bilhões.
Também em decorrência da mudança de governo, o auditor fiscal da Receita Federal Carlos Higino Ribeiro de Alencar foi nomeado em janeiro para para presidir o Carf, em substituição a Carlos Henrique de Oliveira, ex-diretor de Programa da Receita Federal. Alencar foi escolhido sem ter sido conselheiro no Carf antes, ao contrário de Oliveira e da auditora fiscal Adriana Gomes Rêgo, seus antecessores no posto. Alencar é visto por conselheiros como um julgador pró-Fisco em oposição ao antecessor, que costumava ser mais neutro em seus posicionamentos.
Em março de 2023, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais reverteu jurisprudência em favor da Fazenda por maioria e com voto de Alencar favorável à incidência da contribuição previdenciária sobre valores de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) pagos a diretores estatutários. Em dezembro de 2022, a análise do tema havia tido resultado favorável ao contribuinte com voto neste sentido de Carlos Henrique de Oliveira.
O atual presidente defende que o retorno do voto de qualidade terá pouco impacto na pessoa física e no pequeno e médio empresário. “Traz mais Justiça fiscal, tendo em vista que se aplica, basicamente, aos casos mais complexos, com teses jurídicas controversas e de grandes contribuintes e empresas que trabalham com o lucro real em sua maioria”, ponderou Alencar em nota enviada ao Anuário da Justiça.
“A maior parte das empresas no Brasil está no Simples Nacional e esses casos, em sua grande maioria, não são decididos por voto de qualidade. Essa mudança foi importante também para deixar o Carf mais voltado ao julgamento de teses tributárias de maior complexidade, o que, na maioria das vezes, envolve casos de maiores valores”, acrescentou.
Logo após o anúncio da edição da Medida Provisória 1.160, a Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf) divulgou nota em que lembrou que “o Carf é um órgão quase centenário, especialista em matérias tributária e aduaneira, e que não possui ‘viés’ arrecadatório”. A MP depende de apreciação do Congresso para virar lei.
Alencar também acena em direção aos contribuintes. “Vejo que as medidas adotadas pelo pacote fiscal do governo trouxeram ao Carf ganhos importantes e ajuda fundamental para o órgão cumprir a missão de ser cada vez mais célere. O foco tem que ser o contribuinte, que tem direito a ter suas demandas resolvidas em um prazo razoável. A sociedade precisa dessa segurança”, diz.
Em meio a ponderações, a OAB ingressou com a ADI 7.347 no Supremo Tribunal Federal para questionar se MP do governo pode tratar de regra processual. No mês seguinte, acabou por ser fechado um acordo entre representantes da OAB, da Receita Federal e o ministro do Supremo Dias Toffoli.
Após reunião, foi inserida em medida cautelar da OAB a manutenção do voto com peso duplo dos presidentes das turmas em troca de os contribuintes vencidos poderem pagar os débitos decididos pelo voto de qualidade no prazo de 90 dias sem multa e sem juros. A medida deverá ser também apreciada pelo Congresso.
Para o tributarista Enio de Biasi, sócio da Elebece Consultoria Tributária, a aprovação do acordo pelo Congresso seria uma demonstração de força do governo. “Geralmente, os contribuintes têm 30 dias para pagar o débito, após ciência da decisão, que demora um pouco. Pelo acordo, o prazo passa a ser de 90 dias, mas a grande vantagem é não ter que pagar multa e juros”, analisa.
A MP também eleva de 60 para 1.000 salários-mínimos o valor mínimo para que processos possam ser julgados pelo conselho. Entre 2021 e 2022, o total de casos decididos pelo Carf caiu de 30,4 mil para 10,8 mil. Contudo, a soma dos valores envolvidos saltou de R$ 47,6 bilhões para R$ 132,5 bilhões depois de o órgão ter acabado com limite de R$ 1 milhão em tributos contestados para que os processos pudessem ser apreciados nos julgamentos virtuais.
O acervo de casos à espera de julgamento subiu de 91 mil para 92 mil e a soma dos montantes relacionados cresceu de R$ 983 bilhões para R$ 1,091 trilhão. “A mudança de valor mínimo para os processos chegarem ao Carf ajudará a reduzir o estoque”, promete Alencar.
Além do estoque crescente de processos, o movimento de paralisação dos representantes da Receita Federal é mais um problema enfrentado pelo Carf nos últimos anos. Os fazendários reivindicam junto ao Ministério da Fazenda a regulamentação do adicional de produtividade conferido aos auditores fiscais.
“O movimento de paralisação de parte dos conselheiros fazendários impactou negativamente a produtividade e, ainda por conta da epidemia de covid-19, a limitação de valor para o julgamento de processos de forma virtual, encerrada somente em maio, resultou no aumento do estoque de crédito que alcançou a casa de R$ 1 trilhão”, conta.
Em meio aos desafios, ao menos o orçamento do Carf voltou a subir em 2023. O total de recursos destinado pelo Ministério da Fazenda havia caído pela metade, de R$ 22,5 milhões em 2021 para R$ 11 milhões em 2022. Em 2023, o montante ficou em R$ 21,2 milhões.
Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2023, 8h24