A não conversão em lei da Medida Provisória 1.160, que retomou o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), além de demonstrar que há ruídos na relação do governo com o Congresso Nacional, também promove insegurança jurídica.
Essa é a opinião da maioria dos tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema. A MP, que perde a validade nesta sexta-feira (2/6), retomou o voto de qualidade, mecanismo que estabelece que, em caso de empate nos julgamentos do Carf, o voto de minerva será dado pelo presidente do tribunal administrativo, que é sempre um representante da Fazenda Nacional — o que, evidentemente, joga a favor da União.
O voto de qualidade vigorou até 2020, quando o Congresso Nacional aprovou a Lei 13.988/20, que deu nova redação ao artigo 19-E da Lei 10.522/2002, determinando que o desempate nos julgamentos do Carf seria sempre a favor do contribuinte.
A validade da mudança legislativa que acabou com o voto de qualidade é discutida no Supremo Tribunal Federal, no âmbito das ADIs 6.399, 6.403 e 6.415. O Plenário formou maioria para validar a lei, mas o julgamento foi paralisado por pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. Ele devolveu os autos no último dia 15, mas a matéria ainda não tem data para ser julgada.
Por outro lado, o governo tenta emplacar via projeto de lei a retomada definitiva do voto de qualidade. A medida é encarada como um instrumento importante para aumentar a arrecadação e dar sustentação ao arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
O texto do PL que vai substituir a MP 1.160 foi enviado pelo governo ao Congresso Nacional no último dia 5. Enquanto isso, com o fim da vigência da medida provisória, o Carf voltará a usar o critério que beneficia os contribuintes.
“Com a perda da validade da MP 1.160, volta a vigorar o artigo 28 da Lei 13.988/2020, devendo os empates em julgamentos serem resolvidos favoravelmente ao contribuinte. Até que nova lei altere o assunto, valerá o disposto no artigo 28, a ser aplicado já nas próximas sessões de julgamento das turmas do Conselho”, explica Guilherme Peloso Araújo, doutor em Direito Tributário e sócio do escritório Carvalho Borges Araújo Advogados.
Além da insegurança provocada pela mudança de critério, o Carf também tem tido seu funcionamento afetado por reiterados adiamentos de sessões, motivados por uma greve dos servidores da Receita Federal.
“O que a comunidade jurídica espera é que o Carf volte logo a funcionar plenamente, aplicando a lei vigente. Discordar de uma regra legal vigente não nos dá a prerrogativa de embaraçar a sua aplicação”, afirma o advogado Luiz Gustavo Bichara.
Breno Dias de Paula, por sua vez, afirma estar preocupado com o cenário de enorme insegurança jurídica gerado pela mudança de regra. “A Constituição Federal impõe a edição de decreto legislativo para se regular a não conversão em lei da MP 1.160, uma vez que a jurisprudência do STF é uníssona no sentido de que a medida provisória não revoga lei anterior, apenas a suspende.”
A atuação do Congresso Nacional ao editar o decreto pode, inclusive, interferir nos julgamentos ocorridos durante a vigência da MP e que foram decididos pelo voto de qualidade. “Em suma, durante os próximos 60 dias, as decisões tomadas durante a vigência da MP seguirão válidas, mas passíveis de modificação por decreto legislativo, e uma vez ultrapassado esse prazo, elas estarão consolidadas conforme o teor da MP que perdeu a sua validade, na forma da Constituição”, resume Carlos Augusto Daniel, sócio do escritório Daniel e Diniz Advocacia Tributária.
Dylliardi Alessi, mestre em Direto Econômico e Desenvolvimento e sócio do escritório Peccinin Advocacia, também faz coro pela importância do decreto legislativo para dar segurança aos julgados promovidos durante a vigência da MP 1.160. “Em tese, o Congresso Nacional deverá editar um decreto legislativo para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência, mas na prática é comum que nesses casos haja omissão do Poder Legislativo, com os casos sendo solucionados por decisão judicial.”
Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2023, 20h56