João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
Notícia amplamente divulgada pela imprensa especializada informa que a 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção do CARF admitiu a aplicação do instituto da denúncia espontânea após o contribuinte ter sido intimado de decisão judicial que lhe foi desfavorável.
Segundo a notícia, a empresa teria ingressado em juízo para discutir as contribuições para o SAT/RAT ajustadas pelo Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Após o deferimento de medida liminar e sentença de primeira instância favorável, houve reforma do julgado pelo Tribunal.
Intimada do acórdão que reformou a sentença e cassou a liminar, a empresa promoveu o pagamento do débito sem o acréscimo da multa de mora.
O fisco, segundo a notícia, constatou que o pagamento teria sido realizado após o prazo de 30 (trinta) dias de que trata o art. 63, §2º, da Lei nº 9.430/96[1], razão pela qual realizou lançamento de ofício exigindo-lhe a penalidade.
Em sua defesa, o contribuinte alega que o pagamento ocorreu dentro do prazo legal e que deve ser considerado como termo inicial do prazo previsto na Lei nº 9.430/96 a data em que o contribuinte foi efetivamente intimado da decisão judicial, ao contrário da data em que foi expedida a intimação eletrônica (tese do fisco). Adicionalmente, a empresa alega que, ainda que tenha transcorrido o prazo legal, o pagamento foi espontâneo, daí porque deve ser observado o art. 138, do Código Tributário Nacional.
De acordo com a reportagem, o CARF acolheu a tese da denúncia espontânea da infração e cancelou a exigência fiscal.
A situação acima descrita traz à reflexão o instituto da denúncia espontânea da infração, previsto, como mencionado, no artigo 138, do Código Tributário Nacional.
Por este dispositivo, o sujeito passivo que, antes de qualquer procedimento de ofício, cumprir a obrigação pagando o tributo devido e, se for o caso, acrescido de correção monetária e juros, não se sujeitará ao pagamento da penalidade correspondente, a chamada multa de mora (0,33% ao dia limitada a 20%).
Anota-se que o dispositivo refere-se a pagamento do tributo se for o caso, deixando claro a possibilidade de cumprimento extemporâneo também da obrigação acessória. No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça solidificou-se no sentido de que o artigo 138 não contempla o afastamento da multa por cumprimento a destempo da obrigação acessória (Ag. Rg. no A.I. 490.441/PR).
Tratando-se de cumprimento em atraso da obrigação principal relativa a tributo sujeito ao lançamento por homologação, a Súmula STJ nº 360[2] limita a aplicação do instituto aos casos em que o sujeito passivo não tenha declarado o tributo respectivo ao fisco.
A Súmula STJ nº 360, a propósito, acaba por privilegiar aquele que subtrai informações ao fisco e prejudica o sujeito passivo que é transparente. Ora, se a declaração do tributo apurado afasta a espontaneidade em eventual pagamento em atraso, por que declarar?
Voltando ao fato noticiado, a situação, tal como narrada, constitui caso peculiar.
A resposta está no mesmo artigo 63, da Lei nº 9.430/96.
De acordo com o caput do art. 63, “Na constituição de crédito tributário destinada a prevenir a decadência, relativo a tributo de competência da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos IV e V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não caberá lançamento de multa de ofício”.
O parágrafo primeiro do mesmo art. 63 vai além: “O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, aos casos em que a suspensão da exigibilidade do débito tenha ocorrido antes do início de qualquer procedimento de ofício a ele relativo”.
Traduzindo: se o contribuinte de um tributo sujeito ao lançamento por homologação (IRPJ, Contribuição previdenciária, PIS, COFINS…) ingressa em juízo para discutir o tributo e obtém medida liminar ou decisão equivalente autorizando-o a não pagar o tributo, cabe ao fisco promover a exigência fiscal para prevenir os efeitos da decadência.
Por que? Porque, na hipótese da decisão final após, digamos, 6 anos, for desfavorável ao contribuinte, o fisco, se não tiver exigido antes, não poderá mais fazê-lo, porque estará extinto seu direito pelo decurso do prazo legal (5 anos).
Exatamente por isso que os órgãos da Administração Tributária costumam ser diligentes em casos de concessão de medida liminar.
Recebido o ofício do juiz comunicando o deferimento da liminar e notificando-o para prestar as informações, o Delegado da Receita Federal determina a instauração de procedimento de ofício face ao contribuinte exatamente para ser constituído o crédito tributário e evitar eventual efeito da decadência.
No caso concreto, ao que parece, esta providência não foi adotada. O contribuinte não sofreu uma autuação ao longo do processo judicial para evitar a decadência.
Consequentemente, se o fisco “papou mosca”, o contribuinte poderá beneficiar-se da denúncia espontânea, mesmo após o prazo de 30 dias de que trata o art. 63, §2º, da Lei nº 9.430/96.
[1] Art. 63 – ………………………
§ 2º A interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição.
[2] O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo.