João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
No recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5635 (ADI 5635) o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade do Fundo Estadual de Estabilização Financeira (FEEF) e de seu sucessor, o Fundo Orçamentário Temporário (FOT)[1].
O STF, contudo, fez duas ressalvas: (i)deve-se afastar qualquer interpretação que vincule as receitas do FEEF/FOT a um programa governamental específico e (ii) há de se garantir a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito para o FEEF/FOT, sem prejuízo da vedação ao aproveitamento indevido dos créditos.
Embora o acórdão deste julgamento ainda não esteja disponível, as conclusões da ata de julgamento levam a reflexões importantes sobre o tema.
Uma primeira observação envolve decisões do próprio do STF em relação a outro fundo muito conhecido dos contribuintes, o Fundo Especial de Combate à Pobreza (FECP).
Curiosamente, ao analisar as leis estaduais sobre Fundos de Combate à Pobreza, o STF não cravou a natureza jurídica dos pagamentos realizados pelos contribuintes e destinados a estes Fundos (de combate à pobreza).
Os diversos julgados do STF sobre fundos de combate à pobreza concluíram pela constitucionalidade das normas que os instituíram tão somente porque o tema teria sido “constitucionalizado” pelas Emendas Constitucionais 31/2000 e 42/2003.
Então, não há pronunciamento do STF sobre a natureza jurídica dos pagamentos realizados pelos particulares ao FECP.
Todavia, ao decidir que os recursos do FEEF/FOT não podem ter uma destinação específica, o STF definiu a natureza jurídica dos “depósitos” pagos pelos contribuintes a este fundos: tratam-se, na verdade, de impostos, no mínimo de um adicional do ICMS.
Esta conclusão é óbvia porque, caso se tratasse de outra espécie tributária, o STF não teria feito a ressalva da interpretação conforme à Constituição para afastar a destinação específica do produto da arrecadação dos depósitos para o “FEEF/FOT”.
Exatamente por entender que os “depósitos” ao FEEF/FOT são impostos, é que o STF concluiu pela observância do art. 167, IV, da Constituição, que veda a destinação específica do produto da arrecadação dos impostos.
A obviedade da natureza jurídica de imposto conferida aos “depósitos” para o FEEF/FOT também está na necessidade de observância da não cumulatividade quanto a este tributo.
A propósito, a observância do princípio da não cumulatividade ao FEEF/FOT pode gerar situação curiosa que deve ser resolvida pela via de embargos de declaração.
Vejamos.
Os “depósitos” ao FEEF/FOT são pagos à alíquota de 10% sobre a diferença do valor do ICMS calculado sem e com a utilização de benefícios ou incentivos fiscais concedidos.
No entanto, não é raro verificar que há incentivos fiscais que são concedidos mediante a aplicação de uma alíquota reduzida sobre a receita da saída de mercadorias, porém sem qualquer direito a crédito.
Portanto, ao aderir ao incentivo fiscal, o contribuinte renuncia ao direito de creditar-se do ICMS decorrente dos insumos aplicáveis à sua atividade.
Daí cabe a pergunta: como manter-se no incentivo fiscal que não admite qualquer direito a crédito, pagar o “depósito” ao FEFF/FOT e ao mesmo tempo observar a não cumulatividade?
Voltando à questão do FECP, a decisão do STF sobre o FEEF/FOT serve de precedente para que também se conclua pela natureza jurídica de imposto dos pagamentos destinados ao fundos de combate de pobreza, sobretudo porque as normas instituidoras do FECP deixam claro que o pagamento realizado pelos contribuintes são adicionais do ICMS.
Consequentemente, os pagamentos ao FECP não podem subsistir porque não resistem ao confronto com o art. 167, IV, da Constituição.
As leis instituidoras de fundos de combate à pobreza definem a destinação específica do produto da arrecadação e as Emendas Constitucionais 31/2000 e 42/2003 não fazem qualquer alteração ao princípio da não afetação da receita de impostos.
Logo, adicionais de ICMS, caso dos pagamentos destinados a FECP, FEEF ou FOT, não podem ter destinação específica para o produto de suas arrecadações.
[1] Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na presente ação direta de inconstitucionalidade, para conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 2º da Lei nº 7.428/2016 e ao art. 2º da Lei nº 8.645/2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, de modo a (i) afastar qualquer exegese que vincule as receitas vertidas ao FEEF/FOT a um programa governamental específico; e (ii) garantir a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito instituído, sem prejuízo da vedação ao aproveitamento indevido dos créditos; salientou que se aplicam aos depósitos em questão as regras próprias do ICMS; e, ao final, fixou a seguinte tese de julgamento: “São constitucionais as Leis nºs 7.428/2016 e 8.645/2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, que instituíram o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF e, posteriormente, o Fundo Orçamentário Temporário – FOT, fundos atípicos cujas receitas não estão vinculadas a um programa governamental específico e detalhado”. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros André Mendonça, Cristiano Zanin e Edson Fachin. Plenário, Sessão Virtual de 6.10.2023 a 17.10.2023.