ARTIGO DA SEMANA –  Pedido de Revisão no processo administrativo fiscal

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Diversas legislações estaduais contemplam a possibilidade da decisão final proferida no processo administrativo fiscal ser objeto de um Pedido de Revisão.

Há casos em que o Pedido de Revisão fica restrito às hipóteses de nulidade do acórdão proferido pela última instância do processo administrativo.

Mas também há situações em que a legislação prevê o cabimento do Pedido de Revisão quando surgir fato novo, não conhecido no momento do lançamento ou no curso do processo administrativo tributário, que aponte para a existência de erro que invalide o crédito tributário constituído.

O Pedido de Revisão exerce papel relevantíssimo no processo administrativo fiscal e, seja pela concretização do pleno controle da legalidade do ato administrativo, seja pela observância do princípio da verdade material, merece uma disciplina legal mais precisa e abrangente a todos os entes da federação. 

Nunca é demais lembrar que o controle da legalidade dos atos administrativos caracteriza uma reação, determinando uma correção de rumo sempre que restarem ameaçadas as liberdades e os direitos dos administrados.

Desnecessário dizer que este controle pode ser exercido pela Administração por sua própria iniciativa (STF, Súmula n° 473[1]) ou como resultado de provocação pelo administrado.

Analisando a questão do controle da Administração por iniciativa do administrado, ODETE MEDAUAR (cfr. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 448) esclarece o importante papel dos recursos administrativos para esta finalidade:

“Os recursos administrativos apresentam-se como um dos modos pelos quais a Administração é provocada a fiscalizar seus próprios atos, visando ao atendimento do interesse público e à preservação da legalidade. Por meio dos recursos administrativos os interessados pedem à Administração reexame de ato, decisão ou medida editada em seu âmbito.”

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (cfr. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 754) não discrepa desta manifestação esclarecendo que “Recursos administrativos são meios formais de controle administrativo através dos quais o interessado postula, junto a órgãos da Administração, a revisão de determinado ato”.

Além da doutrina administrativista, manifestações doutrinárias em Direito Tributário também que afirmam ser o processo administrativo fiscal um meio de controle da legalidade dos atos praticados pela Administração Tributária. 

O saudoso professor RICARDO LOBO TORRES (cfr. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva – Coord.. Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Centro de Extensão Universitária e Editora Revista dos Tribunais, p. 163) já teve oportunidade de afirmar que:

“O processo administrativo tributário é o instrumento de autotutela da legalidade pela Administração; não tem por objetivo dirimir as grandes questões jurídicas em torno dos tributos, mas coarctar a violência fiscal e o abuso das autoridades fazendárias de nível hierárquico inferior”. 

MARCOS VINÍCIUS NEDER e MARIA TERESA MARTÍNEZ LÓPEZ (cfr. NEDER, Marcos Vinícius e LÓPES, Maria Teresa Martinez. Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 21), apesar de enfatizarem que o processo administrativo fiscal tem por objetivo alcançar a justiça, não negam que se trata de um verdadeiro meio de controle da Administração:

“A Administração Pública, no exercício de sua competência constitucional, não pode olvidar de buscar a realização da justiça, fim último que legitima sua atuação. Este objetivo não deve ficar restrito apenas ao Poder Judiciário, é também interesse administrativo. Desse modo, órgãos internos à Administração devem realizar o controle de seus atos. Trata-se, na verdade, de estabelecer controles ‘desde dentro’, ou seja, incidentes na própria intimidade da Administração ao longo da formação de sua vontade, em vez de se contentar com controles operados de fora, pelo Judiciário, e , portanto, só utilizados ex post facto.”

Como se vê, tanto a doutrina administrativista quanto a tributária reconhecem a amplitude dos meios de controle da Administração.

Também sob a ótica do princípio da verdade material, cabe à administração Tributária, à luz do art. 142, do Código Tributário Nacional,  ao realizar lançamentos de ofício, identificar se realmente ocorreu a situação de fato ou de direito suficiente para o nascimento da obrigação tributária.

O princípio da verdade material, em última análise, representa uma busca incessante pela realidade fática suscitada no processo administrativo.

Como são conferidos à Administração o direito e o dever de proceder ao profundo exame dos fatos e circunstâncias que envolvem a questão objeto do processo administrativo, a consequência natural é de que este poder/dever há de ser exercido da forma mais ampla possível, como bem esclarece ALBERTO XAVIER (2001, p. 124):

“A instrução do procedimento tem como finalidade a descoberta da verdade material no que toca ao seu objeto com os seus corolários da livre apreciação das provas e da admissibilidade de todos os meios de prova. Daí, a lei fiscal conceder aos seus órgãos de aplicação meios instrutórios vastíssimos que lhes permitam formar a convicção da existência e conteúdo do fato tributário”.

Portanto, é imprescindível que a administração tributária, a qualquer tempo, tome conhecimento de documentos ou fatos que possam influenciar a descoberta da verdade material.

Então é necessário que a administração tributária evite a perpetuação de lançamentos viciados pela nulidade ou comprometidos por fatos ou documentos supervenientes que atestem o contrário daquilo que ficou consignado ao final do processo administrativo fiscal.

É igualmente não se pode ignorar o impacto das supervenientes decisões em Recursos Repetitivos ou em Repercussão Geral que reconheçam a ilegalidade ou a inconstitucionalidade da norma que deu origem ao lançamento tributário confirmado por decisão final em processo administrativo fiscal.

O manejo de Pedidos de Revisão, além de cessar os efeitos de um lançamento tributário viciado, contrário à prova superveniente, ilegal ou inconstitucional, também é importante ferramenta da eficiência administrativa.

Ora, caso não exercido o amplo controle da legalidade pelo conhecimento e acolhimento de um Pedido de Revisão, só restará ao contribuinte a esfera Judicial na qual, havendo decisão favorável, o ente federado será condenado nos ônus de sucumbência, que poderia ser evitado caso acolhido o Pedido de Revisão.

É bem verdade que uma ampla gama de hipóteses de cabimento do Pedido de Revisão poderá ensejar abusos, eternizando os processos administrativos.

Mas este é o desafio imposto ao legislador e objeto de reflexão dos pensadores do Direito Tributário que deverá ser enfrentado…


[1] A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

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