Após o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgar constitucional o voto de qualidade no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo, especialistas em Direito Tributário ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico defenderam mudanças na regra de desempate dos julgamentos na corte.
Atualmente, o TIT-SP usa o voto do presidente da câmara em caso de empate, já que os colegiados são paritários, isto é, possuem o mesmo número de julgadores indicados pelo Fisco e pelos contribuintes. As chamadas “câmaras baixas” (12 no total) possuem quatro membros cada, enquanto a câmara superior conta com 16 integrantes e é conduzida pelo presidente do tribunal, que é sempre um representante do Fisco.
As câmaras pares são presididas por julgadores indicados pelos contribuintes, enquanto as ímpares têm no comando juízes escolhidos pelo Fisco. Desde sua criação, em 1935, o TIT-SP adota o voto de qualidade para resolver julgamentos empatados. Mas há advogados que acreditam que o TJ-SP deveria ter declarado a inconstitucionalidade da regra.
Para Fernando Facury Scaff, colunista da ConJur, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados e professor de Direito Financeiro da USP, o TIT-SP deveria adotar o mesmo modelo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Em âmbito federal, uma mudança legislativa recente extinguiu o voto de qualidade.
O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, onde já há maioria para validar a alteração da lei. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques. “Trata-se de um erro do TJ-SP, que contraria a posição do STF. Poderia facilitar a vida do contribuinte paulista e seguir o padrão federal. O modelo do Carf deve ser o parâmetro dos estaduais”, afirmou Scaff.
Na opinião do advogado Thiago Amaral, sócio da área de tributário do Demarest Advogados, o voto de qualidade prejudica o contribuinte. Mesmo com a alternância entre as partes na presidência das câmaras, ele acredita que há insegurança jurisprudencial no modelo atual. “Não raro, há casos idênticos, sorteados para câmaras diferentes, que terminam com soluções antagônicas por causa do voto de qualidade.”
Na câmara superior, segundo Amaral, há perda da paridade porque o voto de qualidade é dado por um julgador indicado pelo Fisco: “Até mesmo pela legislação um pouco engessada de São Paulo, em que não há previsão clara do TIT se submeter à jurisprudência fixada pelos tribunais superiores, como repercussão geral e recursos repetitivos, há muita discussão que prevalece por voto de qualidade, mas está fadada ao insucesso quando chegar ao Judiciário.”
O excesso de judicialização também foi destacado pelo advogado Maurício Barros, do Demarest Advogados, que foi juiz do TIT-SP entre 2014 e 2019. “A lei de São Paulo é muito tímida com precedentes. Se há uma súmula vinculante ou declaração de inconstitucionalidade, o TIT tem de aplicar. Mas outros precedentes que vinculam o Judiciário não vinculam, em tese, o TIT. Há questões que estão pacificadas no Judiciário a favor do contribuinte, mas não se aplicam no TIT.”
Medida constitucional
Por outro lado, o advogado e colunista da ConJur Igor Mauler Santiagonão vê inconstitucionalidade no voto de qualidade. Apesar de não ser um entusiasta do modelo, ele afirmou que a Constituição não diz nada a respeito da matéria e, com isso, está aberto o caminho para o legislador instituir a norma que considerar mais adequada.
“Se o legislador quiser instituir o voto de qualidade, é válido. Se quiser extinguir o voto de qualidade, dizendo que o empate favorece o contribuinte, essa opção também é válida. Não tem na Constituição nenhum dispositivo, nem direta nem indiretamente, que imponha ou vede o voto de qualidade. Isso está no espaço de livre conformação, como dizem os constitucionalistas, do legislador”, disse ele.
Conforme Santigo, trata-se de matéria que está 100% na competência do Legislativo: “A Constituição não dá um parâmetro, então prevalece a liberdade do legislador, que precisa ser respeitada. Talvez fosse ideal ter um critério uniforme nacionalmente. Mas vivemos em uma federação, em que há margem para o ente federativo decidir sua própria política”.
In dubio pro contribuinte
Thiago Amaral, por sua vez, acredita que há elementos para sustentar que o voto de qualidade conflita com princípios constitucionais como o da isonomia, o da razoabilidade e o da imparcialidade do juiz. Ele também destacou a aplicação do artigo 112 do Código Tributário Nacional.
O dispositivo estabelece que a “lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado”. Para Amaral, a melhor solução para os casos de empate no TIT seria decidir a favor do contribuinte, como vem acontecendo no Carf desde o fim do voto de qualidade. Seria uma espécie de “in dubio pro contribuinte”, segundo o advogado.
“Para exigir um tributo, principalmente no Judiciário, que é o caminho seguinte, é preciso ter requisitos de liquidez e certeza. Não dá para aferir isso em um procedimento em que um órgão técnico avalia e há evidente dúvida sobre esses elementos. Se há empate em um órgão com 16 julgadores, há liquidez e certeza para transformar-se em um título executivo?”, questionou ele.
Nesse cenário, Maurício Barros destacou o trabalho da comissão de juristas criada pelo Senado para modernizar a legislação de processos administrativos e tributários. “Até uma das ideias é ter uma uniformização maior das regras do processo administrativo”, disse o advogado, destacando a necessidade de se buscar também “uma jurisprudência mais homogênea” no contencioso administrativo tributário.
Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2022, 19h06