Mandado de segurança e o foro competente para impetração

Nossa pretensão com este artigo abordando aspectos do mandado de segurança é lançar luz sobre questão ainda não pacificada no âmbito dos tribunais atinente ao foro competente para o julgamento do mandado.

Constata-se que na atuação prática do processo tributário admite-se implícita e automaticamente a ideia de que o mandado de segurança deve ser ajuizado no foro de competência da autoridade impetrada, dada a inexistência de regramento específico na revogada Lei 1.533/51 e na sua versão mais atual, Lei nº 12.016/09, o que levou, por consequência, à aplicação da regra geral do Código de Processo Civil de 1973, de que o foro competente era o do local em que o ato administrativo seria praticado.

O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, inclui regras de competência que destoam daquela máxima relacionada ao mandado de segurança e que mencionamos linhas acima. Isso porque os artigos 51 e 52 trazem opções, dentre elas, a possibilidade de que as ações que tiverem como parte a União (artigo 51), os estados ou o Distrito Federal (artigo 52) sejam ajuizadas no foro de domicílio do autor [1].

Ainda que não haja expressa previsão quanto à aplicação dessas normas de competência para o mandado de segurança, não se pode admitir o seu afastamento para essa espécie processual, dado que, reiteramos, não há regramento na lei específica neste sentido; logo as regras do Código de Processo Civil aplicam-se de forma subsidiária.

Na hipótese de mandado de segurança que tenha como parte interessada a União, identificamos que a regra do artigo 51 do CPC se coaduna com a aquela prevista no artigo 109, § 2º, da Constituição Federal, que autoriza o ajuizamento da ação no foro de domicílio do autor:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

§ 2º. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.”

Deveras, o mandado de segurança não é intentado contra a União, em razão de a parte legitimada passivamente ser a autoridade que pratica o ato impugnado [2], contudo, a pessoa jurídica de direito público da qual integram as autoridades federais, figura como interessada e deve compor a lide a teor do que dispõe o artigo 6º da Lei 12.016/09.

O que se verifica nesses casos é a formação de litisconsórcio passivo, como bem explicita Rodrigo Dalla Pria [3], para quem: “…a legislação processual de regência não deixa dúvidas acerca da plurisubjetividade que caracteriza o polo passivo da relação jurídico-processual mandamental, o que induz a necessária formação de litisconsórcio passivo, a ser composto pela autoridade impetrada, de um lado, e pela pessoa jurídica de direito público, de outro lado. Essa condição fica ainda mais clara quando se verifica, pragmaticamente, que a tutela mandamental, em especial aquela exarada a pretexto da resolução de conflitos tributários, produz eficácia dúplice, bifurcando-se em ordem (eficácia mandamental) dirigida à autoridade impetrada e em declaração/anulação (eficácia patrimonial) dirigida à pessoa política tributante”.

Ante a integração da União à lide, forçoso reconhecer que as regras do artigo 109, § 2º, da CF e artigo 51, parágrafo único, do CPC se aplicam ao mandado de segurança que pode ser intentado no foro de domicílio do autor, entendimento esse confirmado pelo STF no julgamento do recurso extraordinário 627.709/DF e, posteriormente, pelo STJ no conflito de competência 163.820/DF [4].

Esse litisconsórcio que se forma no âmbito da justiça federal ocorre também na justiça estadual, mas com consequências, eventualmente, distintas quando se analisa o aspecto da competência para seu julgamento.

Isto porque, diferentemente da União que tem abrangência nacional, os estados têm abrangência espacial distinta, vinculando-se às suas próprias normas de organização judiciária, o que poderia levar à ideia de que apenas os juízes deste mesmo estado tenham competência para julgar os mandados de segurança impetrados contra ente político de seu âmbito territorial.

Mas seria isso um impedimento para que os mandados de segurança do qual faça parte o estado não pudessem ser ajuizados no foro de domicílio do impetrante, especialmente quando este se localizar em unidade federada distinta?

Pensamos que a melhor resposta a essa pergunta é não. Ora, tal como o artigo 51, há a regra do artigo 52, parágrafo único, ambas do CPC, que autoriza que as ações em que o Estado seja interessado sejam intentadas no foro de domicílio do autor. O racional de ambos os dispositivos é o mesmo o que demanda idêntica solução jurídica.

Em âmbito tributário tal medida é de extrema relevância, dadas “as imensas dificuldades a que se submetem os contribuintes que realizam, com frequência, operações de vendas interestaduais de mercadorias, diante da constante utilização, por parte de algumas administrações fazendárias, de instrumentos coativos ilegítimos de cobrança — tais como a apreensão de mercadorias em fiscalizações de fronteira — destinados a compelir o sujeito passivo ao cumprimento de exigências fiscais (imposto, multas, etc.) que, não raro, são flagrantemente ilegais. Nesses casos, os custos, os riscos (inclusive comerciais) e as dificuldades para o manejo do mandado de segurança no foro da autoridade impetrada levam o sujeito passivo a optar, muitas vezes, pelo pagamento da exigência, mesmo tendo plena consciência da sua ilegitimidade” [5].

O objetivo da regra do artigo 52 do CPC é priorizar a acessibilidade ao Judiciário pelo jurisdicionado atraindo o juízo do seu domicílio para dirimir o conflito, reduzindo o custo do processo, bem como garantindo de maneira plena o direito à ampla defesa e ao devido processo legal. Tais garantias não podem ser asseguradas em razão do tipo de ação eleito, senão a qualquer meio de defesa disponível aos sujeitos passivos da obrigação tributária.

O exemplo descrito bem demonstra a importância de se garantir a todos a possibilidade de defesa dos seus direitos, inclusive por meio de mandado de segurança.

Ainda não há consenso no Judiciário sobre essa temática e as decisões oscilam. Mas há um caminhar no mesmo sentido do entendimento formado em relação à questão em âmbito federal, com o qual concordamos. É o que se verifica dos fundamentos que vêm amparando o STJ nas oportunidades em que essa questão se coloca em discussão e que tem levado à plena aplicação do artigo 52 do CPC para os mandados de segurança, conforme se verifica do voto proferido pelo ministro Herman Benjamin no AgInt no RMS nº 64.292/SP:

“Todavia, a Primeira Seção do STJ já decidiu que, em observância ao art. 52, parágrafo único, do CPC/2015, a demanda ajuizada contra Estado da Federação pode ser proposta no foro do domicílio do autor, que, in casu, se localiza no Estado de São Paulo, o que atrai a competência do Poder Judiciário desse Estado para o processamento do feito” (AgInt no RMS nº 64.292/SP, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 30/11/2020, DJe de 9/12/2020.)

Tendo como premissa que o processo é instrumento para a efetivação do direito tributário, não se pode cogitar que uma regra de competência possa limitar ou até mesmo inviabilizar o uso dos meios processuais postos à disposição do sujeito passivo, sem que isso fira o princípio da isonomia. 

Eis o porquê de essa temática merecer detida atenção e ampla discussão da comunidade jurídica. 


[1] Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União.

Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal. Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.

Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.

[2] Ver, nesse sentido: https://www.conjur.com.br/2022-abr-24/processo-tributario-autoridade-coatora-mandado-seguranca-materia-tributaria-teoria

[3] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Civil. 1ª Ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 382/383.

[4] A mais recente decisão neste mesmo sentido foi proferida no agravo de instrumento no conflito de competência 179.209/DF, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, na 1ª Seção, julgado em 16/8/2022, DJe de 19/8/2022.

[5] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Civil. 1ª Ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 391/392.

Danilo Monteiro de Castro é advogado, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do Ibet, juiz do TIT-SP e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

Vanessa Damasceno Rosa Spina é advogada, mestranda em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pelo Ibet, L.L.M. em Direito Empresarial pelo CEU, professora do Curso de Extensão do Processo Tributário Analítico do Ibet e pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2022, 8h00

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