ARTIGO DA SEMANA – A Taxa SELIC em matéria tributária

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

A Taxa SELIC, objeto da divergência entre a Chefia do Poder Executivo Federal e a Presidência do Banco Central, tem sido utilizada há 27 anos como índice de atualização de tributos federais.

O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC é o mecanismo eletrônico centralizado de controle diário da custódia, liquidação e operação de títulos públicos por computadores, que foi criado pelo Banco Central em novembro de 1979 com o objetivo de dar mais segurança, agilidade e transparência aos negócios efetuados com títulos.

Em princípio, a Taxa SELIC foi criada com a natureza de medição da variação apontada nas operações do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. Possuía, ainda, característica de juros remuneratórios, cujo objetivo era premiar o capital investido pelo tomador de títulos da dívida pública federal, como rendimento da denominada “Letra do Banco Central do Brasil”, refletindo assim a liquidez dos recursos financeiros no mercado monetário.

Embora adotada como índice de atualização de tributos desde dezembro de 1995, a aplicação da Taxa SELIC na correção de tributos não passou incólume a críticas.

O primeiro questionamento quanto à aplicação desta taxa na atualização de tributos, vem do fato de não haver lei que defina o que seja a Taxa SELIC. A sua definição encontra-se nas Circulares BACEN nº 2868/99 e 2900/99: “Define-se Taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados nos Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais.”

Por conta disso, afirmava-se que não há ausência de definição da referida taxa, mas sim, falta de criação por lei da Taxa SELIC para fins tributários, já que inexiste disposição legal definindo essa taxa, que se encontra prevista em resoluções e circulares do Banco Central.

O art. 161, § 1o, do CTN, dispõe que os juros serão de 1%, se a lei não dispuser em contrário. A lei ordinária não criou a Taxa SELIC, mas tão somente estabeleceu seu uso. Assim, a lei ordinária que estabeleceu o uso da SELIC está contra a lei complementar, pois esta só autorizou juros diversos de 1% se lei estatuir em contrário.

Esta crítica à utilização da Taxa SELIC como índice atualização de tributos chegou a encontrar respaldo na jurisprudência, sendo o Recurso Especial 215.881 o leading case sobre a matéria[1]

Mas esta orientação não durou muito tempo, sendo alterada pelo STJ por um motivo simples: se a mesma Taxa SELIC é utilizada na atualização dos indébitos, por que motivo deveria ser afastada na correção dos débitos?[2]

Os Temas 145[3] e 905[4], dos Recursos Repetitivos, também pacificaram a utilização da Taxa SELIC no âmbito do STJ. 

A utilização da Taxa SELIC na atualização de tributos em atraso deu tão certo que vários entes da federação passaram a adotá-la.

O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, alterou seu Código Tributário Estadual para aplicar  Taxa Selic como encargo moratório a partir de 2012[5].

Como se vê, se há divergência quanto à Taxa SELIC no mercado financeiro, o mesmo não ocorre para fins tributários.


[1] TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. ART. 39, § 4º, DA LEI 9.250/95. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

I – Inconstitucionalidade do § 4º do art. 39 da Lei 9.250 de 26 de dezembro de 1995, que estabeleceu a utilização da Taxa SELIC, uma vez que essa taxa não foi criada por lei para fins tributários.

II – Taxa SELIC, indevidamente aplicada como sucedâneo dos juros moratórios, quando na realidade possui natureza de juros remuneratórios, sem prejuízo de sua conotação de correção monetária.

III – Impossibilidade de equiparar os contribuintes com os aplicadores; estes praticam ato de vontade; aqueles são submetidos coativamente a ato de império.

IV – Aplicada a Taxa SELIC há aumento de tributo, sem lei específica a respeito, o que vulnera o art. 150, inciso I, da Constituição Federal.

[2] TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PARCELAMENTO DA LEI N. 11.941/2009. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC. LEGITIMIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade.

III – A correção monetária plena é mecanismo mediante o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita.

IV – A atualização monetária dos tributos federais quitados em atraso dar-se-á, por expressa previsão legal e jurisprudencial vinculante, somente mediante a aplicação da taxa SELIC, de modo que se revela legítima a incidência dessa taxa na atualização da das parcelas do parcelamento de que trata a Lei n. 11.941/2009.

Precedentes.

V – Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

VI – Agravo Interno improvido.

(AgInt no REsp n. 1.925.630/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 9/8/2021, DJe de 12/8/2021.)

[3] Aplica-se a taxa SELIC, a partir de 1º.1.1996, na atualização monetária do indébito tributário, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de juros ou atualização monetária. Se os pagamentos foram efetuados após 1º.1.1996, o termo inicial para a incidência do acréscimo será o do pagamento indevido; havendo pagamentos indevidos anteriores à data de vigência da Lei 9.250/95, a incidência da taxa SELIC terá como termo a quo a data de vigência do diploma legal em tela, ou seja, janeiro de 1996.

[4] 3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.

A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

[5] Art. 173. O crédito tributário, quando não integralmente pago no prazo, sem prejuízo da imposição de penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas na legislação, será acrescido dos seguintes acréscimos moratórios:

I – juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema de Liquidação e Custódia – SELIC – para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do primeiro dia do mês subsequente ao vencimento do prazo até o último dia do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado;

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