Empresa não é obrigada a recolher juros instituídos por norma da Receita Federal para bens em regime de admissão temporária para utilização econômica

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a decisão que julgou procedente o pedido de uma empresa para desobrigá-la do recolhimento de juros incidentes sobre a prorrogação de prazo de bens em regime de “admissão temporária para utilização econômica”, instituídos indevidamente por norma da Receita Federal publicada em 2015 (IN RFB 1.600/2015). O Colegiado assim decidiu ao negar provimento à apelação da União, contrária à sentença que entendeu pela ilegalidade da obrigação instituída.

O regime aduaneiro especial de admissão temporária com suspensão total do pagamento de tributos é o que permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento dos tributos incidentes na importação, de acordo com informações do Manual de Admissão Temporária da Secretaria Especial da Receita Federal.

 A IN RFB 1.600/2015, no art. 64, dispõe que “os tributos correspondentes ao período adicional de permanência do bem no País serão calculados conforme o previsto no art. 56, acrescidos de juros de mora calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador, conforme o caso, até o termo final do prazo de vigência anterior e recolhidos por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf)”.

Segundo o relator, desembargador federal Novély Vilanova, a lei sobre a legislação tributária federal (Lei 9.430/1996), no art. 79, não prevê a exigência de juros moratórios no regime de “admissão temporária de bens para utilização econômica”, e nem mesmo o Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009) poderia prever o que não está na lei. “Diante disso, viola o princípio da legalidade a exigência desses juros com base na Instrução Normativa 1.600/2015, e nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do TRF1”, ressaltou o magistrado ao votar.

 A decisão da Turma, acompanhando o relator, foi unânime.

Processo: 1002198-46.2019.4.01.3400

Data de julgamento: 04/07/2022

 AL

Fonte: Assessoria de Comunicação Social do Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Supremo valida taxas estaduais de fiscalização de exploração de minério

São constitucionais as leis estaduais que instituíram taxas de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários. Por maioria de votos, esse foi o entendimento adotado nesta segunda-feira (1º/8) pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar as ações que questionavam a constitucionalidade de normas de Minas Gerais, Amapá e Pará.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou as três ações no STF, nas quais alegou a inconstitucionalidade de leis estaduais de Minas Gerais, do Pará e do Amapá. Segundo a entidade, trata-se de “verdadeiro imposto mascarado de taxa”, e o fato de a taxa, proposta inicialmente em Minas, ter sido adotada também no Amapá e no Pará mostra um verdadeiro risco de “efeito multiplicador” na busca de arrecadação significativa, cuja restituição enfrentará todos os conhecidos percalços.

O ministro Nunes Marques, relator das ADIs 4.786 e 4.787, votou pela constitucionalidade da norma paraense. Segundo ele, devido à impossibilidade de calcular cada centavo a ser apreendido na atividade fiscalizatória — que, inclusive, pode variar a cada período —, é aceitável que o cálculo da taxa seja feito com alguma folga orçamentária.

“A importância do princípio da proporcionalidade não exige uma equivalência estrita, mas, sim, uma equivalência razoável, uma vez que eventual déficit seria inadmissível pois implicaria o custeio da fiscalização de atividade desenvolvida com fins lucrativos puramente particulares pela sociedade como um todo”.

Nunes Marques argumentou ainda que não há qualquer dispositivo constitucional para calcular o valor devido. Assim, segundo ele, não cabe à empresa questionar o valor cobrado pelo poder público.

“Não há qualquer dispositivo constitucional que vincule a receita de taxas desde que observado um valor razoável em relação ao custo da ação do poder público”.

Ao analisar o caso, o ministro Luiz Edson Fachin, relator da ADI 4.785, votou pela improcedência da ação, julgando constitucional a norma estadual de Minas Gerais.

“As taxas são regidas pelo ideal da comutatividade ou referibilidade, de modo que o contribuinte deve suportar o ônus da carga tributária em termos proporcionais à fiscalização a que é submetido, ou a serviços públicos que sejam disponibilizados à sua fruição”.

Fachin destacou que a taxa de fiscalização tem natureza extrafiscal, pois “de um lado desincentiva atividades potencialmente degradantes, de outro permite ao Estado que se planeje para evitar desastres ambientais”, e relembrou casos como o desastre de Brumadinho, em Minas Gerais.

Competência reconhecida
Para Camila Schlodtmann, advogada especialista em Direito Ambiental e Regulatório do escritório Renata Franco, “do ponto de vista formal, os estados possuem competência para legislar sobre o registro, acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios, comumente com a União, desde que respeitado o princípio da subsidiariedade emanado do federalismo brasileiro. Assim, do ponto de vista técnico, não há invasão de competência legislativa. No mesmo sentido, os estados podem instituir taxas, uma vez que traduzidos em serviços públicos demandados pelo poder de polícia”.

A advogada destaca ainda que “o cerne a ser discutido seria a respeito da proporcionalidade da base de cálculo da taxa e a correlação entre o valor da taxa e os custos estatais, onde ocorreu divergência em relação aos votos dos ministros. Observa-se, portanto, que ante a inadequação dos valores cobrados das taxas minerarias, principalmente, em relação ao estado do Pará, as ações foram conhecidas e julgadas parcialmente procedentes (ADI 4.785 e 4.787) e totalmente procedente (ADI 4.786)”.

Segundo o advogado Fernando Facury Scaff, colunista da ConJur, “diversos votos vencedores foram proferidos misturando problemas ambientais com matéria tributária, validando falhas incorrigíveis dessas normas, que oneram fortemente a atividade minerária, e abrem a porta para a instituição de taxas semelhantes pelos demais entes federados”.

“Respeito a decisão, mas entendo ter sido um erro de análise, mesclando problemas distintos e com análise inadequada do mérito tributário em debate”, afirmou.

ADI 4.785
ADI 4.786
ADI 4.787

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de agosto de 2022, 20h44

Importação por encomenda: três pontos de interrogação

No território aduaneiro brasileiro, tema recorrente são as importações indiretas. Sobre elas sempre orbitam questões intrincadas. Vamos dirigir nosso olhar para três aspectos relativos à importação indireta por encomenda. Sua definição encontra-se no artigo 3º da IN RFB no 1.861/2018, como sendo aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira por ela adquirida no exterior para revenda a encomendante predeterminado. Sua base legal localiza-se na Lei no 11.281/2006, em seus artigos 11 a 14.

É fundamental, desde logo, destacar qual a relação jurídica entre o importador e o encomendante. Nessa modalidade, é da sua essência ocorrerem dois negócios jurídicos distintos e autônomos de compra e venda.[1] O primeiro; internacional, entre o exportador e o importador, e o segundo entre esse e o encomendante predeterminado. É pressuposto dessa modalidade de importação, para sua higidez em face dos moldes prescritos na legislação aduaneira de regência, que o importador aufira lucros na operação, adicionando sua margem ao valor dos custos de importação da mercadoria. A diferença entre essa modalidade e a importação direta é que na indireta o importador é contratado previamente por um terceiro interessado (encomendante) para realizar em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro da mercadoria que irá adquirir no exterior para, após nacionalizá-la, revendá-la ao interessado previamente determinado. A encomenda não se confunde, igualmente, com a outra modalidade de importação indireta; a conta e ordem, definida no artigo 2º da IN RFB no 1.861/2018[2], eis que essa se caracteriza pela prestação de serviços[3] do importador ao real adquirente para promover em seu nome despacho de importação de mercadoria por aquele adquirida no exterior. A natureza jurídica dos vínculos e a forma de sua remuneração distinguem bem as duas espécies de importação indireta.

Além dessas distinções fundamentais e por decorrência delas, observa-se que na encomenda há uma importação própria com revenda posterior à nacionalização acobertada pela emissão de uma nota fiscal de saída para circulação jurídica onerosa das mercadorias nacionalizadas. Na conta e ordem, ao contrário, o importador emite nota de saída para as mercadorias do real adquirente circularem fisicamente, não configurando a sua emissão uma compra e venda, como determina o artigo 7º, §1º, I, da IN RFB no1.861/2018. Para sua remuneração o importador emitirá nota fiscal de serviços (artigo 2º, §2º e 7º, III, da IN RFB no 1.861/2018). As relações jurídicas em ambas as modalidades devem estar formalizadas em contrato a ser apresentado no Pucomex (Portal Único de Comércio Exterior, artigo 5º, II, IN RFB no 1.861/2018). As obrigações fiscais e contábeis de ambas as espécies estão previstas nos artigos 7º ao 10º da IN RFB no 1.861/2018.

Dito isso, destacaremos três aspectos da importação por encomenda, a saber: (a) os limites da habilitação no Radar[4] nas operações de importação por encomenda; (b) equiparação do encomendante a industrial para efeito de incidência do IPI; (c) a previsão da IN no 2.090/2022 sobre controle de valoração aduaneira nessa operação.

Dentre os momentos em que a Aduana exerce sua função de controle aduaneiro, a habilitação prévia dos intervenientes para atuarem no comércio exterior, conhecida popularmente como “habilitação no Radar”, exemplifica um controle prévio à operação. Ele é importante para ampliar a capacidade de gestão de risco aduaneiro e permitir maior celeridade no fluxo das mercadorias no despacho e desembaraço, momentos mais críticos do procedimento de nacionalização. Nesse sentido, consoante regras vigentes previstas nos artigos 16 e 17 da IN RFB no 1.984/2020, na importação os intervenientes podem se habilitar em três modalidades: expressa, limitada e ilimitada. Não há limites quantitativos para as importações nas modalidades expressa e ilimitada.

Na modalidade limitada porém, os habilitados estão sujeitos a limites de US$ 50 mil ou US$ 150 mil a cada período consecutivo de seis meses considerando o valor aduaneiro das mercadorias que importarem. As operações indiretas exigem a habilitação tanto do importador, quanto do encomendante e do real adquirente (artigo 4º, I, IN RFB no 1.861/2018).

E os limites para importações no período consecutivo de seis meses a serem considerados, devem ser do importador ou dos terceiros? Prevê o artigo 17, §2º, I e II, da IN RFB no 1.984/2020 que na importação por conta e ordem, como é o real adquirente quem adquire a mercadoria no exterior, deve ser observado o seu limite de habilitação.

Na encomenda é previsto que serão observados os limites tanto do importador, quanto do encomendante. Ora se a operação entre eles, nessa modalidade, é de compra e venda, sendo a importação toda promovida pelo importador, o limite de habilitação a ser considerado, previsto no artigo 17, da IN no 1.984/2020, deveria ser exclusivamente do importador. Ele quem deve possuir os recursos próprios para a operação, ele quem irá negociar e adquirir o produto no exterior.

A etapa seguinte é uma operação interna, como outra qualquer, com produto já nacionalizado, portanto o encomendante não está diretamente inserido nos riscos aduaneiros a serem gerenciados e controlados pela Aduana. Nesse sentido, a avaliação da capacidade econômica e limites quantitativos, cremos, dever-se-ia restringir ao importador, sem prejuízo da sua habilitação e do encomendante e da vinculação de ambos, via contrato, ser comprovada no Pucomex.

O segundo ponto cinge-se à equiparação do encomendante a industrial para efeitos de incidência do IPI, nos termos do que prevê o artigo 13, da Lei no11.281/2006. A exigência do IPI na importação e nas revendas das mercadorias nacionalizadas e não submetidas à industrialização já foi julgada pelo STF, em 2020, no RE no 946.648/SC, Tema 906.[5] Nesse julgado, com manifestações e votos de vários ministros, com sustentações orais e pareceres contra e a favor, após serem discutidos os limites da competência tributária para exigência do IPI, considerando o aspecto material da sua hipótese de incidência, o princípio da isonomia, o trato da matéria nas operações internas, assim como o respeito ao princípio da nação mais favorecida do Gatt (General Agreement on Tariffs and Trade), a Corte Maior, por maioria, validou a equiparação do importador a industrial e a cobrança do IPI nas revendas de produtos industrializados nacionalizados.

Fica evidente da leitura da íntegra do acórdão que o ponto fundamental para reconhecer a constitucionalidade da cobrança foi o fato de que seria a cobrança do IPI na revenda do produto nacionalizado sobre o valor de revenda no mercado interno (preço de saída), com o acréscimo da margem de lucro do importador, que o colocaria em condições de igualdade com a incidência sobre o produto industrializado no mercado interno. Se o IPI só incidisse sobre o desembaraço aduaneiro o produto importado seria integrado à economia nacional em condições mais vantajosas em relação ao produto nacional industrializado.[6]

Ainda que se tenha defendido posição muito controversa de que a Constituição, em seu artigo 153, IV, teria outorgado competência à União Federal para tributar o produto industrializado independente do processo de industrialização, restou evidente que as equiparações não podem ser feitas de forma arbitrária e distante do aspecto material do imposto, sob pena se invadir a competência tributária estadual do ICMS.[7]

Atentos à decisão do STF, considerando as acerbas discussões para se admitir a equiparação do importador a industrial e a incidência do IPI na revenda do produto industrializado importado, a equiparação do encomendante a industrial se afigura ainda mais indevida, distanciando-se, com mais evidência, dos limites da constitucionalidade e da legalidade na cobrança desse imposto.

O encomendante não importa, não industrializa e não tem relação com os fatos geradores previstos no art. 46, I e II, do CTN. Ele é adquirente de mercadoria já nacionalizada que circula no mercado interno, como qualquer outro distribuidor, comerciante ou consumidor final que adquirisse de fábrica nacional e não é, por isso, equiparado a industrial.

Portanto, além da equiparação do encomendante ser ilegítima, ela ainda fere o princípio da isonomia, pois, como dissemos, no mercado interno, um distribuidor que adquire da indústria suporta o IPI na condição de contribuinte de fato, ou consumidor final, e não como contribuinte equiparado do imposto. Essa realidade finda por levar a grandes celeumas e processos decorrentes de autuações aduaneiras, em que a fiscalização entende que há interposição fraudulenta e ocultação do encomendante com objetivo de se quebrar a cadeia do IPI e fugir à sua equiparação a industrial.

O terceiro e último aspecto em destaque refere-se à valoração aduaneira nas importações por encomenda. Na recente IN RFB no 2.090/2022[8], artigo 4º, §5º verifica-se: “…vedação para a utilização do método do valor de transação (…) aplica-se ainda ao caso em que haja vinculação entre o vendedor estrangeiro e o encomendante predeterminado, de que trata a Instrução Normativa RFB no 1.861, de 2018, exceto se ficar demonstrado que a vinculação não influenciou o preço”.

É dizer, de um lado, a modalidade por encomenda pressupõe autonomia na relação do importador com o exportador destinada a nacionalização do produto que será, em seguida, revendido ao encomendante. Esse não mantém contato com o exportador para negociar os valores da importação, tão pouco fecha o seu câmbio, tarefa destinada com exclusividade ao importador (artigo 3º, §5º, IN RFB no 1.861/2018), inclusive relacionada à exigência de que utilize recursos próprios. É dele a compra e venda internacional.

O fato de o encomendante ter vínculo com o exportador é irrelevante para a valoração aduaneira, considerando a liberdade negocial que deve ter o importador nessa modalidade de importação. O foco deve ser se o importador por encomenda possui, ou não, vínculo com o exportador. Nesse sentido já se manifestou a RFB através da Solução de Consulta no 120 da Cosit, datada de 28/09/2020.[9] Ela respondeu negativamente a questionamentos sintetizados na indagação: se houver vínculo entre o exportador e o encomendante, mas não houver entre o exportador e o importador por encomenda, esse vínculo deve ser informado em algum local da DI? A resposta categórica foi não.

O fundamento: “especificamente, na importação por encomenda, ocorre a relação de compra e venda, entre o exportador e o importador por encomenda. Nesse sentido, deve-se indicar a existência de eventual vínculo, a que se refere a legislação aduaneira entre o exportador e o importador por encomenda”

Nesse caso, como as soluções de consulta têm “efeito vinculante no âmbito da RFB” e “respaldam o sujeito passivo que as aplicar, ainda que não seja o respectivo consulente”, nos termos do artigo 33, da IN RFB no 2.058/2021, parece-nos indevida a previsão do §5º da IN RFB no 2.090/2022 quando pretende exercer o controle do valor aduaneiro com base na relação entre o exportador e o encomendante.

[1] Definição de compra e venda do Código Civil Brasileiro: Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

[2]Art. 2º Considera-se operação de importação por conta e ordem de terceiro aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira, adquirida no exterior por outra pessoa jurídica.”

[3] Definição de prestação de serviço do Código Civil Brasileiro: “Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo. Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.”

[4] Para manter a expressão corriqueiramente utilizada em comércio exterior, mas imprecisa. A rigor, as pessoas não são habilitadas “no RADAR”, mas habilitadas “para atuarem no comércio exterior”, via SISCOMEX/PUCOMEX, conforme IN RFB no 1.984/2020.

[5] Tema 906 STF: “É constitucional a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno”.

[6] Trecho do voto do Ministro Relator para o Acórdão Alexandre de Moraes: “Veja-se que, nessa fase, o encargo tributário ocorre na primeira saída da mercadoria do estabelecimento do importador, porque é nesse exato momento que o importador se encontra em condições de igualdade com o industrial brasileiro, e não no momento do despacho aduaneiro, no qual a tributação teve por objetivo somente neutralizar os incentivos fiscais concedidos pelo país exportador.”  Trecho do Parecer de Heleno Taveira Torres transcrito no voto do Min. Alexandre de Morais: “…para garantir equivalência de tributação no preço do produto no mercado interno, é necessária a incidência do IPI tanto no desembaraço aduaneiro (artigo 46, I e II e artigo 51, I do CTN) quanto na etapa de saída do estabelecimento de “revenda” (com toda a margem agregada de preço dirigido ao consumo, inclusive margem de lucro do estabelecimento)…”.

[7] Voto do Ministro Marco Aurélio, citando José Roberto Vieira: “Ora, quando o legislador ordinário, mediante equiparações fictícias, contempla operações realizadas por estabelecimentos que não industrializaram os produtos, meros comerciantes, submetendo-as à tributação pelo IPI, escapa, a toda evidência, dos lindes da moldura hipotética constitucional, afastando-se dos cancelos da operação realizada pelo industrial, para penetrar na seara das operações exclusivamente mercantis, invadindo a arena de incidência do ICMS.” No mesmo sentido: MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 521.

[8] Tema recente da Coluna na pesquisa detalhada de Leonardo Branco que vale conferir: https://www.conjur.com.br/2022-jul-19/carf-doze-pontos-regra-valoracao2

[9]Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=112764. Acesso em 28/07/2022.

 é sócio-fundador da HLL Advogados, mestre em Direito pela UFMG, pós-graduado em Direito Aduaneiro Europeu pela Universidade Católica de Lisboa, multiplicador do Programa OEA da RFB, fundador e presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-MG, acadêmico da International Customs Law Academy (Icla) e professor de pós-graduação na PUC-MG, Enap, IBDT, Ibmec e Cedin.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de agosto de 2022, 9h22

Contribuinte pode requerer compensação do crédito presumido de IPI com qualquer tributo federal

​A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a extensão do crédito presumido de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para fabricantes de veículos e autopeças das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, prevista no artigo 11-B da Lei 9.440/1997, autoriza o contribuinte a requerer à Receita Federal o ressarcimento mediante compensação de qualquer tributo por ela administrado.

Com esse entendimento, os ministros mantiveram acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) para permitir que uma empresa aproveite os créditos presumidos de IPI – previstos como forma de ressarcimento, em dobro, da contribuição ao PIS e da Cofins – para compensação de quaisquer outros tributos federais.

No recurso ao STJ, a Fazenda Nacional afirmou que a empresa, desde 2015, apurou mais de R$ 6 bilhões de créditos presumidos e utilizou a metade disso em abatimento do IPI devido por uma fábrica. Para a recorrente, se o Judiciário não tivesse autorizado a empresa a compensar o crédito com outros tributos, “à revelia da legislação”, a outra metade deveria ser utilizada do mesmo modo ao longo do período de fruição do benefício fiscal.

Ressarcimento e compensação de créditos presumidos de IPI

O relator, ministro Benedito Gonçalves, explicou que, desde a Lei 9.440/1997, em sua versão original, até a edição da Lei 12.407/2011, o modelo básico de concessão de crédito presumido de IPI, como forma de ressarcimento da contribuição ao PIS e da Cofins, permaneceu inalterado, tendo sido acrescentadas qualificadoras tributárias que sofisticaram o favor fiscal, para aproximá-lo das finalidades buscadas pelo legislador.

Segundo o ministro, porém, com a edição da Instrução Normativa RFB 1.717/2017, deixou de ser prevista expressamente a possibilidade de ressarcimento e compensação desses créditos presumidos de IPI.

Para o relator, a solução da controvérsia se concentra no tipo básico fundamental do benefício fiscal, cujo núcleo está contido no termo técnico “ressarcimento”. Na sua avaliação, se todas as formulações legais asseguraram o ressarcimento da contribuição social do PIS e da Cofins, na forma de crédito presumido de IPI, deve-se investigar tecnicamente o que a lei entende como ressarcimento tributário.

Benedito Gonçalves destacou que o artigo 74 Lei 9.440/1997, ao tratar genericamente do instituto da restituição e da compensação, dispõe que “o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão”.

Prerrogativa legal não pode ser limitada por instrução normativa

Na hipótese, o ministro verificou que o contribuinte apura crédito fundado em benefício fiscal instituído em lei, que consiste pontualmente em crédito presumido de IPI, como ressarcimento das contribuições sociais PIS/Cofins. Portanto, afirmou que, nos termos do artigo 74 da Lei 9.430/1996, o contribuinte pode utilizar seus créditos na “compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições” administrados pela Receita Federal.

“O conceito legal e geral de ressarcimento tributário, firmado na Lei 9.430/1996, não pode ser pontualmente limitado por instrução normativa da Receita Federal neste caso concreto, de modo a fazer escapar uma prerrogativa dada pela lei ao contribuinte”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 1.804.942.

PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE DO ICMS E A LEI COMPLEMENTAR Nº 194/2022

Princípio da seletividade do ICMS e a Lei Complementar nº 194/2022

Por Deonísio Koch

Foi sancionado pelo presidente da República a Lei Complementar nº 194/2022, que alterou o Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66, bem como as leis complementares de nºs  87/96 [1], e 192/22 [2], atribuindo a condição de essencialidade para o consumo humano dos combustíveis, gás natural, energia elétrica, prestação de serviços de comunicação e de transporte coletivo, para efeito de aplicação do princípio constitucional da seletividade do imposto, segundo o critério estabelecido pelo constituinte originário na abordagem desse princípio. Foram vetados dispositivos relacionados à proposta de indenizações da União aos estados e Distrito Federal para compensação da perda de arrecadação por conta dessa lei complementar.

A seletividade é um preceito programático inserto na Constituição [3] que visa uma melhor distribuição da carga tributária segundo o critério da essencialidade do produto ou serviço ao consumo humano, amenizando o ônus tributário sobre os produtos e serviços essenciais e onerando mais aqueles de consumo supérfluo, que atendem as demandas de luxo ou de ostentação, ou até mesmo os que revelam externalidades negativas, em razão do potencial dano que poderão causar à saúde. Nas palavras de Aliomar Baleeiro, a essencialidade “refere-se à adequação do produto à vida do maior número dos habitantes do país” [4].

Evidentemente, essa essencialidade está conectada à popularização do consumo do produto ou serviço, recomendando uma maior tributação aos produtos normalmente consumidos por aqueles que detêm um maior poder aquisitivo, para compensar a incidência menor sobre os produtos essenciais à vida humana.

Essa intervenção legislativa foi impulsionada pela decisão do STF, no Recurso Extraordinário nº 714.139/SC, em rito de repercussão geral, publicada em 15 de março de 2022, Tema 745, que foi assim ementada:

“Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”.

Alerta-se que a decisão foi modulada para produzir efeitos somente a partir de 2024, ressalvando-se as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito, que ocorreu em 05/02/2021.

Ainda que a decisão retrocitada se limite às operações de energia elétrica e às prestações de serviços de telecomunicação, o legislador complementar avançou nesse ponto, atribuindo a condição de essencialidade também para combustíveis, gás natural e serviços de transporte coletivo, prevendo demandas judiciais futuras sobre essas operações e prestações com os mesmos fundamentos que motivaram a decisão mencionada. Outro avanço da lei é no aspecto temporal com relação à decisão. Enquanto o Judiciário modulou a decisão para 2024, o que permitiria os entes tributantes a se adequarem a essa nova realidade marcada pela perda de importante parcela da arrecadação do ICMS, a lei mencionada entrou em vigor na data de sua publicação (26/03/2022), forçando os estados e o Distrito Federal a adotarem as alíquotas gerais para os produtos e serviços enumerados pela lei.

Cumpre lembrar que alguns estados ajuizaram a ADI 7195 contra a LC 194/22, alegando, intervencionismo indevida da União na competência dos estrados e Distrito Federal, concessão indevida de desoneração tributária heterônoma, violando o disposto no artigo 151, III, da CF, entre outras razões.

Não nos parece que os argumentos acima tenham densidade jurídica suficiente para invalidar a referida lei complementar. Na verdade, essa lei complementar opera no plano das normas gerais, nos termos do artigo 146, III, da Constituição Federal, considerando que a lista de matérias fixada nesse inciso não é taxativa, podendo incluir novos conteúdos, como é o caso do reconhecimento da essencialidade para determinados produtos e serviços, vinculando os estados e o Distrito Federal, nos termos do artigo 24, § 4º, da CF/88.

Pela mesma razão acima exposta, o conteúdo normativo da lei complementar também não se aproxima de qualquer forma de desoneração heterônoma, vidada pelo artigo 151, III, da CF/88.

Todavia, o que se percebe é que a resistência dos entes tributantes contra essa nova orientação normativa tem-se atenuado com o passar do tempo e cada vez mais estados estão reduzindo as suas alíquotas sobre os produtos e serviços mencionados na referida lei complementar, com repercussão nos seus preços ao consumidor final.

Mas o que se pretende enfocar nesse artigo não é questão ligada à constitucionalidade da LC 194/22, mas as razões históricas que resultaram em toda essa discussão acerca da seletividade, com o acionamento do Poder Judiciário para o julgamento de um leading case, bem como dar motivação parlamentar para uma definição da essencialidade relacionada aos produtos e serviços especificados.

A questão toda é que alguns estados se valeram da seletividade para simplesmente incrementar a arrecadação do ICMS, sem observar os critérios definidores desse princípio. Isso ocorreu com a fixação de alíquota majorada para as operações com energia elétrica, combustíveis e prestação de serviços de comunicação, para citar somente algumas operações e prestações de serviços, sob o argumento de se tratar de produtos e serviços não essenciais ou indispensáveis ao consumo humano. Esses produtos e serviços, além de fácil arrecadação, representam uma elevada base tributária; qualquer majoração nas suas alíquotas representa um importante incremento da arrecadação.

É claro que a análise da condição de essencialidade deve levar em consideração o uso ou o destino dos produtos ou serviços, podendo ainda ser regrada com uma dose de subjetivismo em algumas situações específicas. Assim, por exemplo, uma prestação de serviços de comunicação pode não ser essencial numa relação comunicativa entre pessoas em conversa de amenidades, mas a essencialidade é inquestionável nas atividades empresariais, no setor de venda, por exemplo. Já com relação à energia elétrica é difícil reconhecer a sua condição supérflua em qualquer forma de uso, seja no consumo doméstico ou comercial. Energia elétrica é produto essencial em todas as atividades humanas, o que jamais teria justificado a aplicação de alíquota majorada sustentado no princípio da seletividade. Nem mesmo a tarifa social, adotada em alguns estados para o consumo doméstico reduzido, autorizaria essa majoração de alíquota para o consumo transcendente deste marcador de tarifa social e, principalmente, para a energia usada nas atividades industriais e comerciais.

Os combustíveis, de maneira em geral, são produtos de interesse estratégico nacional e o seu uso não tem nenhuma aproximação com a condição de supérflua. Se uma certa quantidade de combustível é consumida em atividade não essencial — combustíveis usados em automóveis particulares em passeios, por exemplo — isso não permite generalizar esse produto como não essencial para justificar uma alíquota majorada.

Guarda-se a expectativa de que o posicionamento do STF na mencionada decisão, bem como a lei complementar nº 194/22, que atribui objetivamente a condição de essencialidade para produtos e serviços que menciona, a seletividade do imposto passe a ser observada não só para  os produtos mencionados na decisão e na lei, mas também para outros  produtos e serviços, segundo o critério constitucionalmente estabelecido, para que esse preceito constitucional possa atender aos objetivos sociais, e não se transformar numa  falaciosa licença para o aumento da carga tributária.

[1] A LC 87/96 estabelece as regras estruturais do ICMS para todo o território nacional, cabendo aos Estados e o Distrito Federal instituir o imposto seguindo esse regramento básico.

[2] Coube à LC 122/22 definir os combustíveis sobre os quais deve incidir uma única vez o ICMS, nos termos do artigo 155, §2º, XII, “h”, da CF/88.

[3] O ICMS poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, segundo o artigo 155, §2º, III, da Constituição Federal.

[4] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10 ed., Rio de Janeiro: Forense. 1987, p. 206.

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