ARTIGO DA SEMANA – Autorregularização de débitos junto à Receita Federal

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Como parte do esforço para cumprir a meta de déficit zero, acaba de ser publicada a Lei nº 14.640/2023, instituindo um programa de autorregularização incentivada de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Este novo programa de autorregularização é bem-vindo, sobretudo diante das amplas possibilidades de transação tributária para os débitos já inscritos na dívida ativa da União.

A autorregularização da Lei nº 14.740/2023 alcança os débitos ainda não constituídos, mesmo que o contribuinte já esteja sob ação fiscal, bem como aqueles objeto de auto de infração lavrados entre 30/11/2023 e o prazo final para adesão ao programa (art. 2º, §1º).

A adesão ao programa, por sua vez, deverá ocorrer no prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da futura regulamentação da Lei nº 14.740/2023 (art. 2º).

O art. 2º, da Lei nº 14.740/2023, prevê os benefícios para quem aderir à autorregularização: pagamento ou parcelamento do valor integral dos tributos confessados, acrescidos dos juros de mora (Taxa SELIC), com afastamento da incidência das multas de mora e de ofício.

Como se vê, a Lei nº 14.740/2023 está conferindo o tratamento de denúncia espontânea a débitos que venham a ser pagos ou parcelados no âmbito da autorregularização, incluindo aqueles que, de acordo com o art. 138, do CTN, não são mais espontâneos.

A Lei nº 14.740/2023 também prevê a possibilidade de liquidação do débito inclusive com o afastamento dos juros de mora. Para tanto, o contribuinte deverá pagar, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) do débito à vista e quitar o saldo em até 48 (quarenta e oito) prestações mensais e sucessivas (art. 3º).

Melhor ainda: optando por esta modalidade de liquidação do débito, no pagamento dos 50% do sinal, admite-se a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de titularidade do sujeito passivo, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, apurados e declarados à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, independentemente do ramo de atividade, bem como o uso de precatórios próprios ou adquiridos de terceiros, na forma do § 11 do art. 100 da Constituição Federal. (art. 3º, §§2º e 7º).

Vale destacar que a Lei nº 14.740/2023 não faz qualquer restrição quanto aos tributos que poderão ser objeto da autorregularização. Consequentemente, tributos retidos e não recolhidos, bem como aqueles acrescidos de multa qualificada, que geralmente não são admitidos em condições especiais de pagamento, poderão ser pagos/parcelados com as benesses da nova lei.

Lamentavelmente, os contribuintes que optaram pelo SIMPLES NACIONAL não foram contemplados na autorregularização.

Se a intenção é proporcionar a autorregularização e ajudar o caixa da União, melhor seria estender o programa a um espectro maior de devedores.

Mas, indiscutivelmente, a Lei nº 14.740/2023 resolverá o problema de muitos contribuintes e também proporcionará incremento na arrecadação para que seja alcançada meta do déficit zero…

ARTIGO DA SEMANA – CENÁRIO SOMBRIO PARA 2024

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O ano ainda não acabou, mas já é possível ver um futuro cinzento para 2024.

Propositadamente, os debates sobre a Reforma Tributária ficaram limitados à tributação do consumo com a criação dos IVAs nacionais (IBS e CBS), à criação do imposto do pecado (Imposto Seletivo Federal) e aos tímidos ajustes na tributação do patrimônio (IPVA sobre aeronaves/embarcações e ITD progressivo).

Paralelamente à PEC 45/2019, discute-se qual deve ser a alíquota média do IBS, visto que estados, DF e municípios não cogitam uma queda na arrecadação.

A incidência do IPVA sobre aeronaves/embarcações e a constitucionalização do ITD progressivo são propostas de nítido viés arrecadatório travestidas de medidas de justiça tributária.

Como se vê, a Reforma Tributária tem objetivo arrecadatório, deixando a simplificando do sistema, a desoneração das exportações e investimentos para segundo plano.

A tributação da renda está sendo tratada por normas infraconstitucionais e todas com o exclusivo propósito de se alcançar o déficit zero defendido pelo Ministro da Fazenda.

Daí foram apresentados projetos de lei com vistas à tributação de fundos de investimento, à restrição das deduções das subvenções decorrentes de incentivos fiscais estaduais, etc…

A missão déficit zero também teve como vítima o voto de qualidade nos julgamentos do CARF em favor dos contribuintes.  

Diversos estados e o DF já apresentaram projetos de lei propondo o aumento nas alíquotas do ICMS[1]. Outros já tiveram os PLs aprovados pelas Assembleias Legislativas[2]

Enfim, o cenário atual deixa cada vez mais claro que a preocupação da União, Estados, DF e municípios é exclusivamente arrecadatória e que teremos um 2024 com mais tributos a pagar…


[1] RN e RS, por exemplo.

[2] BA, CE, DF, MG, PB, PE, RO e TO.

ARTIGO DA SEMANA – AINDA A IMUNIDADE RECÍPROCA NO IPTU…

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

De acordo com artigo 150, VI, “a”, da Constituição, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Vale dizer, a Constituição veda o exercício da competência tributária reciprocamente entre as pessoas políticas – no que diz respeito a impostos sobre patrimônio, renda ou serviços. A União não pode instituir imposto com vistas a tributar a renda dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Tampouco poderá haver lei estadual ou municipal que determine o pagamento de imposto sobre patrimônio da União, e assim sucessivamente.

O fundamento da imunidade recíproca é matéria controvertida. RICARDO LOBO TORRES, por exemplo, sustenta que o fundamento da imunidade recíproca “é a liberdade, sendo-lhe estranhas as considerações de justiça e utilidade. Os entes públicos não são imunes por insuficiência de capacidade contributiva ou pela inutilidade das incidências mútuas, senão que gozam da proteção constitucional em homenagem aos direitos fundamentais dos cidadãos, que seriam feridos com o enfraquecimento do federalismo e da separação vertical dos poderes do estado.”

ROQUE ANTONIO CARRAZZA reconhece que o fundamento desta imunidade está no federalismo, mas também acredita que o princípio da isonomia dá fundamentação à imunidade recíproca, já que “entre as pessoas políticas reina a mais absoluta igualdade jurídica. Umas não se sobrepõem às outras. Não, pelo menos, em termos jurídicos”.

Toda a doutrina não deixa de registrar o leading case colhido do direito norte-americano que inspirou a introdução da imunidade recíproca nas constituições brasileiras. Segundo os registros doutrinários, a imunidade recíproca tem sua origem no caso McCulloch vs. Maryland em que este estado pretendeu tributar o banco oficial (Bank of U.S.) gerenciado por McCulloch. Naquela oportunidade, a Suprema Corte presidida pelo juiz John Marshall decidiu que o poder de tributar envolve o poder de destruir (the power to tax envolves the power to destroy) e que não se deseja, tampouco admite a Constituição dos Estados Unidos, que a União destrua os Estados, que estes se destruam mutuamente ou à União.

Diante deste precedente e com vistas a dissipar dúvidas quanto à impossibilidade de tributação recíproca, RUI BARBOSA introduziu em nossa primeira constituição republicana aquilo que veio a ser o embrião da imunidade recíproca, acolhida em todas as demais constituições brasileiras.

A imunidade recíproca, conforme expressa previsão do artigo 150, § 2°, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, obviamente naquilo que se refere ao patrimônio, à renda, e aos serviços vinculados às suas atividades essenciais. Mas não se refere a estas mesmas entidades quando exerçam atividade econômica ou em que haja pagamento de preço ou tarifa (artigo 150, § 3°). Ainda de acordo com o art. 150, § 3°, a imunidade recíproca não aproveita o promitente comprador de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

Algumas observações precisam ser feitas acerca dos §§ 2° e 3° do artigo 150.

A primeira é que esta imunidade é extensiva ao imóvel de propriedade da pessoa política ainda que esteja ocupado por empresa delegatária de serviço público, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal em caso envolvendo a Companhia Docas (RE n° 253.394): “Impossibilidade de tributação pela Municipalidade, independentemente de encontrarem-se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuários, em face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. Dispositivo, todavia, restrito aos impostos, não se estendendo às taxas. Recurso parcialmente provido”.

Por outro lado, o Tema 385 do STF firmou a seguinte tese: “A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município”.

Tema 437 vai no mesmo sentido: “Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo”.

Esta imunidade não se estende às empresas públicas e às sociedades de economia mista porque tais pessoas jurídicas são regidas pelas regras próprias das empresas privadas, inclusive no que diz respeito às obrigações tributárias, como está expresso no artigo 173, II, da Constituição. 

No entanto, é preciso destacar que o STF vem entendendo que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF, haja vista tratar-se de prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado (RE 407099).

Na mesma linha, o STF fixou a compreensão do Tema 412 afirmando que “ A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO, empresa pública prestadora de serviço público, faz jus à imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal”.

Mas esta discussão está longe de ser tranquila.

Ainda se discute se a imunidade recíproca é extensiva às empresas privadas, concessionárias de serviços públicos, que o exploram com intuito lucrativo.

A conferir o que será decidido no julgamento do RE 1.411.101…

ARTIGO DA SEMANA – Transferência do ICMS em operações interestaduais entre estabelecimentos de um mesmo titular

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Publicado no Diário Oficial do último dia 01/11, o Convênio ICMS 174/2023 disciplina a transferência do ICMS decorrente de operações interestaduais entre estabelecimentos de um mesmo titular[1].

O novo Convênio é consequência do julgamento da ADC 49, cuja incabível modulação dos efeitos já discutimos aqui.

As normas estabelecidas no Convênio ICMS 174/2023 coincidem com aquilo que se poderia imaginar sobre a disciplina da matéria e não discrepam daquilo que vários Estados já estabelecem.

Em resumo, o Convênio estabelece que o valor do ICMS a ser transferido corresponderá  ao resultado da aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, definidas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição.

Também há previsão de obrigatoriedade do débito na escrituração do estabelecimento remetente, mediante o registro do documento no Registro de Saídas e, obviamente, de crédito na escrituração do estabelecimento destinatário, mediante o registro do documento no Registro de Entradas.

Obviamente, o estabelecimento remetente deverá emitir documento fiscal com o destaque do ICMS em cada operação.

A exemplo do que ocorre em vários Estados, o novo Convênio dispõe que a alíquota deverá incidir sobre: (I) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; (II) o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento ou (III) tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento.

Evidentemente, a disciplina de como deve ser transferido o ICMS decorrente de operações interestaduais entre estabelecimentos de um mesmo titular envolve, como visto, normatização de várias obrigações tributárias acessórias.

Consequentemente, trata-se de matéria que foge à competência do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

Na verdade, a previsão de tais obrigações caberia a ato infralegal de cada um dos Estados e do DF, jamais sendo necessária a edição de um Convênio ICMS.

Mais uma vez aparece o CONFAZ disciplinando o que não deveria…


[1] CONVÊNIO ICMS Nº 174, DE 31 DE OUTUBRO DE 2023

Publicado no DOU de 01.11.2023

Dispõe sobre a remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.

O Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, na sua 382ª Reunião Extraordinária, realizada em Brasília, DF, nos dias 27 e 31 de outubro de 2023, tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, nos arts. 102 e 199 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), no inciso II do § 6º do art. 20 e no § 3º do art. 21, ambos da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, e, ainda, em atenção ao determinado pelo Supremo Tribunal Federal – STF – por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49, resolve celebrar o seguinte

CONVÊNIO

Cláusula primeira Na remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, é obrigatória a transferência de crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino, hipótese em que devem ser observados os procedimentos de que trata esse convênio.

Cláusula segunda A apropriação do crédito pelo estabelecimento destinatário se dará por meio de transferência, pelo estabelecimento remetente, do ICMS incidente nas operações e prestações anteriores, na forma prevista neste convênio.

§ 1ºO ICMS a ser transferido será lançado:

I – a débito na escrituração do estabelecimento remetente, mediante o registro do documento no Registro de Saídas;

II – a crédito na escrituração do estabelecimento destinatário, mediante o registro do documento no Registro de Entradas.

§ 2º A apropriação do crédito atenderá as mesmas regras previstas na legislação tributária da unidade federada de destino aplicáveis à apropriação do ICMS incidente sobre operações ou prestações recebidas de estabelecimento pertencente a titular diverso do destinatário.

§ 3º Na hipótese de haver saldo credor remanescente de ICMS no estabelecimento remetente, este será apropriado pelo contribuinte junto à unidade federada de origem, observado o disposto na sua legislação interna.

Cláusula terceira A transferência do ICMS entre estabelecimentos de mesma titularidade, pela sistemática prevista neste convênio, será procedida a cada remessa, mediante consignação do respectivo valor na Nota Fiscal eletrônica – NF-e – que a acobertar, no campo destinado ao destaque do imposto.

Cláusula quarta O ICMS a ser transferido corresponderá ao resultado da aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, definidas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sobre os seguintes valores dos bens e mercadorias:

I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;

II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;

III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento.

§ 1º No cálculo do ICMS a ser transferido, os percentuais de que trata o “caput” devem integrar o valor dos bens e mercadorias.

§ 2º Os valores a que se referem os incisos do “caput” serão reduzidos na mesma proporção prevista na legislação tributária da unidade federada em que situado o remetente nas operações interestaduais com os mesmos bens ou mercadorias quando destinados a estabelecimento pertencente a titular diverso, inclusive nas hipóteses de isenção ou imunidade.

Cláusula quinta A emissão da NF-e a que se refere a cláusula terceira observará as regras atinentes à emissão do documento fiscal relativo a operações interestaduais, sem prejuízo da aplicação de regras específicas previstas na legislação de referência.

Cláusula sexta A utilização da sistemática prevista neste convênio:

I – implica o registro dos créditos correspondentes ao ICMS a que tenha direito o remetente, decorrentes de operações e prestações antecedentes;

II – não importa no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem, hipótese em que, quando for o caso, deverá ser efetuado o lançamento de um débito, equiparado ao estorno de crédito previsto na legislação tributária instituidora do benefício fiscal.

Cláusula sétima As unidades federadas prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização do disposto neste convênio, condicionando-se a administração tributária da unidade federada de destino ao credenciamento prévio junto à administração tributária de localização do estabelecimento remetente.

Parágrafo único. O credenciamento prévio de que trata esta cláusula não será exigido quando a fiscalização for exercida sem a presença física da autoridade fiscal no local do estabelecimento a ser fiscalizado.

Cláusula oitava Este convênio entra em vigor na data da publicação de sua ratificação nacional no Diário Oficial da União, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024.

Presidente do CONFAZ – Fabio Franco Barbosa Fernandes, em exercício, Acre – José Amarísio Freitas de Souza, Alagoas – Marcelo da Rocha Sampaio, Amapá – Robledo Gregório Trindade, Bahia – João Batista Aslan Ribeiro, Ceará – Fabrízio Gomes Santos, Distrito Federal – José Itamar Feitosa, Espírito Santo –Benicio Suzana Costa, Maranhão – Magno Vasconcelos Pereira, Mato Grosso – Fábio Fernandes Pimenta, Mato Grosso do Sul – Miguel Antônio Marcon, Minas Gerais – Luiz Cláudio Fernandes Lourenço Gomes, Pará – René de Oliveira e Sousa Júnior, Paraíba –Bruno de Sousa Frade, Paraná – Roberto Zaninelli Covelo Tizon, Pernambuco –Davi Cozzi do Amaral, Piauí –Maria das Graças Moreira Ramos, Rio de Janeiro –Guilherme Alcantara Buarque de Holanda, Rio Grande do Norte – Luiz Augusto Dutra da Silva, Rio Grande do Sul – Ricardo Neves Pereira, Rondônia – Emerson Boritza, Roraima – Manoel Sueide Freitas, Santa Catarina – Ramon Santos de Medeiros, São Paulo – Luiz Marcio de Souza , Sergipe – Alberto Cruz Schetine, Tocantins – Márcia Mantovani.

ARTIGO DA SEMANA – Reflexos da ADI 5635 nos Fundos de Combate à Pobreza

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

No recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5635 (ADI 5635) o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade do Fundo Estadual de Estabilização Financeira (FEEF) e de seu sucessor, o Fundo Orçamentário Temporário (FOT)[1].

O STF, contudo, fez duas ressalvas: (i)deve-se afastar qualquer interpretação que vincule as receitas do FEEF/FOT a um programa governamental específico e (ii) há de se garantir a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito para o FEEF/FOT, sem prejuízo da vedação ao aproveitamento indevido dos créditos.

Embora o acórdão deste julgamento ainda não esteja disponível, as conclusões da ata de julgamento levam a reflexões importantes sobre o tema.

Uma primeira observação envolve decisões do próprio do STF em relação a outro fundo muito conhecido dos contribuintes, o Fundo Especial de Combate à Pobreza (FECP).

Curiosamente, ao analisar as leis estaduais sobre Fundos de Combate à Pobreza, o STF não cravou a natureza jurídica dos pagamentos realizados pelos contribuintes e destinados a estes Fundos (de combate à pobreza).

Os diversos julgados do STF sobre fundos de combate à pobreza concluíram pela constitucionalidade das normas que os instituíram tão somente porque o tema teria sido “constitucionalizado” pelas Emendas Constitucionais 31/2000 e 42/2003.

Então, não há pronunciamento do STF sobre a natureza jurídica dos pagamentos realizados pelos particulares ao FECP.

Todavia, ao decidir que os recursos do FEEF/FOT não podem ter uma destinação específica, o STF definiu a natureza jurídica dos “depósitos” pagos pelos contribuintes a este fundos: tratam-se, na verdade, de impostos, no mínimo de um adicional do ICMS.

Esta conclusão é óbvia porque, caso se tratasse de outra espécie tributária, o STF não teria feito a ressalva da interpretação conforme à Constituição para afastar a destinação específica do produto da arrecadação dos depósitos para o “FEEF/FOT”.

Exatamente por entender que os “depósitos” ao FEEF/FOT são impostos, é que o STF concluiu pela observância do art. 167, IV, da Constituição, que veda a destinação específica do produto da arrecadação dos impostos.

A obviedade da natureza jurídica de imposto conferida aos “depósitos” para o FEEF/FOT também está na necessidade de observância da não cumulatividade quanto a este tributo.

A propósito, a observância do princípio da não cumulatividade ao FEEF/FOT pode gerar situação curiosa que deve ser resolvida pela via de embargos de declaração.

Vejamos.

Os “depósitos” ao FEEF/FOT são pagos à alíquota de 10% sobre a diferença do valor do ICMS calculado sem e com a utilização de benefícios ou incentivos fiscais concedidos.

No entanto, não é raro verificar que há incentivos fiscais que são concedidos mediante a aplicação de uma alíquota reduzida sobre a receita da saída de mercadorias, porém sem qualquer direito a crédito.

Portanto, ao aderir ao incentivo fiscal, o contribuinte renuncia ao direito de creditar-se do ICMS decorrente dos insumos aplicáveis à sua atividade.

Daí cabe a pergunta: como manter-se no incentivo fiscal que não admite qualquer direito a crédito, pagar o “depósito” ao FEFF/FOT e ao mesmo tempo observar a não cumulatividade?

Voltando à questão do FECP, a decisão do STF sobre o FEEF/FOT serve de precedente para que também se conclua pela natureza jurídica de imposto dos pagamentos destinados ao fundos de combate de pobreza, sobretudo porque as normas instituidoras do FECP deixam claro que o pagamento realizado pelos contribuintes são adicionais do ICMS.

Consequentemente, os pagamentos ao FECP não podem subsistir porque não resistem ao confronto com o art. 167, IV, da Constituição.

As leis instituidoras de fundos de combate à pobreza definem a destinação específica do produto da arrecadação e as Emendas Constitucionais 31/2000 e 42/2003 não fazem qualquer alteração ao princípio da não afetação da receita de impostos.

Logo, adicionais de ICMS, caso dos pagamentos destinados a FECP, FEEF ou FOT, não podem ter destinação específica para o produto de suas arrecadações.


[1] Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na presente ação direta de inconstitucionalidade, para conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 2º da Lei nº 7.428/2016 e ao art. 2º da Lei nº 8.645/2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, de modo a (i) afastar qualquer exegese que vincule as receitas vertidas ao FEEF/FOT a um programa governamental específico; e (ii) garantir a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito instituído, sem prejuízo da vedação ao aproveitamento indevido dos créditos; salientou que se aplicam aos depósitos em questão as regras próprias do ICMS; e, ao final, fixou a seguinte tese de julgamento: “São constitucionais as Leis nºs 7.428/2016 e 8.645/2019, ambas do Estado do Rio de Janeiro, que instituíram o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF e, posteriormente, o Fundo Orçamentário Temporário – FOT, fundos atípicos cujas receitas não estão vinculadas a um programa governamental específico e detalhado”. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros André Mendonça, Cristiano Zanin e Edson Fachin. Plenário, Sessão Virtual de 6.10.2023 a 17.10.2023.

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