ARTIGO DA SEMANA – ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA (GERAL E NONAGESIMAL) E SUAS EXCEÇÕES

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito-Rio. Professor convidado do IAG PUC-Rio.

Com a proximidade do encerramento de mais um exercício financeiro, é conveniente recordar o princípio constitucional da anterioridade tributária.

Entre as limitações ao poder de tributar estabelecidas na Constituição, figura de forma reluzente o famoso princípio da anterioridade da lei tributária (art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição).

Antes de recordar do que se trata, vale a pena lembrar que o princípio da anterioridade da lei tributária está ligado à ideia de segurança jurídica na tributação ou, como afirmam os juristas, tem fundamentação no valor segurança (jurídica).

Se todos devemos contribuir para o financiamento do Estado através do pagamento de tributos, que este financiamento se realize de forma segura, vale dizer, dando ao contribuinte a  garantia de que será possível organizar a vida de modo a saber o quanto se deverá contribuir para o financiamento do Estado.

A anterioridade dá a necessária segurança aos contribuintes quanto aos tributos que lhe serão exigidos ou majorados. Desta forma, como regra, a lei tributária que institua ou majore um tributo não terá eficácia imediata, mas diferida para um momento posterior ao da sua publicação.

Todos os contribuintes, portanto, têm a segurança de que um tributo não será instituído ou majorado no dia seguinte ao da publicação da lei.

De acordo com artigo 150, III, “b” e “c”, da Constituição, lei que instituir ou majorar tributo só produzirá efeitos a partir do próximo exercício e, de acordo com a Emenda Constitucional n° 42/2003, também observado um período mínimo de noventa dias, sem prejuízo da “virada do exercício”.

Portanto, não basta que a lei instituidora ou majoradora do tributo seja publicada no exercício anterior. É preciso também que esta publicação ocorra no mínimo 90 (noventa) dias antes do encerramento do exercício.

A necessidade adicional dos 90 dias, acrescentado pela EC 42/2003, tem uma boa justificativa.

Olhando para o passado, observa-se que nem sempre a observância da “virada do exercício” era suficiente para conferir a necessária segurança aos contribuintes, evitando a surpresa no aumento ou na instituição de tributos. 

Já houve caso de tributo aumentado através de medida provisória publicada em 31 de dezembro e, portanto, apta a produzir efeitos já a partir do dia seguinte, conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal[1].

O Supremo Tribunal Federal passou designar a necessidade de observância da virada do exercício de anterioridade geral e a observância dos 90 dias de anterioridade nonagesimal.

O princípio da anterioridade (geral + nonagesimal) possui uma série de exceções.

Na Emenda Constitucional n° 32/2001 há regra específica no que diz respeito ao princípio da anterioridade aplicável às medidas provisórias. De acordo com a Constituição e com a interpretação dada pelo STF, os tributos podem ser instituídos ou aumentados por medidas provisórias – exceto os casos em que o tributo precisa ser instituído por lei complementar (artigo 154, I e 195, § 4°).

Mas a mesma Emenda Constitucional n° 32/2001 afirma que a medida provisória que implique instituição ou majoração de imposto somente produzirá efeitos no exercício seguinte se convertida em lei no ano anterior. As exceções a esta regra ficam por conta do Imposto de Importação, Imposto de Exportação, IPI, IOF e o Imposto Extraordinário de Guerra (art. 153, I, II, IV, V e art. 154, II, respectivamente).

Além disso, há determinados tributos que simplesmente não se sujeitam a nenhuma regra de anterioridade (geral nem nonagesimal). Ou seja, há tributos  cujas leis que venham a instituí-los ou majorá-los terão eficácia imediata. Pertencem a esse grupo: (a) o empréstimo compulsório do artigo 148, I; (b) o imposto de importação – artigo 153, I; (c) o imposto de exportação – artigo 153, II; (d) o IOF – artigo 153, V e (e)  o imposto extraordinário de guerra – artigo 154, II. 

Há tributos que não se sujeitam à anterioridade nonagesimal, mas devem observar a anterioridade geral: (a) o Imposto de Renda  – artigo 153, III e (b) o IPVA e o IPTU, ambos no que diz respeito à fixação das respectivas bases de cálculo.

Também há o oposto, ou seja, tributos que somente deve observar a anterioridade nonagesimal (noventena), mas não se sujeitam à anterioridade geral. Nesta categoria estão: (a) o IPI, (b) as contribuições de seguridade social  do artigo 195 da Constituição, (c) o ICMS-Combustíveis de que tratam o artigo 155, § 2°, XII, “h” e a Lei Complementar nº 912/2022 e (d) a contribuição de intervenção no domínio econômico sobre importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, segundo o disposto no artigo 177, § 4°, I, “b”.

Especificamente em relação às contribuições de seguridade social (PIS, COFINS, Contribuição previdenciária), é preciso destacar que o artigo 195, § 6°, é mais amplo que o artigo 150, III, “c”, na medida em que determina que a anterioridade nonagesimal há de ser observada para os caso de instituição ou modificação destes tributos. É bem verdade que o Supremo Tribunal Federal já entendeu que a prorrogação do prazo de vigência de contribuição de seguridade social não é modificação e, portanto, não se sujeita à anterioridade nonagesimal[2]

Ainda no que se refere à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, uma súmula merece destaque. Trata-se da Súmula nº 669, afastando a necessidade de observância do princípio da anterioridade para os casos de alteração do prazo de recolhimento de tributos, já que para o STF esta modificação não importa em majoração. Confira-se: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.”

Por falar nisso, o que se deve entender por aumento de tributo para efeito da observância da anterioridade?


[1] Recurso Extraordinário 250.521/SP: Imposto de Renda e Contribuição Social. Medida Provisória nº 812, de 31.12.94, convertida na Lei nº 8.981/85. Artigos 42 e 58. Princípios da anterioridade e da irretroatividade.  Medida provisória que foi publicada em 31.12.94, apesar de esse dia ser um sábado e o Diário Oficial ter sido posto à venda à noite. Não-ocorrência, portanto, de ofensa, quanto à alteração relativa ao imposto de renda, aos princípios da anterioridade e da irretroatividade. 

[2]Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.666: “Ocorrência de mera prorrogação da Lei nº 9.311/96, modificada pela Lei nº 9.539/97, não tendo aplicação ao caso o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal. O princípio da anterioridade nonagesimal aplica-se somente aos casos de instituição ou modificação da contribuição social, e não ao caso de simples prorrogação da lei que a houver instituído ou modificado.”

ARTIGO DA SEMANA – Quem precisa de Código de Defesa do Contribuinte?

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito-Rio. Professor convidado do IAG PUC-Rio.

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar nº 07/2022 (PLP 07/2022), originário da Câmara dos Deputados, que prevê um Código de Defesa do Contribuinte.

Esta não é a primeira proposta apresentada ao Legislativo com vistas à aprovação de um Estatuto do Contribuinte.

O PLP 07/2022 é absolutamente dispensável, na medida em que há diversos dispositivos constitucionais, legais e infralegais que conferem garantias ao contribuinte.

O art. 5º da Constituição, por exemplo, é claro ao dizer que todos são iguais perante a lei. Por este motivo, descabe criar um Código para conferir garantias a uma das partes na relação jurídica tributária, tendo em vista que todos devem merecer o mesmo tratamento da lei. Muito mais importante é fixar jurisprudência definindo, de uma vez por todas, que interesse público é diferente de interesse da Fazenda Pública e assim estará afastada qualquer conclusão acerca de uma pretensa supremacia do Erário nas lides tributárias.

No rol das garantias do contribuinte, não podemos esquecer do art. 5º, XXXIV, da Constituição, que assegura o direito de petição aos órgãos públicos – aí incluindo-se as repartições fiscais – para a defesa de direitos e esclarecimentos, tudo isto independentemente do pagamento de taxas. No entanto, foi preciso expressa manifestação do Supremo Tribunal Federal declarando a inconstitucionalidade de normas estaduais que previam o pagamento de taxas na apresentação de impugnações administrativas (ADI 6145)[1].

Nunca é demais lembrar que, segundo o art. 5º, LV, da Constituição, é assegurado aos litigantes – contribuintes ou não, obviamente – a ampla defesa e o contraditório nos processos administrativos e judiciais. Exatamente por isso, o STF afastou as normas prevendo os chamados depósitos recursais, que inviabilizavam a interposição de recursos administrativos[2].

O Código Tributário Nacional também prevê garantias ao contribuinte.

O art. 196, do CTN, confere a garantia de que as ações fiscais serão precedidas de Termos lavrados por escrito e exibidos ao contribuinte, afastando procedimentos de investigação espúrios.

O art. 198 garante ao contribuinte a certeza de que seus dados/informações não serão vazados pelo fisco, sob pena de sanções administrativas e criminais.

Ainda sob o fundamento de afastar procedimentos fiscais espúrios, desde o ano 2000 a legislação tributária federal introduziu o Mandado de Procedimento de Fiscal como uma garantia adicional ao contribuinte quanto à legitimidade das ações fiscais.

Como se vê, a Defesa do Contribuinte não precisa de um Código. Basta que seja conferida efetividade às normas já existentes, via interpretação e aplicação da legislação tributária. 


[1] Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta e, no mérito, julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade (i) dos subitens 1.9.1, 1.9.2, 1.9.3 e 1.9.4 do Anexo IV da Lei 15.838/2015, do Estado do Ceará, bem assim os subitens 1.9.1, 1.9.2, 1.9.3 e 1.9.4 do Anexo V do Decreto 31.859/2015, também do Estado do Ceará, (ii) da expressão “não é condição de admissibilidade da impugnação em primeira instância administrativa e do recurso voluntário ao Conselho de Contribuintes, bem como” constante do art. 33 da Lei 15.838/2015, do Estado do Ceará, (iii) da expressão “por ocasião da apresentação de impugnação, recurso ordinário ou recurso extraordinário ou, ainda,” constante do § 2º do art. 38 do Decreto 31.859/2015, do Estado do Ceará e (iv) da expressão “não é condição de admissibilidade da impugnação em primeira instância administrativa e do recurso voluntário ao Conselho de Contribuintes, bem como” constante do art. 44 do Decreto 31.859/2015 …”

[2] Súmula Vinculante 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

ARTIGO DA SEMANA- Exceções à legalidade tributária

João Luís de Souza Pereira

Advogado. Mestre em Direito.

Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito Rio

Professor convidado do IAG/PUC-Rio

A Constituição Brasileira é extremamente detalhista no tratamento da matéria tributária.

Nossa Constituição define quem pode instituir tributos, que espécies de tributo podem existir, como se devem instituir tributos e, em algum casos, dispõe até sobre normas gerais sobreo tributo. No art. 155 da Constituição, por exemplo, há quase um verdadeiro tratado sobre o ICMS.

Esta riqueza de detalhes na disciplina da matéria tributária, a exemplo da jabuticaba e do pentacampeonato mundial de futebol, são produtos tipicamente nacionais.

Na parte reservada ao como se devem instituir tributos, surge o famoso princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, I, da Constituição.

O princípio da legalidade estabelece que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que lei o estabeleça. 

Isto quer dizer que a instituição e o aumento de tributos estão sujeitos à reserva legal. Somente através de lei que tenha tramitado pelo Poder Legislativo é que se pode instituir ou aumentar tributos. Os atos normativos do Poder Executivo (decretos, portarias, instruções normativas…) não se prestam para aumentar ou instituir tributos. 

O princípio da legalidade está ligado à idéia de consentimento. Desde o reinado de João Sem Terra, na Inglaterra, os financiadores do Estado impuseram limites ao pagamento de tributos, subordinando as exações à prévia deliberação dos “contribuintes”. 

Se os tributos são devidos por toda a sociedade para o financiamento do Estado – que nada mais faz do que utilizar estes recursos em benefício de todos – nada mais justo do que deixar que a própria sociedade delibere sobre o quanto será necessário para o financiamento do Estado. 

Como nas democracias o poder do povo é exercido através de seus representantes regularmente eleitos, cabe ao Poder Legislativo a tarefa de elaborar as leis tributárias. Por isso é que se diz que there is no taxation without representation.

Daí a importância na eleição de legisladores (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores).

O princípio da legalidade possui exceções previstas no próprio Texto Constitucional. 

O artigo 153, § 1º, da Constituição dispõe que “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”

Ou seja, a Constituição admite que as alíquotas – tão somente as alíquotas – do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do IPI e do IOF sejam alteradas por norma infralegal, dentro dos limites e condições previstos em lei. Isto quer dizer que em relação a estes impostos o princípio da legalidade fica flexibilizado, admitindo-se a instituição e a majoração das alíquotas por ato do Poder Executivo.

Também constitui uma exceção ao princípio da legalidade a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool. Isto porque o artigo 177, § 4º, I, “b”, da Constituição – na redação dada pela Emenda Constitucional nº 33/2001 – dispõe que alíquota deste tributo “poderá ser reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo…”

No Direito Brasileiro, além da Constituição consagrar o princípio da legalidade, o artigo 97, do Código Tributário Nacional explicita as matérias reservadas à lei.

Em decorrência do princípio da legalidade, há autores que sustentam que a exigência de tributos deve estar veiculada por lei que descreva minuciosamente todos os elementos necessários ao pagamento do tributo. É o que se chama de tipicidade fechada.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, não vem acolhendo a tese da tipicidade fechada. 

Em março de 2003, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 343.446/SC, apreciou a constitucionalidade da Contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). De acordo com a lei, as alíquotas do SAT variam em razão do grau de risco da atividade preponderante do contribuinte. No entanto, a definição de atividade preponderante e grau de risco leve, médio ou grave, coube a um Decreto, portanto ato do Poder Executivo. 

Naquela ocasião, o STF decidiu que “As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.”.

Na verdade outras decisões do STF já afirmavam ser desnecessária a utilização de lei para ajustar bases de cálculo, alíquota e prestações de parcelamento de tributo (IPTU) – desde que nos limites da variação de índice nacional de medição da inflação. Esta, aliás, é a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidada na Súmula nº 160“É defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.”

O STF também já afastou a necessidade de lei para a fixação de prazo de vencimento do ICMS (RE 253.395/SP): “Não se compreendendo no campo reservado à lei a definição de vencimento das obrigações tributárias, legítimo o Decreto nº 33.386/92, que modificou a data de vencimento do ICMS. Improcedência da alegação de infringência ao princípio da vedação de delegação legislativa”.

Decisão importante sobre a mitigação da legalidade tributária ocorreu no julgamento da norma que permitiu ao Poder Executivo manejar alíquotas do PIS/COFINS sobre receitas financeiras. No julgamento do RE 1.043.313 (DJE de 25/03/2021), o STF concluiu que “É constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal”, fixando tese para o Tema 939 da Repercussão Geral.

Ainda sobre o PIS e a COFINS, o STF também reconheceu a constitucionalidade do art. 5º, §§ 8º a 11, da Lei nº 9.718/98, na redação dada pela Lei nº 11.727/2008, admitindo que o Poder Executivo reduza e restabeleça alíquotas dos tributos nas operações com álcool carburante, desde que a lei estabeleça os limites para esta flexibilização (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.277)[1].

Também houve flexibilização da legalidade na norma que, tratando da taxa para emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) pelos CREAs, estabeleceu um piso e um teto para o tributo. Analisando o caso, o STF concluiu que “Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita ao ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos” e fixou tese para o Tema 829.

Como se vê, o princípio da legalidade não foge à regra e também tem exceções…


[1] A observância do princípio da legalidade tributária é verificada de acordo com cada espécie tributária e à luz de cada caso concreto, sendo certo que não existe ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar diálogo com o regulamento no tocante aos aspectos da regra matriz de incidência tributária. Para que a lei autorize o Poder Executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, é imprescindível que o valor máximo dessas exações e as condições a serem observadas sejam prescritos em lei em sentido estrito, bem como exista em tais tributos função extrafiscal a ser desenvolvida pelo regulamento autorizado. (Rel. Min. Dias Toffoli, j. 10-12-2020, P, DJE de 25-3-2021).

A carga tributária brasileira é alta? O IR é elevado para quem?

O início de um novo governo traz uma série de mudanças e, com elas, voltam à pauta assuntos como a reforma tributária e a justiça do sistema brasileiro. Ouve-se de tudo, tanto no que tange a apontar problemas, como especialmente no que respeita a propor soluções.

Não é o propósito deste artigo debater amplamente o assunto, o que demandaria extensão incompatível com esta coluna. Objetiva-se comentar apenas um dos defeitos usualmente imputados ao sistema brasileiro, que é sua elevada carga. E, dos vários tributos que poderiam ser colhidos para aferir sua onerosidade, escolhe-se o Imposto de Renda (IR). É ele, no Brasil, muito elevado?

A pergunta, na verdade, precisa ser replicada com outra, antes de que se possa responder de maneira mais precisa: elevado para quem?

Relativamente às pessoas físicas, existem quatro alíquotas progressivas, de 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. Mas saber se esses percentuais são altos, ou baixos, envolve uma comparação. Algo, ou alguém, pode ser alto, ou baixo, dependendo de com quem, ou o que, se compara. Um homem de 1,78m pode ser alto, para os padrões dos jóqueis brasileiros, mas baixo, para os atletas de elite do basquete americano. Um edifício de 20 andares é alto, se comparado a um de 10, mas baixíssimo, se o contraste se der com um de 120.

Comparemos, então, o sistema tributário brasileiro com o de outro país. Veja-se a Áustria. Lá, a alíquota máxima do imposto de renda das pessoas físicas é de 55%. Pode-se dizer, então, que é mais alta que a brasileira, de 27,5%. Exatamente o dobro.

Não esqueçamos, porém, da segunda pergunta. Alta para quem? A leitora pode estar se perguntando: – 55% não é maior que 27,5% de forma objetiva? Até a matemática se estaria, aqui, a tentar relativizar?

27,5 é menor que 50, por certo, mas tais percentuais incidem sobre bases, as chamadas “bases de cálculo”. Por isso, não é possível aferir se uma carga tributária é alta, ou baixa, comparando apenas alíquotas. Recorramos às bases.

No Brasil, a alíquota máxima, de 27,5%, incide sobre rendimentos superiores a R$ 4.664,68 ao mês, o que corresponde a pouco mais de R$ 55 mil ao ano. Já na Áustria, a alíquota de 55% alcança apenas rendimentos superiores a 1 milhão de euros, algo próximo a R$ 5,5 milhões, por ano.

Mas e os limites de isenção? No Brasil, o limite correspondente ao chamado “mínimo existencial” é de R$ 1.903.98 mensais, valor acima do qual os rendimentos se submetem já à primeira alíquota, de 7,5%. Na Áustria, por sua vez, o limite de isenção é de 11 mil euros anuais (916,66 euros/mês), o que significa dizer que, ao câmbio hoje vigente, mesmo os rendimentos que no Brasil já se submetem à alíquota máxima, naquele outro país seriam ainda isentos.

Voltemos então à pergunta. A carga brasileira é alta para quem? Comparada à austríaca, para contribuintes que ganham rendimentos mais elevados ela é baixa. O beneficiário de rendimentos mensais de R$ 1 milhão, por exemplo, na Áustria pagaria 55%, e, aqui, apenas 27,5%. Mas o beneficiário de rendimentos mensais no valor de R$ 5.000,00, no Brasil, seria onerado em 27,5%, enquanto naquele outro país seria isento.

Escolheu-se a Áustria, mas a comparação com outros países da Europa, geralmente apontados como dotados de uma alta carga quando contrastados com o nosso, levaria a resultados semelhantes. Não se pode comparar alíquota, portanto, sem cotejar também as bases sobre as quais incidem. A resposta para a pergunta (alta ou baixa?) pode mesmo ser oposta.

O mesmo problema se replica, em alguma medida, na generalidade dos Estados-membros, no que tange ao imposto sobre heranças, e no âmbito dos Municípios, relativamente ao IPTU, cuja progressividade, levada a efeito por meio de faixas muito baixas e muito próximas, praticamente equivale a um imposto “flat”, a alcançar de maneira igual, ou muito próxima, ricos e pobres.

Tais aspectos devem ser lembrados, em um cenário em que se discute a reforma da tributação incidente sobre o consumo e se projeta um grande imposto sobre bens e serviços cuja alíquota poderá ser bastante elevada. A regressividade de um imposto com tais características, que acentua a injustiça do sistema, poderia ser minimizada com uma tributação progressiva do patrimônio, da herança e da renda, o que precisa ser lembrado pelos que levam a reforma a efeito.

Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFCE), ex-coordenador do programa de pós-graduação (mestrado/doutorado) da UFCE, professor do Centro Universitário Christus (graduação/mestrado), membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet) e da World Complexity Science Academy (WCSA), advogado e visiting scholar da Wirtschaftsuniversität, em Viena (Áustria).

Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2022, 14h58

ARTIGO DA SEMANA – Reforma Tributária de novo?

João Luís de Souza Pereira

Advogado. Mestre em Direito.

Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito Rio

Professor convidado do IAG/PUC-Rio

Artigo do Fernando Facury Scaff publicado nesta semana, defendendo tese acerca da intenção de tributação dos lucros e dividendos, trouxe o tema da Reforma Tributária novamente à tona. Reforma Tributária também tem sido assunto pautado pela imprensa no acompanhamento dos trabalhos da Equipe de Transição do novo governo federal. A senadora Simone Tebet e o Vice-presidente eleito igualmente abordaram a Reforma em suas entrevistas à jornalista Miriam Leitão neste semana.

Reforma Tributária é tema presente em toda fase de transição de governos. Governo sai, governo entra, e a Reforma Tributária toma conta do noticiário. Não é preciso muito esforço para lembrar que Lula, Dilma e Bolsonaro/Paulo Guedes abordaram o assunto na fase que antecedeu o início dos mandatos.

Já afirmamos aqui que é bastante improvável que o próximo governo aprove uma Reforma Tributária. Aliás, o mesmo clima de urgência na aprovação da Reforma esteve presente nos governos Lula, Dilma e Bolsonaro e nada aconteceu, além de propostas.

Muito cá entre nós, é mais fácil o Brasil devolver o 7 x 1 à Alemanha na  Copa do Qatar do que o governo eleito aprovar uma Reforma Tributária ao longo do próximo mandato.

De todo modo, uma coisa é certa: se a Reforma não for aprovada nos mágicos primeiros 100 dias, nada acontecerá nos 1.200 restantes.

A propósito, as Propostas de Reforma Tributária mais maduras que tramitam no Legislativo não farão as necessárias mudanças no Sistema Tributário Nacional. Ao contrário, as PECs 45/2019 e 110/2019, bem como PL 3887/2020,  mais parecem um puxadinho, uma meia sola – diriam os mais antigos, na exata medida em que não propõem uma solução definitiva para alterar o complexo Sistema Tributário Nacional.

Da Administração que se despede do poder pra cá, ainda não apareceu uma proposta de emenda constitucional corajosa o suficiente para dar um basta ao IPI, ICMS, ISS, PIS, COFINS e CIDE, transformando-os num só tributo, ainda que com alíquotas seletivas, mas verdadeira e amplamente não-cumulativo.

Também não se verifica uma proposta que, além de criar um IVA, também contemple a desoneração da folha de salários, acabe com as múltiplas incidências tributárias sobre as importações e garanta a livre desoneração das exportações, esta última sem mecanismos complexos e quase inacessíveis de ressarcimento.

Na verdade, mais importante do que discutir uma Reforma Tributária – que a experiência mostra que não será aprovada – é enfrentar o enorme desafio de aperfeiçoamento da tributação  através de leis ordinárias.

O próximo governo precisar debater com o Congresso sobre uma solução perene para tributação dos combustíveis, pondo fim ao contencioso judicial deflagrado recentemente sobre a matéria.

Executivo e Legislativo precisam conversar e produzir uma norma para incluir o devedor de créditos não constituídos e não inscritos em dívida ativa num programa de regularidade fiscal, com prazo certo e condições bem definidas.

Cabe ao novo governo e à norma legislatura definir um norma que bonifique o bom pagador de tributos, de preferência com eficácia nacional.

A nova Administração tem a obrigação de apresentar uma solução justa, equilibrada e eficaz para aumentar o nível de recuperação de créditos tributários inscritos em dívida ativa.

A ampla compensação tributária e a livre transferência de créditos decorrentes de indébitos tributários precisa deixar de ser um tabu.

O país precisa de um Código de Processo Tributário e os órgãos administrativos de função judicante devem ser prestigiados, com melhor remuneração de seus membros para afastar as nefastas influências negativas e espancar o fantasma da corrupção que volta e meia aparece no noticiário.

Só é cabível discutir Reforma Tributária após a superação dos desafios impostos pela legislação infraconstitucional.   

Se não for assim, melhor deixar o Sistema Tributário Nacional como está. Afinal, como sempre repetiam os saudosos e queridos Osiris Lopes Filho e Geraldo Ataliba, imposto bom é imposto velho.

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