Processos julgados pelo Carf em 2022 envolveram R$ 132 bilhões

Os empates em julgamentos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais voltaram a ser favoráveis ao Fisco nos processos administrativos que chegam ao órgão depois de três anos da extinção do chamado voto de qualidade. O governo Lula editou a Medida Provisória 1.160 em janeiro de 2023 para determinar que os presidentes das turmas de julgamento voltassem a decidir as disputas tributárias caso houvesse empate entre todos os julgadores.

As turmas do Carf têm composição paritária com representante dos contribuintes e da Receita Federal. Entretanto, a presidência do colegiado sempre cabe a um representante da Fazenda, já que o Carf pertence ao Ministério da Economia e é um órgão de recursos administrativos. O presidente vota por último nos julgamentos e, com a MP editada pelo governo, cabe a ele dar o voto de minerva.

A mudança foi promovida logo no início do governo, em meio à pressão política pelo equilíbrio das contas públicas. O Anuário da Justiça demonstrou, em sua edição de 2022, como o fim do voto de qualidade, após a promulgação da Lei 13.988/2020, beneficiou as empresas. Segundo relatório do Insper, entre 2017 e 2020, o valor dos créditos tributários mantidos ou extintos pelo Carf em julgamentos nos quais houve voto de qualidade foi de R$ 52 bilhões.

Também em decorrência da mudança de governo, o auditor fiscal da Receita Federal Carlos Higino Ribeiro de Alencar foi nomeado em janeiro para para presidir o Carf, em substituição a Carlos Henrique de Oliveira, ex-diretor de Programa da Receita Federal. Alencar foi escolhido sem ter sido conselheiro no Carf antes, ao contrário de Oliveira e da auditora fiscal Adriana Gomes Rêgo, seus antecessores no posto. Alencar é visto por conselheiros como um julgador pró-Fisco em oposição ao antecessor, que costumava ser mais neutro em seus posicionamentos.

Em março de 2023, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais reverteu jurisprudência em favor da Fazenda por maioria e com voto de Alencar favorável à incidência da contribuição previdenciária sobre valores de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) pagos a diretores estatutários. Em dezembro de 2022, a análise do tema havia tido resultado favorável ao contribuinte com voto neste sentido de Carlos Henrique de Oliveira.

O atual presidente defende que o retorno do voto de qualidade terá pouco impacto na pessoa física e no pequeno e médio empresário. “Traz mais Justiça fiscal, tendo em vista que se aplica, basicamente, aos casos mais complexos, com teses jurídicas controversas e de grandes contribuintes e empresas que trabalham com o lucro real em sua maioria”, ponderou Alencar em nota enviada ao Anuário da Justiça.

“A maior parte das empresas no Brasil está no Simples Nacional e esses casos, em sua grande maioria, não são decididos por voto de qualidade. Essa mudança foi importante também para deixar o Carf mais voltado ao julgamento de teses tributárias de maior complexidade, o que, na maioria das vezes, envolve casos de maiores valores”, acrescentou.

Logo após o anúncio da edição da Medida Provisória 1.160, a Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf) divulgou nota em que lembrou que “o Carf é um órgão quase centenário, especialista em matérias tributária e aduaneira, e que não possui ‘viés’ arrecadatório”. A MP depende de apreciação do Congresso para virar lei.

Alencar também acena em direção aos contribuintes. “Vejo que as medidas adotadas pelo pacote fiscal do governo trouxeram ao Carf ganhos importantes e ajuda fundamental para o órgão cumprir a missão de ser cada vez mais célere. O foco tem que ser o contribuinte, que tem direito a ter suas demandas resolvidas em um prazo razoável. A sociedade precisa dessa segurança”, diz.

Em meio a ponderações, a OAB ingressou com a ADI 7.347 no Supremo Tribunal Federal para questionar se MP do governo pode tratar de regra processual. No mês seguinte, acabou por ser fechado um acordo entre representantes da OAB, da Receita Federal e o ministro do Supremo Dias Toffoli.

Após reunião, foi inserida em medida cautelar da OAB a manutenção do voto com peso duplo dos presidentes das turmas em troca de os contribuintes vencidos poderem pagar os débitos decididos pelo voto de qualidade no prazo de 90 dias sem multa e sem juros. A medida deverá ser também apreciada pelo Congresso.

Para o tributarista Enio de Biasi, sócio da Elebece Consultoria Tributária, a aprovação do acordo pelo Congresso seria uma demonstração de força do governo. “Geralmente, os contribuintes têm 30 dias para pagar o débito, após ciência da decisão, que demora um pouco. Pelo acordo, o prazo passa a ser de 90 dias, mas a grande vantagem é não ter que pagar multa e juros”, analisa.

A MP também eleva de 60 para 1.000 salários-mínimos o valor mínimo para que processos possam ser julgados pelo conselho. Entre 2021 e 2022, o total de casos decididos pelo Carf caiu de 30,4 mil para 10,8 mil. Contudo, a soma dos valores envolvidos saltou de R$ 47,6 bilhões para R$ 132,5 bilhões depois de o órgão ter acabado com limite de R$ 1 milhão em tributos contestados para que os processos pudessem ser apreciados nos julgamentos virtuais.

O acervo de casos à espera de julgamento subiu de 91 mil para 92 mil e a soma dos montantes relacionados cresceu de R$ 983 bilhões para R$ 1,091 trilhão. “A mudança de valor mínimo para os processos chegarem ao Carf ajudará a reduzir o estoque”, promete Alencar.

Além do estoque crescente de processos, o movimento de paralisação dos representantes da Receita Federal é mais um problema enfrentado pelo Carf nos últimos anos. Os fazendários reivindicam junto ao Ministério da Fazenda a regulamentação do adicional de produtividade conferido aos auditores fiscais.

“O movimento de paralisação de parte dos conselheiros fazendários impactou negativamente a produtividade e, ainda por conta da epidemia de covid-19, a limitação de valor para o julgamento de processos de forma virtual, encerrada somente em maio, resultou no aumento do estoque de crédito que alcançou a casa de R$ 1 trilhão”, conta.

Em meio aos desafios, ao menos o orçamento do Carf voltou a subir em 2023. O total de recursos destinado pelo Ministério da Fazenda havia caído pela metade, de R$ 22,5 milhões em 2021 para R$ 11 milhões em 2022. Em 2023, o montante ficou em R$ 21,2 milhões.

Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2023, 8h24

ARTIGO DA SEMANA – Decadência, vício formal e novo lançamento tributário

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O artigo 173, II, do CTN, confere uma vantagem uma fisco: a possibilidade de refazimento do lançamento, anulado por vício formal, no prazo de cinco, contados da decisão que declarou a existência do vício, anulando o lançamento o original.

Vício formal, como o próprio nome diz, é aquele que afeta os requisitos formais de validade do lançamento.

No processo administrativo fiscal da União, os requisitos de validade da notificação de lançamento e do auto de infração estão descritos nos artigos 10 e 11, do Decreto nº 70.235/72[1]

No caso da legislação tributária estadual do Rio de Janeiro, os requisitos formais de um lançamento são aqueles apontados no art. 221, do CTE e no art. 74, do Decreto nº 2.473/79[2].

Portanto, a falta de observância de quaisquer dos requisitos de validade de um lançamento pontualmente descritos nas normas reguladoras do processo administrativo fiscal enseja o reconhecimento do vício formal, autorizando a declaração de nulidade do lançamento.

Reconhecida a nulidade do lançamento original por vício formal, aplica-se o art. 173, II, do CTN e reabre-se à Fazenda Pública o prazo para a realização de outro lançamento em boa e devida forma, com o exclusivo propósito de sanar o vício formal do ato administrativo anterior.

Com efeito, o novo lançamento, oriundo da declaração de nulidade por vício formal de lançamento anterior, deve se restringir à correção deste vício, sendo vedado à autoridade competente inovar o lançamento naquilo que seja coisa diversa do vício constatado.

A propósito, convém lembrar a lição de LUCIANO DA SILVA AMARO[3], severo crítico do dispositivo legal em apreço:  

Cuida o art. 173, II, de situação particular; trata-se de hipótese em que tenha sido efetuado um lançamento com vício de forma, e este venha a ser “anulado” (ou melhor, declarado nulo, se tivermos presente que o vício de forma é causa de nulidade, e não de mera anulabilidade) por decisão (administrativa ou judicial) definitiva. Nesse caso, a autoridade administrativa tem novo prazo de cinco anos, contados da data em que se torne definitiva a referida decisão, para efetuar novo lançamento de forma correta.

Portanto, cabe à Fazenda Pública, no prazo de cinco anos, contados da decisão que reconheceu o vício formal, corrigir o erro, mantendo a, digamos, parte boa do auto de infração anterior.

Esta é a conclusão a doutrina, bastando trazer a observação de HUGO DE BRITO MACHADO[4] em seus comentários ao art. 173, II, do CTN:

O prazo de cinco anos de que dispõe a Fazenda Pública para realizar o que podemos denominar de lançamento substitutivo destina-se apenas à sanação da ilegalidade da qual decorreu a nulidade do lançamento anterior. De nenhum modo se pode entender que nesse prazo tem a Fazenda Pública restabelecido o seu direito de examinar amplamente tudo o que disser respeito ao sujeito passivo daquele crédito tributário cuja constituição resultou nula por vício formal.

A Administração Tributária Federal também já se debruçou sobre o tema, conforme se lê de acórdão do antigo Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda assim ementado:

 “Pelo disposto no inc. II, do art. 173, quando ocorre anulação, por vício formal, é dado ao fisco  mais 5 anos da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado, para realizar NOVO LANÇAMENTO. Só que o sujeito ativo deve se limitar a corrigir os vícios formais e manter o valor  originariamente exigido, não sendo permitido suplementar…” (Ac. 105-13.033. 1º CCMF. DOU 27.03.2000)

No mesmo sentido é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

Note-se que a retificação do auto não implicou em alteração dos fundamentos da autuação, descritos no campo “relato”, nem acarretou qualquer mudança nos valores apurados, apenas indicando de forma completa os dispositivos legais que incidiam no caso.” Apelação Cível nº0021565-61.2013.8.19.0001 (TJRJ, Décima Nona Câmara Cível).

Como se vê, a preservação do lançamento anterior e sua modificação apenas naquilo que inobservou os requisitos formais de validade compreendem a condição sine qua non para aplicação do art. 173, II do CTN.

Consequentemente, se o fisco, após a declaração de nulidade do lançamento, decidir lavrar novo auto de infração ou notificação de lançamento, indo além da correção do vício que ensejou a nulidade, não poderá se socorrer do artigo 173, II, do CTN.

Nesta hipótese a realização do lançamento inovador deverá observar a regra do prazo decadencial do art. 150, §4º ou do a regra geral inserta no inciso I do art. 173, conforme o caso.

A esta conclusão também chegou o Plenário do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro:

PREJUDICIAL DE MÉRITO. DECADÊNCIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO RECLAMADO NO LANÇAMENTO. Decorridos mais de 05 (cinco) anos entre os supostos fatos geradores e a intimação do novo lançamento efetivamente modificado, impõe-se a decretação da decadência do direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário. PRELIMINARACOLHIDA.

(Recursos nºs 71.027 e 71.028, Acórdãos nºs 9.619 e 9.620. DOERJ de 12/06/2019)

É bom lembrar que a possibilidade de realização do novo lançamento, nos termos do art. 173, I, do CTN, importa em verdadeira interrupção do prazo decadencial, conforme entendimento da doutrina, bastando citar, por todos, a Min. REGINA HELENA COSTA[5]:

Essa norma aponta outro relevante aspecto de distinção entre o regime de decadência disciplinado na lei civil e o estabelecido na lei tributária. No direito privado, “salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição” (art. 207, CC). Consoante se extrai da norma do art. 173, II, CTN, diversamente, o prazo decadencial é passível de interrupção, visto que a decisão anulatória do lançamento anteriormente efetuado faz com que recomece a fluir o prazo decadencial.

Mas nunca se esqueça: a possibilidade de reabertura do prazo para refazimento do lançamento anulado por vício formal (art. 173, II, do CTN) tem como limite a correção do vício, vedada qualquer alteração no lançamento anterior.


[1] Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente:

I – a qualificação do autuado;

II – o local, a data e a hora da lavratura;

III – a descrição do fato;

IV – a disposição legal infringida e a penalidade aplicável;

V – a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias;

VI – a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.

Art. 11. A notificação de lançamento será expedida pelo órgão que administra o tributo e conterá obrigatoriamente:

I – a qualificação do notificado;

II – o valor do crédito tributário e o prazo para recolhimento ou impugnação;

III – a disposição legal infringida, se for o caso;

IV – a assinatura do chefe do órgão expedidor ou de outro servidor autorizado e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.

Parágrafo único. Prescinde de assinatura a notificação de lançamento emitida por processo eletrônico.

[2] Art. 221. O auto de infração e a nota de lançamento conterão:

I – a qualificação do autuado ou intimado;

II – o local e data da lavratura;

III – a descrição circunstanciada do fato punível ou dos fatos concretos que justifiquem a exigência do tributo;

IV – a capitulação do fato, mediante citação do dispositivo legal infringido e do que lhe comine a sanção ou do que justifique a exigência do tributo;

V – o valor do tributo e/ou das multas exigidos;

VI – a notificação para o recolhimento do débito no prazo de 30 (trinta) dias, com a indicação de que no mesmo prazo poderá ser apresentada a impugnação;

VII – a indicação da repartição onde será instaurado o processo e daquela em que a impugnação poderá ser apresentada;

VIII – a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.

Parágrafo único – Prescindem de assinatura o auto de infração e a nota de lançamento emitidos por processo eletrônico.

Art. 74. O auto de infração conterá os seguintes elementos:

I – nome, razão social ou denominação do autuado, a atividade profissional ou econômica que exerça, seu endereço e números de inscrição no Cadastro Fiscal do Estado e no Cadastro Fiscal Federal;

II – o local, a data e a hora da lavratura;

III – a descrição circunstanciada do fato punível ou dos fatos concretos que justifiquem a exigência do tributo;

IV – o dispositivo legal infringido e o que lhe comine a sanção ou justifique a exigência do cumprimento da obrigação;

V – o valor do tributo e/ou das multas exigidas;

VI – a indicação da repartição em que correrá o processo, com o seu endereço;

VII – a intimação para efetivação do pagamento ou apresentação de defesa com menção dos prazos correspondentes bem como da incidência da taxa a que se refere o item 11, A, do inciso III, do Decreto Lei n.º 5/75, com a redação dada pela Lei n.º 2.879/97 e eventuais benefícios para o sujeito passivo.

VIII – a assinatura do autuante e a indicação do seu nome por extenso, cargo ou função e número da matrícula, ressalvada a hipótese de emissão por processo eletrônico, a carimbo ou por outra forma legível.

[3] in Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008

[4] in Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 544

[5] in Código Tributário Nacional Comentado – Em sua Moldura Constitucional. Rio de Janeiro: Grupo GEN; 2020.

Carf suspende sessões até quinta devido à greve dos servidores da Receita

O presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Carlos Higino Ribeiro de Alencar, determinou a suspensão das sessões agendadas entre esta terça-feira (16/5) e a próxima quinta-feira (18/5).

A decisão, publicada em forma de portaria nesta terça, foi motivada pela falta de quórum, já que conselheiros representantes da Fazenda Nacional aderiram à recém-instalada greve dos servidores da Receita Federal.

A suspensão afeta sessões da 3ª Turma da Câmara Superior do Carf (CSRF); de cinco turmas ordinárias de três câmaras da 1ª Seção; e de três turmas extraordinárias da 3ª Seção.

Conforme a portaria, “atos que devam ser praticados em função de decisão judicial” são exceções à determinação de suspensão.

Clique aqui para ler a portaria

Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2023, 16h32

Ambev derruba no Carf multa milionária

Decisão da 1a Turma da 2a Câmara da 3a Seção sobre penalidade por descumprimento de obrigação acessória é importante, segundo advogados, por ser unânime e estar bem fundamentada

Os contribuintes conseguiram um importante precedente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) contra a multa aplicada por descumprimento de obrigação acessória. O entendimento adotado pelos conselheiros foi o de que a penalidade só pode ser imposta se existir erro ou omissão de informações no documento fiscal, e não quando há divergência de interpretação entre Receita Federal e empresa sobre pagamento de tributo.

O julgamento foi realizado na 1a Turma da 2a Câmara da 3a Seção, que afastou multa de R$ 140 milhões aplicada à Ambev. A decisão é importante, segundo advogados, por ser unânime e estar bem fundamentada. Não há ainda, acrescentam, precedente na Câmara Superior — última instância do Carf. A penalidade é de 3% sobre valor de imposto omitido, inexato ou incorreto prestado na declaração.

No caso, a Receita Federal multou por entender que seria incorreto compensar estimativas mensais devidas pelo contribuinte, na opção de apuração pelo lucro real, com Imposto de Renda pago no exterior entre 2016 e 2017. Para a fiscalização, declarar essas informações na Escrituração Fiscal Contábil (ECF) seria errado e passível de sanção.

Em sua defesa, porém, a Ambev alegou que a aplicação da penali- dade deveria respeitar os princípios da moralidade e da boa-fé e que não há qualquer orientação expressa da Receita Federal em sentido contrário ao procedimento adotado no preenchimento da ECF. E acrescentou que a fiscalização considerou incorreta a compensação, e não o preenchimento do documento fiscal.

A empresa ainda argumentou que não é minimamente razoável admitir que a multa pela apresentação da ECF com inexatidão, incorreção ou omissão possa ser muito mais alta do a aplicada a quem deixa de apresentar a obrigação acessória.

Ambas as punições estão previstas no artigo 8o-A do Decreto- Lei no 1.598, de 1977, com redação dada pela Lei no 12.973, de 2014. No inciso I, ficou estabelecido multa de 0,25% a quem deixar de apresentar o livro fiscal e registros contábeis. Já quem apresentar os registros com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito a multa de 3% do lucro líquido, conforme o inciso II.

O relator do caso é o conselheiro Flávio Machado Vilhena Dias, representante dos contribuintes. Ele afirma, em seu voto, concordar com a Ambev. Para ele, “a leitura da norma legal em questão não pode levar à conclusão evidentemente absurda de que toda e qualquer divergência da fiscalização quanto à forma como contabilizados determinados valores pelos contribuintes ensejaria a aplicação da multa em questão”.

De acordo com o conselheiro, o fiscal intimou o contribuinte para retificar suas declarações, para que fizesse constar que as estimativas não teriam sido quitadas com os créditos do Imposto de Renda pago no exterior. Como a empresa não retificou os documentos, para fazer constar nelas o que a fiscalização entendia como correto, acrescenta, “viu a ‘mão punitiva’ do Estado lhe ser aplicada, sem qualquer respaldo na legislação em vigor, o que não se pode admitir” (processo no 15746.720390/2020-43).

O tributarista Leandro Cabral, sócio do escritório Velloza Advogados, considera a decisão importante. Segundo ele, a Receita Federal tem aplicado a multa quando há apenas divergência de interpretação com o contribuinte, e não erros ou omissão no preenchimento da ECF.

Ele lembra que cada vez mais as empresas têm novas obrigações acessórias a cumprir, nas três esferas — federal, estadual e municipal —, e que, por conta de toda essa complexidade, os erros tendem a ficar mais frequentes.

“Mas, no caso das grandes empresas, via de regra, elas passam por uma auditoria externa. Então é muito difícil ter erro por falta de recolhimento de tributo. Elas têm uma espécie de ‘double check’”, diz o advogado.

Para Cabral, como a decisão foi unânime na 1a Turma da 2a Câmara da 3a Seção, os contribuintes ganharam um bom precedente. Ele afirma que pesquisou e não encontrou nenhum julgamento da Câmara Superior do Carf sobre essa multa para a ECF ou similar.

Fernanda Rizzo, do escritório Vieira Rezende Advogados, destaca que o caso é bastante relevante e que, inclusive, tem um parecido no escritório. Foi cobrada a mesma multa de 3%, também de valor milionário, por suposta incorreção na declaração fiscal. “Mas não estava incorreta e sim prestada de maneira diferente do que pretendia a fiscalização”, diz a tributarista, acrescentando que esse caso ainda não foi julgado pelo Carf.

O julgado da Ambev é importante, explica a advogada, porque expressamente define que a divergência de entendimento sobre a tributação de determinado fato não enseja multa por declaração incorreta, ainda que eventualmente o contribuinte esteja equivocado na maneira de apurar o tributo.

Ela ainda lembra que as multas nesses casos podem representar valores expressivos, pois são calculadas sobre o montante informado “com vício” e não sobre o tributo não pago — que pode sequer existir. Assim, como a base de cálculo é o suposto vício, a multa poderá ultrapassar o montante do tributo, o que aumentaria a arrecadação.

“O julgado [do Carf ], nesse sentido, contribui para dar freio a esses tipos abusivos de autuação”, diz Fernanda Rizzo

Procurada pelo Valor, a Ambev informou , por nota enviada pela assessoria de imprensa, que não comenta casos em andamento. “Vale pontuar, no entanto, que acreditamos ser possível uma mudança nesse ambiente de litígio, promovendo maior o diálogo entre contribuintes e Fisco, de modo que as regras sejam claras para os dois lados, evitando diferentes interpretações e promovendo segurança jurídica”, afirma na nota.

Fonte: Valor Econômico – 09/05/2023

Créditos de PIS e Cofins sobre os “insumos dos insumos” na jurisprudência do Carf

Na coluna de hoje voltamos a um tema que, em alguma medida, já havia sido anteriormente objeto de análise nesse espaço [1], o que se dá em razão de recente decisão da 3ª Câmara Superior do Carf veiculada no Processo Administrativo nº 10865.902025/2013-56 [2], que autorizou o aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre os chamados “insumos dos insumos”.

No sobredito caso concreto, o contribuinte pleiteava créditos sobre os gastos incorridos na produção de cana-de-açúcar, que, por sua vez, é utilizada como insumo para obtenção de açúcar e álcool. A discussão, portanto, envolve a extensão do conceito de insumo, para fins de creditamento do PIS/Cofins, i.e., se adstrito ao processo fabril ou se alcançando tudo o que componha o processo de produção em sentido amplo.

Como é de plena sabença, durante anos a Receita Federal defendeu a posição de que insumo seria o bem ou serviço diretamente empregado no processo produtivo, e nele consumido. De outro lado, os contribuintes consideravam que a maioria, senão a totalidade de suas despesas, deveria ser enquadrada como insumos. Enquanto, de forma restritiva, a RFB aproximava o conceito de insumo àquele utilizado para fins de creditamento do IPI, os contribuintes defendiam uma interpretação mais elástica, relacionada ao conceito de despesas operacionais para fins de apuração do IRPJ.

No Carf, a respeito do alcance da expressão “insumos”, a jurisprudência se consolidou na posição intermediária, no sentido de que insumo seria o gasto que contribui para a obtenção de receita, a partir dos critérios da essencialidade e da relevância no contexto específico da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte, ou seja, a partir de uma análise casuística da atividade empresarial sob julgamento.

Apesar disso, as controvérsias sobre o tema não se encerraram. É possível encontrar decisões do Carf em que tais critérios não foram, de forma isolada, suficientes para definir o que poderia ou não ser considerado no cálculo do crédito de PIS/Cofins. O exemplo clássico de controvérsia que se perpetuou é exatamente aquele objeto desse artigo.

A maioria dos casos envolve agroindústrias, tal como no processo examinado pela CSRF, tanto que essa discussão também se costuma denominar de “insumos da fase agrícola”. Para ficar na situação mais recorrente, as usinas sucroalcooleiras costumam produzir, na etapa agrícola, a cana-de-açúcar que serve de insumo para a etapa industrial, na qual se obtém o açúcar e o álcool a serem comercializados. Por isso, tais contribuintes sustentam ter direito de crédito na aquisição, por exemplo, de produtos para realização de testes de qualidade e para o preparo do solo, exemplos de “insumos de insumos”.

Apesar da profusão de decisões favoráveis [3][4], o Carf, pela sua Câmara Superior, já negou no passado recente os créditos nessa hipótese particular. Em linhas gerais, o fundamento era de que gastos incorridos na fase anteriora de produção do bem não poderiam ser considerados insumos, nos termos previstos na legislação (Leis 10.637/2002 e 10.833/2003). Cita-se, exemplificativamente, o Acórdão 9303-005.806 (relator Rodrigo da Costa Possas, j. 17/10/2017), do qual se observa a seguinte passagem do voto vencedor:

“(…) As usinas de açúcar e álcool, como se sabe, são estabelecimentos agroindustriais que produzem, a partir da cana, o açúcar, o melaço, a aguardente e o álcool. Além de sua fabricação própria, costumam adquirir a cana de outros estabelecimentos produtores. Pelos motivos aqui adotados (existência autônoma da atividade industrial propriamente dita), a aquisição da cana gera, sim, o direito à apropriação dos créditos correspondentes, não, contudo, os gastos realizados, pela própria Recorrente, no plantio e colheita da cana de açúcar. Pode-se até achar inconveniente, mas é assim que a lei é.”

No entanto, como se sabe, em 2018 foi publicado o acórdão proferido pelo STJ no julgamento do REsp repetitivo 1.221.170. Na ocasião, a Corte adotou os mesmos critérios de essencialidade e relevância que já vinham sendo empregados pelo Carf para exame do que pode ou não ser considerado insumo.

Como decorrência, a Receita Federal editou o Parecer Normativo Cosit 05/2018 para tratar de eventuais reflexos práticos do precedente vinculante do STJ. Dentre outras questões, tratou da possibilidade de apuração de créditos das contribuições na modalidade aquisição de insumos em relação a dispêndios necessários à produção de um bem-insumo utilizado na produção de bem destinado à venda ou na prestação de serviço a terceiros (insumo do insumo).

Em linha com a jurisprudência administrativa e judicial, o referido Parecer reconhece a extensão do conceito de insumos a todo o processo de produçãode bens destinados à venda ou de prestação de serviços a terceiros. Conclui expressamente que a permissão de creditamento retroage no processo produtivo de cada pessoa jurídica para alcançar os insumos necessários à confecção do bem-insumo utilizado na produção de bem destinado à venda ou na prestação de serviço a terceiros, beneficiando especialmente aquelas que produzem os próprios insumos.

Com isso, novos casos tratando dessa matéria foram submetidos ao crivo da CSRF, oportunidade em que aquele órgão julgador, curvando-se ao entendimento exarado pelo Tribunal Superior no citado leading case admitiu o creditamento de PIS/Cofins para insumos empregados na fase agrícola de uma determinada agroindústria, conforme se observa do acórdão 9303-007.864 (relator: Rodrigo da Costa Possas, j. 17/10/2017), assim ementado, verbis

“(…). CRÉDITO. ATIVIDADE FLORESTAL COMO PARTE INTEGRANTE DO PROCESSO PRODUTIVOINSUMOS DE INSUMOS. Afinando-se ao conceito de insumos exposto pela Nota SEI PGFN MF 63/18, bem como considerando a atividade florestal como parte integrante do processo produtivo, ao aplicar o Teste de Subtração, é de se reconhecer o direito ao crédito das contribuiçõessobre: (i) os dispêndios com bens e serviços contratados a terceiros para o plantio clonagem, pesquisa, tratamento do solo, adubação, irrigação, controle de pragas, combate a incêndio, corte, colheita, transporte das toras de madeira, utilizados antes do tratamento físico-químico da madeira, não caracterizados como despesas relacionadas com bens do ativo permanente e que possuem classificação jurídica e contábil como custos de produção, entre eles, serviços florestais de silvicultura/trato cultural das florestas próprias, serviços de viveiros, serviço florestal de colheita, serviços topográficos, controle de qualidade de madeiras, monitoramento florestal, irrigação, terraplenagem; (ii) aluguéis de guindaste operado para manejo de insumos; (iii) transporte de madeira entre a floresta e a fábrica; (iv) lubrificantes, consumidos nos equipamentos, mesmo durante a etapa agrícola; (v) gastos com correias de amarração, estrados, paletes e caixas de papelão, desde que não se configurem em itens imobilizados e (vi) combustíveis empregados no processo produtivo. (…).”

Entendemos que as recentes decisões estão em linha com a racionalidade do PIS/Cofins não-cumulativos. 

De fato, o artigo 195, §12 da Constituição outorgou competência à lei ordinária para definir os setores de atividade econômica que deverão se sujeitar à sistemática não-cumulativa de apuração das contribuições incidentes sobre a receita ou o faturamento, tais como o PIS e a Cofins. Definidos tais setores, a não-cumulatividade até pode ser objeto de algum delineamento legal, mas desde que não haja a supressão da diretriz de neutralidade que a norma da não cumulatividade busca realizar.

Repita-se: ainda que o legislador ordinário tenha certa margem de discricionariedade para disciplinar o regime não-cumulativo, conforme decidido pelo STF-Pleno [5], é certo que o PIS e a Cofins apuradas nessa sistemática devem atender à diretriz de neutralidade para o contribuinte. Do contrário, haverá superposição das incidências (“tributação em cascata”), tornando o sistema cumulativo e sobreonerando os produtos e serviços entregues aos consumidores. Por isso, o modelo deve ser estruturado de forma a eliminar o custo tributário suportado pelo contribuinte para gerar suas receitas.

Portanto, insumo não é somente aquele bem ou serviço aplicado diretamente nos produtos ou serviços. Deve ser considerada a completude do processo produtivo do contribuinte, sob pena de se restringir indevidamente o conceito de insumo que confere lógica ao modelo não-cumulativo. 

Assim, também são insumos os gastos incorridos antes da fase em que se obtém o produto, ou seja, também geram direito de crédito de PIS/Cofins os bens e serviços empregados na elaboração de um novo insumo aplicado na fase subsequente, dentro de sua própria cadeia produtiva.

Logo, é possível considerar como “insumos” os produtos e serviços utilizados na produção dos próprios insumos, desde que esses sejam essenciais e relevantes para a atividade da empresa, tal como acertadamente tem reconhecido o Carf.

Aliás, diante da mais recente decisão do Carf para a matéria, é possível afirmar que jurisprudência do Tribunal se consolidou quanto à possibilidade de creditamento de PIS e Cofins na hipótese de “insumos de insumos”, o que é extremamente salutar para o prestígio do valor segurança jurídica, colaborando para encerrar mais uma das controvérsias que se arrasta há tempos nesse tema.


[1] ConJur – Carf analisa crédito de PIS/Cofins após precedente vinculante do STJ.

[2] O acórdão, de relatoria da conselheira Vanessa Cecconello, ainda está pendente de publicação. 

[3] Cfe. acórdãos 3302-005.844, 3201-004.229 e 3402-004.076

[4] Nesse sentido:

PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVO. HIPÓTESES DE CRÉDITO. CONCEITO DE INSUMO. APLICAÇÃO E PERTINÊNCIA COM AS CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE PRODUTIVA.

O termo “insumo” utilizado pelo legislador na apuração de créditos a serem descontados da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins denota uma abrangência maior do que MP, PI e ME relacionados ao IPI. Por outro lado, tal abrangência não é tão elástica como no caso do IRPJ, a ponto de abarcar todos os custos de produção e as despesas necessárias à atividade da empresa. Sua justa medida caracteriza-se como o elemento diretamente responsável pela produção dos bens ou produtos destinados à venda, ainda que este elemento não entre em contato direto com os bens produzidos, atendidas as demais exigências legais

PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVO. AGROINDÚSTRIA. USINA DE AÇUCAR E ÁLCOOL. HIPÓTESES DE CRÉDITO. INSUMO.

Em relação à atividade agroindustrial de usina de açúcar e álcool, configuram insumos as aquisições de serviços de análise de calcário e fertilizantes, serviços de carregamento, análise de solo e adubos, transportes de adubo/gesso, transportes de bagaço, transportes de barro/argila, transportes de calcário/fertilizante, transportes de combustível, transportes de sementes, transportes de equipamentos/materiais agrícola e industrial, transporte de fuligem,/cascalho/pedras/terra/tocos, transporte de materiais diversos, transporte de mudas de cana, transporte de resíduos industriais, transporte de torta de filtro, transporte de vinhaças, serviços de carregamento e serviços de movimentação de mercadoria, bem como os serviços de manutenção em roçadeiras, manutenção em ferramentas e manutenção de rádios-amadores, e a aquisição de graxas e de materiais de limpeza de equipamentos e máquinas.

(9303-004.918, rel. Rodrigo da Costa Possas, j. 10/4/2017) (grifos não constantes no original).

[5] Conforme julgado no RE nº 841.979, com repercussão geral (Tema 756), julgado em sessão virtual encerrada em 25/11/2022.

Diego Diniz Ribeiro é advogado tributarista e aduanerista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutorando em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV-SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

Éric Imbimbo é pós-graduando em Direito Tributário pelo IBDT, advogado tributarista e aduanerista e associado do Daniel & Diniz Advocacia Tributária.

Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2023, 8h00

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