Em carta a Haddad, diretora da OCDE defende voto de qualidade no Carf

A diretora do Centro de Política Tributária da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Grace Perez-Navarro, defendeu o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O posicionamento foi enviado por meio de carta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), no fim de março.

Até 2020, nas hipóteses de empate nos julgamentos do Carf, o voto decisivo era do presidente do tribunal administrativo, que é sempre um representante da Fazenda Nacional. Uma lei daquele mesmo ano extinguiu tal mecanismo e definiu a resolução do empate sempre de forma favorável ao contribuinte. Já no início de 2023, uma Medida Provisória retomou a regra anterior, conhecida como voto de qualidade.

Na carta a Haddad, Grace defende a reconsideração do caminho estabelecido em 2020. “A menos que seja desenvolvido um modelo melhor e mais efetivo, pode ser mais apropriado retornar à prática anterior.”

Segundo ela, o retorno do voto de qualidade não traz impacto negativo aos direitos dos contribuintes, pois eles ainda podem acionar o Judiciário para contestar as decisões administrativas.

Grace ressaltou que o escape judicial existe quando a decisão administrativa é contrária ao contribuinte, mas não quando é contrária ao Fisco. Nesses casos, a decisão do Carf é definitiva — mesmo se atingida por meio de um empate, pelas regras vigentes entre 2020 e o início deste ano.

Para ela, tal lógica “parece inapropriada”, pois, se a decisão é resultado de um empate, há indícios de que certas questões legais merecem ser melhor esclarecidas e resolvidas em um processo judicial independente.

Problemas do sistema
Haddad e Grace se encontraram no início de março em Brasília e discutiram, entre outras questões, o funcionamento do processo administrativo tributário brasileiro. O ministro pediu a opinião da OCDE sobre o Carf e uma perspectiva internacional sobre o tema.

Na ocasião, Haddad apontou que, em casos em que se discute um alto valor de impostos, geralmente há empate nas análises do Carf. Além disso, o passivo tributário discutido no tribunal administrativo representa 12% do Produto Interno Bruto (PIB) anual brasileiro e aproximadamente 25% da dívida pública do país.

O ministro ainda explicou que a duração média de um processo administrativo é de cerca de sete anos, que podem ser seguidos por aproximadamente mais 11 anos caso a decisão do Carf seja contestada no Judiciário.

“Isso pode estender o litígio ao ponto de que as demandas sejam barradas pela prescrição, o que pode tornar impossível qualquer execução ou correção”, indica Grace na carta.

A diretora da OCDE ainda destaca que os contribuintes não precisam pagar nenhum valor de entrada ou de garantia na esfera administrativa. Segundo ela, isso pode levar a uma litigância sem fim e desincentivar o devido pagamento dos tributos.

Referências externas
A OCDE iniciou uma análise comparativa preliminar de diferentes modelos administrativos ao redor do mundo. Diferentemente do Brasil, na maioria dos países não há um envolvimento de representantes do setor privado nas decisões — apenas de servidores da administração tributária ou do Ministério da Fazenda.

No Brasil, os conselheiros do Carf que representam os contribuintes podem ser advogados que trabalhavam no setor privado e podem voltar a trabalhar após período de curto prazo no tribunal administrativo. Tais conselheiros recebem remunerações consideravalmente menores do que ganhariam em seus escritórios ou departamentos jurídicos. Na visão de Grace, tal panorama pode causar benefícios diretos ou indiretos e criar um risco de conflito de interesses.

A análise da OCDE identificou apenas três países com envolvimento de representantes do setor privado no processo administrativo tributário: Dinamarca, Noruega e Finlândia. Mesmo nesses casos, o processo é supervisionado por magistrados de carreira, incluindo os das respectivas Supremas Cortes, que têm a palavra final na correta aplicação e interpretação das leis tributárias — ou seja, os votos dos representantes do setor privado não têm o mesmo peso observado no Brasil.

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Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2023, 10h59

Adesão ao programa Litígio Zero é prorrogada até 31 de maio

Os contribuintes que devem à União ganharam mais dois meses para renegociarem o débito. O Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal, também conhecido como Litígio Zero, teve o prazo de adesão prorrogado para as 19h de 31 de maio. O prazo original acabaria nesta sexta-feira (31/3).

O adiamento consta de uma portaria conjunta da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União.

Em nota, a Receita informou que o adiamento foi pedido por entidades do setor de contabilidade. Além do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), reivindicaram a extensão do prazo a Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon) e o Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon).

Programa que estende à Receita Federal o modelo de transações tributárias disponível desde 2020 para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o Litígio Zero permite a renegociação de dívidas tributárias baseada na capacidade de pagamento do contribuinte, em troca da desistência de ações na Justiça (no caso de débitos inscritos na Dívida Ativa da União) ou de contestações administrativas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão que julga na esfera administrativa débitos com o Fisco.

A adesão pode ser pedida por meio de processo digital no Centro de Atendimento Virtual da Receita Federal (e-CAC). O acesso ao e-CAC exige conta no Portal Gov.br nível prata ou ouro, certificação digital (no caso de empresas) ou um código especial que pode ser obtido mediante o número do recibo da última declaração do Imposto de Renda (para pessoas físicas).

Anunciado em janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como uma das medidas para recompor o caixa do governo, o Litígio Zero prevê a renegociação em condições especiais de dívidas com a União. As adesões começaram em 1º de fevereiro.

Embora o programa funcione de forma similar aos tradicionais Refis, existe uma diferença porque a concessão de descontos ocorrerá com base no tamanho do débito e no tipo de contribuinte. As dívidas — consideradas créditos do ponto de vista do governo — serão classificadas com base na facilidade de serem recuperadas pela União, sendo: créditos tipo A (com alta perspectiva de recuperação); créditos tipo B (com média perspectiva de recuperação); créditos tipo C (de difícil recuperação); ou créditos tipo D (irrecuperáveis).

Descontos
As pessoas físicas, micro e pequenas empresas com dívidas abaixo de 60 salários mínimos poderão obter descontos de 40% a 50% sobre o valor total do débito, com prazo de até 12 meses para pagar.

Para empresas que devem mais de 60 salários mínimos, haverá um desconto de até 100% sobre multas e os juros para dívidas consideradas irrecuperáveis e de difícil recuperação. Essas pessoas jurídicas poderão ainda usar prejuízos de anos anteriores para abater de 52% a 70% do débito.

Qualquer que seja a modalidade de pagamento escolhida, o valor mínimo da prestação será de R$ 100 para a pessoa física, de R$ 300 para a microempresa ou a empresa de pequeno porte, e de R$ 500 para pessoa jurídica. O número de prestações deverá se ajustar ao valor do débito incluído na transação.

O Litígio Zero também prevê o fim dos recursos de ofício dentro do Carf para valores abaixo de R$ 15 milhões. Nesses casos, quando o contribuinte vencer em primeira instância, a Receita deixará de recorrer, encerrando o litígio. De acordo com o Ministério da Fazenda, a medida extinguirá quase mil processos no Carf, no valor total de R$ 6 bilhões, e ajudará a desafogar o órgão para o julgamento de grandes dívidas.

A Receita preparou um guia para tirar dúvidas sobre o Litígio Zero. Mais informações sobre o programa podem ser obtidas aquiCom informações da Agência Brasil.

Revista Consultor Jurídico, 1 de abril de 2023, 17h13

Juíza reconhece prescrição de processo parado há mais de três anos no Carf

Conforme determina a Lei 9.873/99 — que trata do prazo para o exercício da ação punitiva pela administração pública federal —, procedimentos administrativos paralisados por mais de três anos, pendentes de julgamento ou despacho, estão sujeitos à prescrição. 

Esse foi o fundamento adotado pela juíza Marina Gimenez Butkeraitis, da 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, para reconhecer a prescrição intercorrente e anular uma multa aduaneira relacionada a processo administrativo que ficou mais de três anos sem julgamento no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). 

A decisão foi provocada por mandado de segurança impetrado por uma empresa de importação e exportação. Na ação, a companhia relatou que questionou um auto de infração em 2016 e que, desde então, não houve qualquer movimentação relevante no processo. 

Ao analisar o caso, a magistrada explicou que, para a configuração da prescrição intercorrente, é preciso que haja o início do procedimento administrativo por citação válida; a paralisação do feito por mais de três anos; a ausência de ato inequívoco que importe apuração do fato; e, por fim, a falta de julgamento ou despacho. 

“Nestes termos, pelos elementos trazidos aos autos, não se verifica a ocorrência de qualquer ato inequívoco de apuração dos fatos capaz de interromper a fluência do prazo de prescrição da pretensão punitiva, encontrando-se o processo, ademais, estagnado por prazo superior a três anos mesmo após a última movimentação, ocorrida em dezembro de 2016”, registrou a julgadora.

O advogado Augusto Fauvel, que representou a empresa, explica que o tema da prescrição intercorrente das multas aduaneiras é objeto de intenso debate.

“A sentença traz enorme segurança jurídica para os contribuintes que possuem essa discussão no Carf envolvendo multas aduaneiras e que não conseguem o reconhecimento da prescrição em razão do uso indevido e a aplicação sumária da Súmula 11 do Carf”, afirma ele. 

Súmula 11 estabelece que não se aplica prescrição intercorrente para créditos tributários no processo administrativo fiscal. Fauvel, por sua vez, entende que não há dúvida da aplicação do prazo de três anos estabelecido na Lei 9873/99 em multas aduaneiras e outras não tributárias. 

“Lembrando que não é preciso aguardar o julgamento final no Carf, bastando observar o prazo de três anos caso o processo administrativo permaneça parado sem julgamento no Carf para buscar em juízo o reconhecimento da prescrição intercorrente das multas aduaneiras.”

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5005105-40.2021.4.03.6102

Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2023, 19h07

ARTIGO DA SEMANA – Contencioso Administrativo Fiscal de Baixa Complexidade

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

Regulamentando o art. 4º, da Medida Provisória nº 1.160/2023 (a mesma que restabeleceu o voto de qualidade em favor do fisco) foi publicada a Portaria MF nº 20/2023.

O art. 4º, da MP 1.160/2023, instituiu o conceito de contencioso administrativo de baixa complexidade, definindo-os como aqueles envolvendo lançamento fiscal ou controvérsia de valor superior a 60 salários-mínimos e até mil salários-mínimos.

O art. 4º, da MP 1.1160/2023, fazendo remissão ao art. 23, da Lei nº 13.988/2020, acabou por estabelecer que este contencioso administrativo de baixa de complexidade se encerrará no âmbito das Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ), ou seja, inviabilizando a revisão das decisões pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Deste, atualmente há três tipos de contencioso administrativo fiscal federal: (a) o normal, comum ou ordinário; (b) o de pequeno valor, para lançamentos fiscais ou controvérsias de até 60 salários-mínimos e (c) o de baixa complexidade, envolvendo lançamento fiscal ou controvérsia de valor superior a 60 salários-mínimos e até mil salários-mínimos.

No contencioso administrativo fiscal normal, comum ou ordinário, o julgamento de primeira instância compete às DRJs, a segunda instância fica na competência do CARF e ainda há a possibilidade de, se for o caso, ter acesso a uma Instância Especial, cuja competência é da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF.

Nos contenciosos administrativos de pequeno valor e de baixa complexidade, só há duas instâncias, ambas no âmbito das DRJs, tal como definido no art. 3º, da Portaria MF nº 20/2023[1].

Por mais que se entenda a necessidade de racionalizar procedimentos e reduzir o estoque de processos aguardando julgamento, a previsão de julgamentos envolvendo exigências fiscais ou controvérsias de até mil salários-mínimos sem acesso ao CARF não é a melhor a solução porque causa séria e indevida restrição ao amplo exercício do direito de defesa.  

As Delegacias de Julgamento, embora concebidas para trazer uma desejável dicotomia entre os auditores fiscais que realizam lançamentos e aqueles que participam de julgamentos, não alcançaram, infelizmente, o objetivo para o qual foram criadas.

À míngua de auditores fiscais suficientes com competência exclusiva para julgamento, as DRJs passaram a ter expressiva quantidade, quiçá a maioria, de julgadores originários da fiscalização e que podem retornar à atividade de lançamento de tributos após o término de seus mandatos nas Delegacias de Julgamento.

Consequentemente, sempre ressalvando as honrosas exceções, o julgador da DRJ tende a ser pouco imparcial, tendo em vista sua formação na ESAF e o exercício de atividades típicas de fiscalização e defesa do erário.

Além disso, por serem auditores fiscais de carreira, os julgadores das DRJs estão administrativa e funcionalmente vinculados às normas e orientações da Secretaria Especial da Receita Federal, o que limita a necessária liberdade de opinião nos julgamentos, inclusive quanto às suas convicções acadêmicas e/ou pessoais.

Também não se pode perder de vista que as sessões de julgamento nas DRJs não são públicas, de modo que a parte e/ou seus procuradores não conseguem saber quando serão realizados, o que também inviabiliza a entrega de memoriais aos julgadores e a realização de defesa oral por ocasião do julgamento.

Embora a Portaria MF 20/2023 disponha sobre a possibilidade de apresentação de sustentação oral gravada e encaminhada digitalmente[2], não há nenhuma garantia de que o vídeo será assistido pelos julgadores, que podem simplesmente descartá-lo.

Estas e outras críticas ao contencioso de baixa complexidade foram identificadas por relevantes entidades de classe  – Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT), Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Associação Paulista de Estudos Tributários (APET), Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), Instituto dos Advogados do Brasil (IAB NACIONAL), Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) e  Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB/SP) – e apresentadas ao Ministro da Fazenda com vistas à revogação do art. 4º, da MP 1.160/2023.

O que espanta é o retumbante silêncio da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Rio de Janeiro (OAB/RJ) sobre assunto tão impactante à advocacia fluminense.

Espantoso também é o silêncio do Conselho Federal da Ordem das Advogados do Brasil (OAB NACIONAL) acerca do art. 4º, da MP 1.160/2023, e sua iniciativa pouco corajosa de apresentar proposta de acordo, conjuntamente com o MF, para encerramento da ADI em que ataca o art. 1º, da referida Medida Provisória.

Tempos estranhos, diria o Min. Marco Aurélio…


[1] Art. 3º Compete às DRJs apreciar a impugnação ou a manifestação de inconformidade apresentada pelo sujeito passivo, observado o seguinte:

…………………………………………………………………………………………

II – em primeira instância, por decisão monocrática, a impugnação ou manifestação de inconformidade apresentada pelo sujeito passivo, em relação ao:

a) contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere sessenta salários-mínimos; e

b) contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia seja superior a sessenta salários-mínimos e não supere mil salários-mínimos; e

III – em última instância, por decisão colegiada, os recursos contra as decisões de que trata o inciso II.

[2] Art. 51. O sujeito passivo poderá, por ocasião do julgamento do recurso voluntário pela Turma Recursal, apresentar sustentação oral gravada e encaminhada digitalmente, nos termos e prazos estabelecidos pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda.  

Acordo entre governo e OAB mantém voto de qualidade no Carf sem multa

O governo federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fecharam um acordo sobre os limites do retorno do voto de qualidade ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). As informações são do Estadão.

No encontro, ocorrido nesta terça-feira (14/2), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; o presidente da OAB, Beto Simonetti; e o presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB, Marcus Vinicius Coelho Furtado, acertaram que, em caso de empate nos julgamentos do Carf, o voto continuará a favor do Fisco, mas não haverá multa ao contribuinte.

Com isso, a dívida a ser paga será acrescida apenas da taxa básica de juros (Selic), no momento em 13,75% ao ano. A formalização do acordo será entregue ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que relata a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) em que a OAB pediu a derrubada da medida provisória que reinstituiu o voto de qualidade.

Ainda segundo o Estadão, a OAB deve pedir, por meio de uma liminar na ADI, que o ministro considere o que ficou decidido no acordo. Além disso, uma emenda com os detalhes da negociação será submetida ao Congresso.

O retorno do voto de qualidade nos julgamentos do Carf foi anunciado como parte do pacote de medidas tributárias anunciadas por Haddad no dia 12 de janeiro, como forma de diminuir o estoque de processos administrativos do conselho. Controversa, a medida foi considerada um retrocesso, com potencial para aumentar a judicialização de contendas em tema tributário.

Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2023, 21h29

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