Juíza reconhece prescrição de processo parado há mais de três anos no Carf

Conforme determina a Lei 9.873/99 — que trata do prazo para o exercício da ação punitiva pela administração pública federal —, procedimentos administrativos paralisados por mais de três anos, pendentes de julgamento ou despacho, estão sujeitos à prescrição. 

Esse foi o fundamento adotado pela juíza Marina Gimenez Butkeraitis, da 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, para reconhecer a prescrição intercorrente e anular uma multa aduaneira relacionada a processo administrativo que ficou mais de três anos sem julgamento no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). 

A decisão foi provocada por mandado de segurança impetrado por uma empresa de importação e exportação. Na ação, a companhia relatou que questionou um auto de infração em 2016 e que, desde então, não houve qualquer movimentação relevante no processo. 

Ao analisar o caso, a magistrada explicou que, para a configuração da prescrição intercorrente, é preciso que haja o início do procedimento administrativo por citação válida; a paralisação do feito por mais de três anos; a ausência de ato inequívoco que importe apuração do fato; e, por fim, a falta de julgamento ou despacho. 

“Nestes termos, pelos elementos trazidos aos autos, não se verifica a ocorrência de qualquer ato inequívoco de apuração dos fatos capaz de interromper a fluência do prazo de prescrição da pretensão punitiva, encontrando-se o processo, ademais, estagnado por prazo superior a três anos mesmo após a última movimentação, ocorrida em dezembro de 2016”, registrou a julgadora.

O advogado Augusto Fauvel, que representou a empresa, explica que o tema da prescrição intercorrente das multas aduaneiras é objeto de intenso debate.

“A sentença traz enorme segurança jurídica para os contribuintes que possuem essa discussão no Carf envolvendo multas aduaneiras e que não conseguem o reconhecimento da prescrição em razão do uso indevido e a aplicação sumária da Súmula 11 do Carf”, afirma ele. 

Súmula 11 estabelece que não se aplica prescrição intercorrente para créditos tributários no processo administrativo fiscal. Fauvel, por sua vez, entende que não há dúvida da aplicação do prazo de três anos estabelecido na Lei 9873/99 em multas aduaneiras e outras não tributárias. 

“Lembrando que não é preciso aguardar o julgamento final no Carf, bastando observar o prazo de três anos caso o processo administrativo permaneça parado sem julgamento no Carf para buscar em juízo o reconhecimento da prescrição intercorrente das multas aduaneiras.”

Clique aqui para ler a decisão
Processo 5005105-40.2021.4.03.6102

Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2023, 19h07

ARTIGO DA SEMANA – Contencioso Administrativo Fiscal de Baixa Complexidade

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

Regulamentando o art. 4º, da Medida Provisória nº 1.160/2023 (a mesma que restabeleceu o voto de qualidade em favor do fisco) foi publicada a Portaria MF nº 20/2023.

O art. 4º, da MP 1.160/2023, instituiu o conceito de contencioso administrativo de baixa complexidade, definindo-os como aqueles envolvendo lançamento fiscal ou controvérsia de valor superior a 60 salários-mínimos e até mil salários-mínimos.

O art. 4º, da MP 1.1160/2023, fazendo remissão ao art. 23, da Lei nº 13.988/2020, acabou por estabelecer que este contencioso administrativo de baixa de complexidade se encerrará no âmbito das Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ), ou seja, inviabilizando a revisão das decisões pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Deste, atualmente há três tipos de contencioso administrativo fiscal federal: (a) o normal, comum ou ordinário; (b) o de pequeno valor, para lançamentos fiscais ou controvérsias de até 60 salários-mínimos e (c) o de baixa complexidade, envolvendo lançamento fiscal ou controvérsia de valor superior a 60 salários-mínimos e até mil salários-mínimos.

No contencioso administrativo fiscal normal, comum ou ordinário, o julgamento de primeira instância compete às DRJs, a segunda instância fica na competência do CARF e ainda há a possibilidade de, se for o caso, ter acesso a uma Instância Especial, cuja competência é da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF.

Nos contenciosos administrativos de pequeno valor e de baixa complexidade, só há duas instâncias, ambas no âmbito das DRJs, tal como definido no art. 3º, da Portaria MF nº 20/2023[1].

Por mais que se entenda a necessidade de racionalizar procedimentos e reduzir o estoque de processos aguardando julgamento, a previsão de julgamentos envolvendo exigências fiscais ou controvérsias de até mil salários-mínimos sem acesso ao CARF não é a melhor a solução porque causa séria e indevida restrição ao amplo exercício do direito de defesa.  

As Delegacias de Julgamento, embora concebidas para trazer uma desejável dicotomia entre os auditores fiscais que realizam lançamentos e aqueles que participam de julgamentos, não alcançaram, infelizmente, o objetivo para o qual foram criadas.

À míngua de auditores fiscais suficientes com competência exclusiva para julgamento, as DRJs passaram a ter expressiva quantidade, quiçá a maioria, de julgadores originários da fiscalização e que podem retornar à atividade de lançamento de tributos após o término de seus mandatos nas Delegacias de Julgamento.

Consequentemente, sempre ressalvando as honrosas exceções, o julgador da DRJ tende a ser pouco imparcial, tendo em vista sua formação na ESAF e o exercício de atividades típicas de fiscalização e defesa do erário.

Além disso, por serem auditores fiscais de carreira, os julgadores das DRJs estão administrativa e funcionalmente vinculados às normas e orientações da Secretaria Especial da Receita Federal, o que limita a necessária liberdade de opinião nos julgamentos, inclusive quanto às suas convicções acadêmicas e/ou pessoais.

Também não se pode perder de vista que as sessões de julgamento nas DRJs não são públicas, de modo que a parte e/ou seus procuradores não conseguem saber quando serão realizados, o que também inviabiliza a entrega de memoriais aos julgadores e a realização de defesa oral por ocasião do julgamento.

Embora a Portaria MF 20/2023 disponha sobre a possibilidade de apresentação de sustentação oral gravada e encaminhada digitalmente[2], não há nenhuma garantia de que o vídeo será assistido pelos julgadores, que podem simplesmente descartá-lo.

Estas e outras críticas ao contencioso de baixa complexidade foram identificadas por relevantes entidades de classe  – Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT), Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Associação Paulista de Estudos Tributários (APET), Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), Instituto dos Advogados do Brasil (IAB NACIONAL), Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) e  Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB/SP) – e apresentadas ao Ministro da Fazenda com vistas à revogação do art. 4º, da MP 1.160/2023.

O que espanta é o retumbante silêncio da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Rio de Janeiro (OAB/RJ) sobre assunto tão impactante à advocacia fluminense.

Espantoso também é o silêncio do Conselho Federal da Ordem das Advogados do Brasil (OAB NACIONAL) acerca do art. 4º, da MP 1.160/2023, e sua iniciativa pouco corajosa de apresentar proposta de acordo, conjuntamente com o MF, para encerramento da ADI em que ataca o art. 1º, da referida Medida Provisória.

Tempos estranhos, diria o Min. Marco Aurélio…


[1] Art. 3º Compete às DRJs apreciar a impugnação ou a manifestação de inconformidade apresentada pelo sujeito passivo, observado o seguinte:

…………………………………………………………………………………………

II – em primeira instância, por decisão monocrática, a impugnação ou manifestação de inconformidade apresentada pelo sujeito passivo, em relação ao:

a) contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere sessenta salários-mínimos; e

b) contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia seja superior a sessenta salários-mínimos e não supere mil salários-mínimos; e

III – em última instância, por decisão colegiada, os recursos contra as decisões de que trata o inciso II.

[2] Art. 51. O sujeito passivo poderá, por ocasião do julgamento do recurso voluntário pela Turma Recursal, apresentar sustentação oral gravada e encaminhada digitalmente, nos termos e prazos estabelecidos pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda.  

Acordo entre governo e OAB mantém voto de qualidade no Carf sem multa

O governo federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fecharam um acordo sobre os limites do retorno do voto de qualidade ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). As informações são do Estadão.

No encontro, ocorrido nesta terça-feira (14/2), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; o presidente da OAB, Beto Simonetti; e o presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB, Marcus Vinicius Coelho Furtado, acertaram que, em caso de empate nos julgamentos do Carf, o voto continuará a favor do Fisco, mas não haverá multa ao contribuinte.

Com isso, a dívida a ser paga será acrescida apenas da taxa básica de juros (Selic), no momento em 13,75% ao ano. A formalização do acordo será entregue ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que relata a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) em que a OAB pediu a derrubada da medida provisória que reinstituiu o voto de qualidade.

Ainda segundo o Estadão, a OAB deve pedir, por meio de uma liminar na ADI, que o ministro considere o que ficou decidido no acordo. Além disso, uma emenda com os detalhes da negociação será submetida ao Congresso.

O retorno do voto de qualidade nos julgamentos do Carf foi anunciado como parte do pacote de medidas tributárias anunciadas por Haddad no dia 12 de janeiro, como forma de diminuir o estoque de processos administrativos do conselho. Controversa, a medida foi considerada um retrocesso, com potencial para aumentar a judicialização de contendas em tema tributário.

Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2023, 21h29

Publicado acórdão da CSRF afirmando que não incide contribuição previdenciária sobre o bônus de retenção

09 de fevereiro de 2023 | PAF 10314.729353/2014-19 | 2ª Turma da CSRF

A Turma, por maioria, entendeu que não integra o salário de contribuição o pagamento único de bônus por força de cláusula acessória ao contrato de trabalho, que não objetiva a retribuição do trabalho, mas sim uma indenização por uma perda laboral relativa, consistente na impossibilidade de o empregado se desligar da empresa durante determinado período (bônus de retenção). Nesse sentido, os Conselheiros consignaram que o pagamento percebido pelo empregado terá natureza salarial quando este for resultado do serviço prestado, pelo tempo à disposição, quando for o caso de interrupção do efeito do contrato de trabalho, ou por força do contrato, individual ou coletivo, de trabalho. Assim, o bônus de retenção não ostenta natureza remuneratória, posto que não decorre de prestação de serviços de pessoa física e sim de mera obrigação de fazer, manutenção do contrato de trabalho pelo tempo avençado, não relacionada ao fato gerador das contribuições previdenciárias.

Clique aqui para acessar o inteiro teor

Fonte: Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados

O CARF, o voto de qualidade e o in dubio pro reo

E eis que a Medida Provisória (MP) 1.160/2023 acabou com a proclamação de resultado em favor dos contribuintes quando, no contencioso administrativo fiscal, haja empate no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que fora uma inovação ocorrida em 2020. Em outras palavras, a nova MP retomou o voto de qualidade, ou seja, a prevalência do voto dos presidentes das câmaras ou das turmas do administrativo julgador (sempre conselheiros representantes da Fazenda) quando haja empate. A MP parece-me adequada quanto ao lançamento do tributo propriamente, mas de todo inaplicável no que diz respeito às penalidades. Explico.

O CARF goza de autonomia em face dos órgãos de fiscalização tributária. A par da sua composição paritária, vale destacar que, consoante o Parecer PGFN/CJU/COJPN 787/2014, “como os representantes da Fazenda no CARF não estão jungidos às diretrizes emanadas da RFB, mas sim à legalidade, atuam com independência técnica”. Ademais, o recurso ao CARF visa a desconstituir lançamento efetuado por auditor fiscal da Receita Federal do Brasil e já mantido por Delegacia da Receita Federal de Julgamentos (DRJ). O empate no CARF implica ausência de votos suficientes para a sua anulação administrativa. Em suma, quando há empate, tem-se situação em que o contribuinte não logrou obter maioria suficiente para a desconstituição do lançamento contra ele realizado. Nada a opor à proclamação do resultado com efeito de manutenção do lançamento quanto ao tributo, portanto, até porque o sistema não contempla o pretenso princípio in dubio pro contribuinte. O fim do voto de qualidade fora opção política estampada em dispositivo legal hoje revogado, o art. 19-E da Lei 10.522 (acrescido pela Lei 13.988/2020 e revogado pela MP 1.160/2023). E a via judicial segue aberta ao contribuinte.

No que diz respeito à multa, porém, situa-se no subsistema inerente à repressão de ilícitos, que pressupõe, inclusive, a concorrência de elemento subjetivo de culpa ou dolo. Efetivamente, o art. 136 do CTN, ao dispor que a responsabilidade por infrações independe da intenção do agente, não consagra responsabilidade objetiva, limitando-se, isto sim, a autorizar a punição não apenas dos ilícitos administrativos fiscais praticados com dolo, como também daqueles praticados com culpa. Pertinentes à matéria são os princípios gerais de direito sancionador, de aplicação mais corriqueira e inequívoca no Direito Penal, mas também aplicáveis em matéria de infrações administrativas, como a pessoalidade, a culpabilidade, a proporcionalidade e a presunção da inocência, da qual se extrai o in dubio pro reo. O Código Tributário Nacional (CTN) é expresso a respeito em seu art. 112, quando afirma que a lei tributária que define infrações, ou lhes comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida, e.g., quanto “à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou à extensão dos seus efeitos”. Em matéria de penalidades, portanto, por força de princípio constitucional e de dispositivo do próprio Código Tributário Nacional, o empate tem de favorecer aquele a quem se imputou a infração, desconstituindo a multa.

Ao ensejo da MP 1.160/2023, temos a oportunidade, portanto, de avançar para aplicar melhor o Direito. Embora seja constitucional a retomada do voto de qualidade, não pode ser aplicado em matéria de penalidades. Sobrevindo empate no âmbito do CARF, seja por força do princípio constitucional in dubio pro reo, seja pela norma geral em matéria de legislação tributária inserta no art. 112 do CTN, resta desconstituída a multa.

Leandro Paulsen 

Desembargador federal, Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte

Fonte: Direito Hoje – Emagis – TRF4

×