Publicado acórdão da CSRF afirmando que não incide contribuição previdenciária sobre o bônus de retenção

09 de fevereiro de 2023 | PAF 10314.729353/2014-19 | 2ª Turma da CSRF

A Turma, por maioria, entendeu que não integra o salário de contribuição o pagamento único de bônus por força de cláusula acessória ao contrato de trabalho, que não objetiva a retribuição do trabalho, mas sim uma indenização por uma perda laboral relativa, consistente na impossibilidade de o empregado se desligar da empresa durante determinado período (bônus de retenção). Nesse sentido, os Conselheiros consignaram que o pagamento percebido pelo empregado terá natureza salarial quando este for resultado do serviço prestado, pelo tempo à disposição, quando for o caso de interrupção do efeito do contrato de trabalho, ou por força do contrato, individual ou coletivo, de trabalho. Assim, o bônus de retenção não ostenta natureza remuneratória, posto que não decorre de prestação de serviços de pessoa física e sim de mera obrigação de fazer, manutenção do contrato de trabalho pelo tempo avençado, não relacionada ao fato gerador das contribuições previdenciárias.

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Fonte: Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados

O CARF, o voto de qualidade e o in dubio pro reo

E eis que a Medida Provisória (MP) 1.160/2023 acabou com a proclamação de resultado em favor dos contribuintes quando, no contencioso administrativo fiscal, haja empate no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que fora uma inovação ocorrida em 2020. Em outras palavras, a nova MP retomou o voto de qualidade, ou seja, a prevalência do voto dos presidentes das câmaras ou das turmas do administrativo julgador (sempre conselheiros representantes da Fazenda) quando haja empate. A MP parece-me adequada quanto ao lançamento do tributo propriamente, mas de todo inaplicável no que diz respeito às penalidades. Explico.

O CARF goza de autonomia em face dos órgãos de fiscalização tributária. A par da sua composição paritária, vale destacar que, consoante o Parecer PGFN/CJU/COJPN 787/2014, “como os representantes da Fazenda no CARF não estão jungidos às diretrizes emanadas da RFB, mas sim à legalidade, atuam com independência técnica”. Ademais, o recurso ao CARF visa a desconstituir lançamento efetuado por auditor fiscal da Receita Federal do Brasil e já mantido por Delegacia da Receita Federal de Julgamentos (DRJ). O empate no CARF implica ausência de votos suficientes para a sua anulação administrativa. Em suma, quando há empate, tem-se situação em que o contribuinte não logrou obter maioria suficiente para a desconstituição do lançamento contra ele realizado. Nada a opor à proclamação do resultado com efeito de manutenção do lançamento quanto ao tributo, portanto, até porque o sistema não contempla o pretenso princípio in dubio pro contribuinte. O fim do voto de qualidade fora opção política estampada em dispositivo legal hoje revogado, o art. 19-E da Lei 10.522 (acrescido pela Lei 13.988/2020 e revogado pela MP 1.160/2023). E a via judicial segue aberta ao contribuinte.

No que diz respeito à multa, porém, situa-se no subsistema inerente à repressão de ilícitos, que pressupõe, inclusive, a concorrência de elemento subjetivo de culpa ou dolo. Efetivamente, o art. 136 do CTN, ao dispor que a responsabilidade por infrações independe da intenção do agente, não consagra responsabilidade objetiva, limitando-se, isto sim, a autorizar a punição não apenas dos ilícitos administrativos fiscais praticados com dolo, como também daqueles praticados com culpa. Pertinentes à matéria são os princípios gerais de direito sancionador, de aplicação mais corriqueira e inequívoca no Direito Penal, mas também aplicáveis em matéria de infrações administrativas, como a pessoalidade, a culpabilidade, a proporcionalidade e a presunção da inocência, da qual se extrai o in dubio pro reo. O Código Tributário Nacional (CTN) é expresso a respeito em seu art. 112, quando afirma que a lei tributária que define infrações, ou lhes comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida, e.g., quanto “à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou à extensão dos seus efeitos”. Em matéria de penalidades, portanto, por força de princípio constitucional e de dispositivo do próprio Código Tributário Nacional, o empate tem de favorecer aquele a quem se imputou a infração, desconstituindo a multa.

Ao ensejo da MP 1.160/2023, temos a oportunidade, portanto, de avançar para aplicar melhor o Direito. Embora seja constitucional a retomada do voto de qualidade, não pode ser aplicado em matéria de penalidades. Sobrevindo empate no âmbito do CARF, seja por força do princípio constitucional in dubio pro reo, seja pela norma geral em matéria de legislação tributária inserta no art. 112 do CTN, resta desconstituída a multa.

Leandro Paulsen 

Desembargador federal, Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte

Fonte: Direito Hoje – Emagis – TRF4

Estatais e empresas de economia mista discutem mais de R$ 37 bilhões no Carf

Pelo menos R$ 37 bilhões em autuações fiscais são objeto de discussão em processos envolvendo empresas estatais e de economia mista no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Desse total, cerca de R$ 35 bilhões são referentes a disputas da Petrobras.

Na última semana, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), última instância do Carf, analisou dois processos da petrolífera, que saiu derrotada em R$ 5,7 bilhões. As informações são do Valor Econômico.

Na ocasião, foi aplicado o voto de qualidade — o desempate feito pelo presidente da turma julgadora, representante do Fisco. Esse mecanismo retornou aos julgamentos do tribunal administrativo no mês passado, a partir de um pacote econômico lançado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Como a medida gerou protestos, o Carf suspendeu os julgamentos desta semana, à espera de negociações do governo federal com os contribuintes.

Além da Petrobras, bancos públicos também litigam no Carf. Na última semana, o Banco do Brasil perdeu uma disputa de R$ 2,2 bilhões, relativa a supostas diferenças de contribuição previdenciária patronal e outras contribuições sociais sobre auxílio-alimentação e participação nos lucros e resultados (PLR) concedidos aos empregados.

A instituição financeira ainda pode recorrer à CSRF. Além disso, possui vários recursos administrativos já submetidos e pendentes de julgamento.

Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem um caso com valor de R$ 12 milhões, que trata da tributação de auxílio-alimentação pago aos empregados. A Advocacia-Geral da União já opinou que o benefício não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias.

Por fim, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) tem 177 ações em trâmite na esfera administrativa, relativas a um total de R$ 52,4 milhões. Os processos se referem a operações nos terminais de carga de alguns aeroportos.

O Banco do Nordeste também possui discussões no Carf, mas não revela os valores em questão.

Todas as empresas mencionadas indicam que podem levar os casos ao Judiciário caso se esgote a via administrativa e haja possibilidade de vitória.

Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2023, 10h43

Partidos questionam medida provisória que retoma voto de qualidade no Carf

Os partidos Progressistas (PP) e Republicanos ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7353, contra medida provisória que retoma o voto de qualidade para desempatar julgamentos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

O Carf é um órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, formado por representantes do Estado e da sociedade, com atribuição de julgar, em segunda instância administrativa, litígios tributários e aduaneiros. A Medida Provisória 1.160/2023, assinada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, prevê que, em caso de empate no julgamento, o voto de qualidade será proferido por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, na qualidade de presidentes das turmas e das câmaras de recursos fiscais.

Na ação, os partidos alegam que não estão presentes os requisitos constitucionais de relevância e urgência para a edição de medida provisória. “Para o retorno do voto de qualidade em favor do fisco, a exposição de motivos se limitou a alegar que essa revogação iria aumentar a arrecadação”, argumentam.

Argumentam também que houve ofensa à separação dos Poderes, pois a Lei 13.988/2020 extinguiu o voto de qualidade no Carf e estabeleceu que, em casos de empate, a decisão deveria ser favorável ao contribuinte. Para as legendas, a edição da MP invade a competência do Legislativo. “O presidente da República tenta, por iniciativa própria, e sem a observância dos pressupostos de relevância e urgência, revogar a Lei 13.988/2020 e passar por cima de lei legitimamente aprovada pelo Poder Legislativo”, sustentam.

SP/AD//CF

Fonte: Notícias do STF

Garantia plutocrática: o governo quer o Carf só para ricos

Por Fernando Facury Scaff

A Medida Provisória 1.160/23 introduziu duas medidas negativas: umaprincipiológica, pois fez retornar o famigerado voto de qualidade, quando o princípio jurídico é in dubio pro contribuinte, vigorando assim a presunção de inocênciao que já comentei; e outra plutocrática, isto é, em prol dos ricos (plutocracia = ploutos que significa riqueza + kratos, que significa poder), ao elevar exponencialmente os valores para admissibilidade de recurso ao Carf.

É fácil a compreensão: após a MP 1.160/23 o “contencioso de pequeno valor” passou a ser de 1.000 salários-mínimos (R$ 1,3 milhão); antesera de 60 salários-mínimos (R$ 78.120,00).

Teoricamente quem tem problemas fiscais acima de R$ 1,3 milhão possui muito maior capacidade econômica do que aqueles que possuem problemas fiscais da ordem de R$ 78.120. É claro que isso é um pressuposto, pois pode ocorrer de uma riquíssima pessoa, física ou jurídica, ter um problema tributário de pequeno valor; e outra, paupérrima, ter um problema de grande monta. Mas, convenhamos, esta segunda hipótese é muito menos provável em se tratando de imposto de renda, Pis, Cofins e outros tributos federais, que dimensionam a receita a partir do porte econômico dos contribuintes.

Ocorre que a alteração efetuada acarretou a seguinte esdrúxula situação: ao 1º grupo (o “rico“) está assegurado o duplo grau de julgamento, através de um colegiado composto de forma paritária entre servidores fiscais e contribuintes (o Carf); quem está no 2º grupo (o “pobre”) não terá direito a novo julgamento administrativo, por órgão nenhum. 

Para os “pobres” restará confiar apenas no 1º grau de julgamento, que são as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJs), compostas de forma colegiada exclusivamente por servidores fazendários. O problema não está em serem servidores da Receita Federal, mas em não haver a possibilidade de recurso voluntário, em caso de decisão contrária ao contribuinte que impugnar um Auto de Infração de valor inferior ao novo valor de alçada (R$ 1,3 milhão). Além disso, como alerta Hugo de Brito Machado Segundo, os julgadores de 1ª instância estão vinculados a toda uma gama de normas administrativas, muitas demais ilegais, que só o Carf tem poder para afastar.

O pior é a justificativa constante da Exposição de Motivos da MP 1.160/23, onde se lê que esse parâmetro advém do valor estipulado no inciso I do §3º do art. 496 do CPC, que dispõe sobre o limite de alçada da remessa necessária, no caso de sentença proferida contra a União ou que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal”. Que leitura torta! “Remessa necessária”, conforme o CPC, decorre de decisão contrária à Fazenda Pública; no caso do contencioso administrativo-fiscal, o que foi travado pela alta alçada estabelecida é o recurso voluntário do contribuinte que perdeu o julgamento em 1ª instância! Melhor seria manter os 60 salários-mínimos, correlacionando com a limitação dos Juizados Especiais Cíveis (JECs) dos estados e municípios, como destacou Suzy Hoffmann.

Consta ainda da Exposição de Motivos que “a ampliação do limite de alçada poderá reduzir em cerca de 70% (setenta por cento) a quantidade de processos encaminhados ao Carf, o que poderá reduzir o tempo médio para o órgão entrar no fluxo para 2,27 anos”. Só esse dado demonstra que o volume de processos (e de pessoas) atingidas pela norma será gigantesco, exatamente o grupo que é pretensamente “mais pobre”.

Cabe lembrar que o Carf é um tribunal administrativo amplamente democrático, não só pela sua composição paritária, mas também porque prescinde de advogados para nele atuar. Conheço incontáveis processos em que o próprio contribuinte pessoa física apresentou sua defesa e foi vitorioso. Empresários e seus contadores também estão habilitados a defender diretamente seus direitos perante o Carf. Claro que estarão sempre melhor defendidos por advogados especializados na matéria sob análise, mas a possibilidade de defesa pelo próprio contribuinte é uma das características desse conselho.

O que vai desafogar o Carf em número de processos, entulhará o Judiciário. E, ainda pior, é rotina no Judiciário exigir que seja efetuada garantia dos valores em discussão, o que implica na oferta de bens ou na contratação de caríssimos seguros ou cartas de fiança bancária para o exercício de sua defesa. Ou seja, a vida piorará para quem tem um problema fiscal abaixo de R$ 1,3 milhão.

Se isto não for considerado uma garantia plutocrática não sei o que mais poderá ser.

Diversas inconstitucionalidades podem ser identificadas nessa medida, mas prefiro seguir outro caminho e ser propositivo: que tal estabelecer que para esses processos abaixo da alçada a exigibilidade do crédito só possa ocorrer após decisão de segunda instância judicial? A Fazenda Nacional poderá até promover a execução fiscal, mas as CNDs continuarão a ser expedidas com efeito negativo, e a defesa poderá ocorrer através de embargos sem apresentação de garantia. Será que a União topa essa alteração no sistema?

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 6 de fevereiro de 2023, 8h00

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