Estatais e empresas de economia mista discutem mais de R$ 37 bilhões no Carf

Pelo menos R$ 37 bilhões em autuações fiscais são objeto de discussão em processos envolvendo empresas estatais e de economia mista no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Desse total, cerca de R$ 35 bilhões são referentes a disputas da Petrobras.

Na última semana, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), última instância do Carf, analisou dois processos da petrolífera, que saiu derrotada em R$ 5,7 bilhões. As informações são do Valor Econômico.

Na ocasião, foi aplicado o voto de qualidade — o desempate feito pelo presidente da turma julgadora, representante do Fisco. Esse mecanismo retornou aos julgamentos do tribunal administrativo no mês passado, a partir de um pacote econômico lançado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Como a medida gerou protestos, o Carf suspendeu os julgamentos desta semana, à espera de negociações do governo federal com os contribuintes.

Além da Petrobras, bancos públicos também litigam no Carf. Na última semana, o Banco do Brasil perdeu uma disputa de R$ 2,2 bilhões, relativa a supostas diferenças de contribuição previdenciária patronal e outras contribuições sociais sobre auxílio-alimentação e participação nos lucros e resultados (PLR) concedidos aos empregados.

A instituição financeira ainda pode recorrer à CSRF. Além disso, possui vários recursos administrativos já submetidos e pendentes de julgamento.

Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem um caso com valor de R$ 12 milhões, que trata da tributação de auxílio-alimentação pago aos empregados. A Advocacia-Geral da União já opinou que o benefício não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias.

Por fim, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) tem 177 ações em trâmite na esfera administrativa, relativas a um total de R$ 52,4 milhões. Os processos se referem a operações nos terminais de carga de alguns aeroportos.

O Banco do Nordeste também possui discussões no Carf, mas não revela os valores em questão.

Todas as empresas mencionadas indicam que podem levar os casos ao Judiciário caso se esgote a via administrativa e haja possibilidade de vitória.

Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2023, 10h43

Partidos questionam medida provisória que retoma voto de qualidade no Carf

Os partidos Progressistas (PP) e Republicanos ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7353, contra medida provisória que retoma o voto de qualidade para desempatar julgamentos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

O Carf é um órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, formado por representantes do Estado e da sociedade, com atribuição de julgar, em segunda instância administrativa, litígios tributários e aduaneiros. A Medida Provisória 1.160/2023, assinada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, prevê que, em caso de empate no julgamento, o voto de qualidade será proferido por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, na qualidade de presidentes das turmas e das câmaras de recursos fiscais.

Na ação, os partidos alegam que não estão presentes os requisitos constitucionais de relevância e urgência para a edição de medida provisória. “Para o retorno do voto de qualidade em favor do fisco, a exposição de motivos se limitou a alegar que essa revogação iria aumentar a arrecadação”, argumentam.

Argumentam também que houve ofensa à separação dos Poderes, pois a Lei 13.988/2020 extinguiu o voto de qualidade no Carf e estabeleceu que, em casos de empate, a decisão deveria ser favorável ao contribuinte. Para as legendas, a edição da MP invade a competência do Legislativo. “O presidente da República tenta, por iniciativa própria, e sem a observância dos pressupostos de relevância e urgência, revogar a Lei 13.988/2020 e passar por cima de lei legitimamente aprovada pelo Poder Legislativo”, sustentam.

SP/AD//CF

Fonte: Notícias do STF

Garantia plutocrática: o governo quer o Carf só para ricos

Por Fernando Facury Scaff

A Medida Provisória 1.160/23 introduziu duas medidas negativas: umaprincipiológica, pois fez retornar o famigerado voto de qualidade, quando o princípio jurídico é in dubio pro contribuinte, vigorando assim a presunção de inocênciao que já comentei; e outra plutocrática, isto é, em prol dos ricos (plutocracia = ploutos que significa riqueza + kratos, que significa poder), ao elevar exponencialmente os valores para admissibilidade de recurso ao Carf.

É fácil a compreensão: após a MP 1.160/23 o “contencioso de pequeno valor” passou a ser de 1.000 salários-mínimos (R$ 1,3 milhão); antesera de 60 salários-mínimos (R$ 78.120,00).

Teoricamente quem tem problemas fiscais acima de R$ 1,3 milhão possui muito maior capacidade econômica do que aqueles que possuem problemas fiscais da ordem de R$ 78.120. É claro que isso é um pressuposto, pois pode ocorrer de uma riquíssima pessoa, física ou jurídica, ter um problema tributário de pequeno valor; e outra, paupérrima, ter um problema de grande monta. Mas, convenhamos, esta segunda hipótese é muito menos provável em se tratando de imposto de renda, Pis, Cofins e outros tributos federais, que dimensionam a receita a partir do porte econômico dos contribuintes.

Ocorre que a alteração efetuada acarretou a seguinte esdrúxula situação: ao 1º grupo (o “rico“) está assegurado o duplo grau de julgamento, através de um colegiado composto de forma paritária entre servidores fiscais e contribuintes (o Carf); quem está no 2º grupo (o “pobre”) não terá direito a novo julgamento administrativo, por órgão nenhum. 

Para os “pobres” restará confiar apenas no 1º grau de julgamento, que são as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJs), compostas de forma colegiada exclusivamente por servidores fazendários. O problema não está em serem servidores da Receita Federal, mas em não haver a possibilidade de recurso voluntário, em caso de decisão contrária ao contribuinte que impugnar um Auto de Infração de valor inferior ao novo valor de alçada (R$ 1,3 milhão). Além disso, como alerta Hugo de Brito Machado Segundo, os julgadores de 1ª instância estão vinculados a toda uma gama de normas administrativas, muitas demais ilegais, que só o Carf tem poder para afastar.

O pior é a justificativa constante da Exposição de Motivos da MP 1.160/23, onde se lê que esse parâmetro advém do valor estipulado no inciso I do §3º do art. 496 do CPC, que dispõe sobre o limite de alçada da remessa necessária, no caso de sentença proferida contra a União ou que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal”. Que leitura torta! “Remessa necessária”, conforme o CPC, decorre de decisão contrária à Fazenda Pública; no caso do contencioso administrativo-fiscal, o que foi travado pela alta alçada estabelecida é o recurso voluntário do contribuinte que perdeu o julgamento em 1ª instância! Melhor seria manter os 60 salários-mínimos, correlacionando com a limitação dos Juizados Especiais Cíveis (JECs) dos estados e municípios, como destacou Suzy Hoffmann.

Consta ainda da Exposição de Motivos que “a ampliação do limite de alçada poderá reduzir em cerca de 70% (setenta por cento) a quantidade de processos encaminhados ao Carf, o que poderá reduzir o tempo médio para o órgão entrar no fluxo para 2,27 anos”. Só esse dado demonstra que o volume de processos (e de pessoas) atingidas pela norma será gigantesco, exatamente o grupo que é pretensamente “mais pobre”.

Cabe lembrar que o Carf é um tribunal administrativo amplamente democrático, não só pela sua composição paritária, mas também porque prescinde de advogados para nele atuar. Conheço incontáveis processos em que o próprio contribuinte pessoa física apresentou sua defesa e foi vitorioso. Empresários e seus contadores também estão habilitados a defender diretamente seus direitos perante o Carf. Claro que estarão sempre melhor defendidos por advogados especializados na matéria sob análise, mas a possibilidade de defesa pelo próprio contribuinte é uma das características desse conselho.

O que vai desafogar o Carf em número de processos, entulhará o Judiciário. E, ainda pior, é rotina no Judiciário exigir que seja efetuada garantia dos valores em discussão, o que implica na oferta de bens ou na contratação de caríssimos seguros ou cartas de fiança bancária para o exercício de sua defesa. Ou seja, a vida piorará para quem tem um problema fiscal abaixo de R$ 1,3 milhão.

Se isto não for considerado uma garantia plutocrática não sei o que mais poderá ser.

Diversas inconstitucionalidades podem ser identificadas nessa medida, mas prefiro seguir outro caminho e ser propositivo: que tal estabelecer que para esses processos abaixo da alçada a exigibilidade do crédito só possa ocorrer após decisão de segunda instância judicial? A Fazenda Nacional poderá até promover a execução fiscal, mas as CNDs continuarão a ser expedidas com efeito negativo, e a defesa poderá ocorrer através de embargos sem apresentação de garantia. Será que a União topa essa alteração no sistema?

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 6 de fevereiro de 2023, 8h00

Presidente do Carf suspende sessões do tribunal entre os dias 7 e 9 deste mês

O presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Carlos Higino Ribeiro de Alencar, suspendeu as sessões de julgamento do tribunal entre os dias 7 e 9 deste mês.

A portaria com a decisão já foi publicada. A medida foi motivada pela discussão que envolve os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo sobre a medida provisória que restabeleceu o chamado voto de qualidade, aquele que dá vitória à União em caso de empate em um julgamento.

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, deu prazo de três dias para que o governo preste informações sobre a MP.  O magistrado é o relator da ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a MP.

“A suspensão é um reflexo do grande movimento de contribuintes que, nos últimos dias, buscaram, no Judiciário, a retirada de processos pautados após a vigência da Medida Provisória nº 1.160, de 2023. É coerente por parte do presidente do Conselho, pois, no fim do dia, preserva a segurança jurídica, sobretudo em face aos diversos questionamentos que têm sido levantados sobre a legalidade da alteração da dinâmica do voto de qualidade”, comenta Augusto de Albuquerque Paludo, sócio da banca Covac Sociedade de Advogados.

Clique aqui para ler a portaria

Revista Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2023, 19h32

ARTIGO DA SEMANA – Por que as presidências no CARF são privativas de representantes da Fazenda Nacional?

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da FGV Direito-Rio e do IAG/PUC-Rio.

A polêmica envolvendo o voto de qualidade a favor do fisco nos julgamentos do CARF caminha para uma rápida solução judicial.

Com o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7347, o Conselho Federal da OAB submeteu a apreciação do tema ao STF e o Min. Dias Toffoli, Relator, já decidiu que há necessidade de exame da medida cautelar pleiteada.

Independentemente daquilo que o STF decidirá sobre a MP 1.1160/2023, a verdade é que o fim do voto do qualidade pró contribuinte deixa claro a posição sempre defendida pelo fisco sobre o processo administrativo fiscal.

Para o fisco, o processo administrativo fiscal poderia se encerrar na primeira instância e a presença de representantes dos contribuintes não é bem-vinda.

Muito antes de retornar ao voto de qualidade a favor do fisco, já houve norma federal – seguida por muitos Estados e Municípios – prevendo um depósito recursal de 30% (trinta por cento) do valor da exigência fiscal como requisito para a interposição de recursos aos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda, sucedidos pelo CARF.    

Já naquela época o recado era bem claro: acesso à segunda instância é uma benesse; querendo recorrer, pague caro por isso.

Espantosamente, o STF, num primeiro momento, não enxergou mal nenhum no tal depósito recursal. Apenas numa nova apreciação do tema é que concluiu-se o óbvio: obrigar o contribuinte a depositar 30% da exigência fiscal para que seu recurso seja apreciado faz com que a defesa não seja ampla e restringe o meios de recursos inerentes a seu exercício.

Também é preciso lembrar de um fato curioso envolvendo a segunda instância no processo administrativo fiscal da União: embora a composição dos órgãos julgadores seja paritária, a presidência deste órgãos nunca recai sobre os representantes dos contribuintes.

Os Regimentos Internos do Conselho e as alterações introduzidas ao Decreto nº 70.235/72 deixam claro que a Presidência de Seções, Câmaras, Turmas Julgadoras e do próprio CARF sempre recairá sobre representantes da fazenda nacional, vale dizer, Auditores Fiscais da Receita Federal.

Portanto, a presença de representantes dos contribuintes é tolerada, mas a paridade na composição dos órgãos julgadores não é plena, na medida em que é vedado aos representantes dos contribuintes assumirem a presidência.

Neste aspecto, a legislação tributária do Estado do Rio de Janeiro acaba por ser mais justa, tendo em vista que, mesmo mantendo o voto de qualidade, não prevê que todas as Câmaras, tampouco o Conselho de Contribuintes do Estado, será obrigatoriamente presidido por representantes da Fazenda Pública Estadual.

Consequentemente, na legislação tributária fluminense a paridade é plena porque os votos de todos os Conselheiros terão o mesmo peso.  

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