Parecer da Fazenda limita exclusão de multas após derrota no Carf por voto de qualidade

Para especialistas, entendimento adotado pela PGFN para benefício deve gerar judicialização

Ministério da Fazenda editou parecer sobre a possibilidade de afastamento de multas em pagamento de dívida após derrota em julgamento no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) por voto de qualidade – o desempate pelo presidente da turma julgadora, representante do Fisco. A norma, de no 943, segundo tributaristas, restringe o benefício, previsto na Lei do Carf (no 14.689/2023), e deve gerar judicialização.

Nas suas 52 páginas, o documento, elaborado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), lista 16 conclusões. Para especialistas, acaba inibindo a interposição de recurso no Carf, cerceando o direito de defesa do contribuinte.

De acordo com o órgão, se a empresa recorrer à Câmara Superior de decisão por voto de qualidade e o modelo de desempate não for aplicado na última instância do tribunal administrativo, perde o direito à exclusão das multas. Também entende que as multas aduaneiras não devem ser afastadas e as isoladas só em casos específicos.

O entendimento dos contribuintes, porém, é o de que qualquer derrota por qualidade garante o afastamento de todas das multas – de ofício, isolada ou aduaneira. Segundo advogados tributaristas, o parecer, que é a primeira manifestação formal do governo após a aprovação da nova Lei do Carf, resolve certos anseios e dúvidas. No entanto, inova ao restringir demais o disposto na legislação aprovada.

Enquanto alguns especialistas pretendem brigar na Câmara Superior do Carf pela tese de que a multa deve ser afastada em qualquer hipótese, outros pensam em desistir de recurso para discutir a questão no Judiciário.

Esse movimento ainda é incipiente, pois o parecer foi divulgado no dia 8 e não tem caráter definitivo ou vinculativo – é uma orientação. Porém, demonstra como os conselheiros da Fazenda devem aplicar a nova lei. Pelos dados públicos do tribunal administrativo, apenas um recurso especial foi retirado de pauta neste mês e outros sete mudaram de data.

A discussão começou com a publicação da Lei do Carf, que retomou o voto de qualidade. Até então, o desempate beneficiava o contribuinte. Após negociações, a lei foi aprovada com a possibilidade de exclusão das multas e cancelamento da representação fiscal para fins penais, “na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade”.

O ponto de maior controvérsia para os tributaristas é a interpretação da Fazenda de que a decisão da Câmara Superior, quanto à exclusão das multas, se sobrepõe à da turma. “Entendo que o contribuinte não pode ser prejudicado pelo direito de entrar com recurso”, afirma o advogado Alessandro Mendes Cardoso, sócio do escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados.

Segundo ele, todo o parecer da Fazenda parte do pressuposto de que o afastamento da multa se aplica nas decisões de mérito em que se discute a exigência do tributo. “Quando aplica esse pressuposto para casos concretos, existem situações em que tentam reduzir o âmbito de eficácia da norma, em certo sentido até abusivo, quando define o que são questões de mérito e processuais.”

Ele cita a limitação feita ao não afastamento das multas aduaneiras, isoladas e da discussão sobre a responsabilidade tributária. “São itens que a Fazenda entendeu que, mesmo julgados por qualidade, pela natureza das discussões, não seriam abrangidos pela norma”, diz.

O tributarista Vinícius Vicentin Caccavali, sócio do VBSO Advogados, afirma que dois clientes já pensam em desistir dos recursos na Câmara Superior. “Muitos recorriam porque não tinham nada a perder, mas agora têm, ainda mais se a jurisprudência é desfavorável na Câmara Superior.”

Caccavali ainda afirma que existia um receio de que desistir do recurso seria “desistir de tudo que o contribuinte já ganhou no processo ou que volte a valer o próprio auto de infração”. Mas ele indica que a PGFN, no parecer e na Portaria no 587/2024, publicada no dia 11, esclareceu ser possível desistir do recurso antes do início da sessão de julgamento, formalizado por petição, a fim de se manter os direitos da decisão anterior, por qualidade, que afasta a multa.

Para Dalton Dallazem, sócio-fundador do Perin & Dallazem Advogados Associados, a decisão anterior deve prevalecer, mesmo que o contribuinte desista do recurso. Ele cita o artigo 51 da Lei no 9.874/99. “A lei separa o direto de desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou ainda renunciar a direitos. Se formulei pedido de desistência e não de renúncia, continuaria valendo a decisão da câmara baixa.”

Na visão do tributarista Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, qualquer decisão por voto de qualidade no curso do processo assegura a exclusão da multa. “É um ato louvável da procuradoria esclarecer a visão do governo, mas acaba por restringir o direito assegurado por lei. E é a lei que deve prevalecer”, afirma.

Em nota, a PGFN diz que é preciso observar a natureza de cada multa para se definir a incidência ou não do parágrafo 9o-A do artigo 25 do Decreto n.o 70.235/72, inserido pela Lei do Carf. Também entende ser possível haver interpretações diferentes. “O Direito convive com interpretações divergentes, sendo o recurso ao Poder Judiciário para defesa de uma dada posição direito constitucionalmente assegurado.”

Para a procuradoria, o objetivo da legislação é “retirar os acessórios do lançamento em caso de controvérsia quanto ao principal”. “O respeito às regras técnicas de interpretação garante resultados justos na aplicação da norma, considerando as diferentes situações postas para julgamento no âmbito do Carf”, afirma o órgão, que não vê, porém, possível aumento de litigiosidade. “A exclusão pretendida será afiançada ao sujeito passivo pela própria desistência tempestiva do recurso.”

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/04/18/parecer-da-fazenda-limita-exclusao-de-multas-apos-derrota-no-carf-por-voto-de-qualidade.ghtml

Governo pede apoio a propostas que aumentam receitas para fechar as contas deste ano

Secretários da Receita Federal e de Orçamento Federal falaram à Comissão de Finanças e Tributação nesta terça-feira

O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse que o governo conta com um impacto fiscal positivo de R$ 24 bilhões com a Medida Provisória 1202/23 para fechar as contas de 2024. Em audiência pública nesta terça-feira (26), o secretário pediu aos deputados da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara apoio para a aprovação da medida.

O secretário demonstrou que alterações feitas no Congresso em três medidas legislativas propostas pelo governo no ano passado reduziram a expectativa de arrecadação extra deste ano em R$ 22 bilhões. O total de arrecadação extra esperado com a redução da evasão fiscal é de R$ 168,3 bilhões.

Barreirinhas citou como motivos para a redução das estimativas as mudanças nas regras que impactam a arrecadação federal após a concessão de incentivos fiscais estaduais; a manutenção da possibilidade de as empresas pagarem menos imposto em relação a uma parcela de lucros distribuída aos acionistas, e a redução de 10% para 8% da alíquota de imposto de renda sobre ganhos acumulados em fundos no exterior.

O secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, reforçou o pedido de cooperação, afirmando que a situação das contas públicas é “desafiadora”. “Estou de pleno acordo que nós estamos na faixa amarela e o significado disso é que não estamos em uma zona de conforto”.

Arrecadação
Robinson Barreirinhas comemorou, porém, o aumento de R$ 1 bilhão na estimativa de arrecadação com a Lei 14.689/23, que deu mais poder ao governo nos julgamentos administrativos de conflitos tributários. A estimativa anual passou para R$ 55,6 bilhões porque, segundo o secretário, foram julgados processos de R$ 90 bilhões em fevereiro quando a expectativa mensal era de R$ 70 bilhões.

Ele também disse que a tributação de fundos de investimento exclusivos, aqueles que têm apenas um cotista, está rendendo conforme o esperado. “Ver pessoas que nunca tiveram a oportunidade de colaborar com o pagamento de tributos no Brasil começar a pagar de 4 a R$ 5 bilhões por mês. É uma coisa que dá satisfação no sentido da justiça fiscal mesmo”.

Devedores contumazes
Barreirinhas ainda defendeu a aprovação do Projeto de Lei 15/24, que pretende atuar contra os chamados devedores contumazes, mas que também cria um cadastramento dos benefícios fiscais dados a empresas.

“Nós temos mais de 200 tipos de benefícios em regimes especiais que foram criados ao longo do tempo. E infelizmente, senhor deputado, se o senhor me perguntar qual é o impacto disso, eu vou dizer: não sei. Porque eles são construídos para serem autofruidos pelos contribuintes. Então ele vai abatendo e eu não faço ideia de quem está abatendo aqueles valores”.

Meta fiscal
Tanto o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) quanto o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) colocaram em dúvida o cumprimento da meta fiscal do ano, que é o déficit zero. Na última revisão das contas, o governo fala em déficit de R$ 9,3 bilhões quando a estimativa da Lei Orçamentária era de superávit de R$ 9,1 bilhões.

Pedro Paulo, porém, afirma que o governo deveria fazer contingenciamentos nas despesas, enquanto Farias defende uma previsão maior de déficit. Hoje, a meta é considerada cumprida se atingir um superávit ou um déficit de R$ 28,8 bilhões.

Para Pedro Paulo, o governo não deveria usar esta margem porque isso pode ser arriscado. “Acho que o papel da Fazenda, o papel da Secretaria de Orçamento é antecipar esses riscos e prudentemente, bloquear, contingenciar o Orçamento. Lembrando que contingenciamento não é excluir do Orçamento as despesas. É simplesmente criar uma restrição prudencial e ela retorna no bimestre seguinte quando é realizada aquela receita”.

Pedro Paulo citou nota técnica dos consultores de Orçamento da Câmara, Márcia Moura e Dayson Almeida, que afirma que a revisão das contas feita pelo governo “ainda parecem otimistas”. Eles dizem que a previsão de aumento dos gastos com benefícios previdenciários em R$ 5,6 bilhões está abaixo da sugerida pela maioria dos analistas, que seria de R$ 20 bilhões.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Carf e Judiciário adotam posicionamento pró-fisco

A atual postura do Carf e o julgamento pelo STJ e STF da maior parte das causas tributárias em favor do fisco, preocupam os contribuintes.

Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) é um órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Economia, formado por representantes dos contribuintes e do governo de forma paritária, que julga casos relativos ao pagamento de tributos federais.

Lei 14.689/23 alterou a legislação federal, estabelecendo o voto de qualidade para o presidente do Carf, o que significa dizer que o voto do presidente do Carf é o que vale em caso de empate.

Esta alteração na legislação gerou fortes críticas tanto por parte de membros do legislativo como por juristas, dentre estes o Professor Ives Gandra Martins, que entende que esta lei, “transforma o Carf não num órgão de julgamento justo, de procurar a justiça tributária, de fazer justiça entre o contribuinte e o Fisco. Mas num órgão de arrecadação.”

Logo após aprovado o texto final da Lei 14.689/23, o presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, afirmou ao Estadão que a previsão de arrecadação de R$ 54,7 bilhões do governo com julgamentos no órgão no próximo ano será obtida “com tranquilidade”.

Na esfera judicial o fisco venceu a maioria dos casos tributários nos tribunais superiores em 2023. Segundo levantamento realizado pelo Jota, dos 11 julgamentos relevantes na área tributária, oito foram julgados de forma favorável ao fisco, três tiveram resultado favorável ao contribuinte.

Cenário este que não mostra mudança para 2024, pois nestes primeiros meses do ano enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) validou retirada de isenção a operações com petróleo na Zona Franca de Manaus, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) colocou fim a disputas milionárias ao decidir pela inclusão da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de energia elétrica, negou aos contribuintes o direito ao aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins sobre itens considerados ligados ao custo de aquisição de produtos sujeitos à tributação monofásica e decidiu que não há limite de 20 salários mínimos para empresas calcularem as contribuições destinadas ao Sistema S.

Ricardo Vivacqua, sócio-fundador da Vivacqua Advogados, lembra que “o contribuinte pode levar à apreciação do judiciário as questões decididas em seu desfavor pelo Carf mas que diante do atual cenário qualquer discussão tributária mais genérica, que possa ocasionar impacto relevante aos cofres públicos, o contribuinte enxerga poucas chances de êxito.”

Para Ricardo Vivacqua, “esta quantidade de decisões favoráveis ao fisco, em um olhar míope, pode parecer boa para os cofres públicos, mas quando elas surgem na contramão de como vinha se manifestando grande parte do judiciário, como no caso da inclusão da TUSD e da TUST na base de cálculo do ICMS e da limitação a 20 salários da base de cálculo do das contribuições ao Sistema S, isso gera uma insegurança jurídica enorme.”

E conclui Ricardo, “a segurança jurídica tem peso considerável na decisão de investimento tanto do empresariado local quanto dos investidores estrangeiros que diante de incertezas veem o risco do investimento aumentar e, por consequência, o custo, tornando assim o país menos atraente para investimentos, comprometendo a cadeia produtiva local, a criação de postos de trabalho e reduzindo a circulação de riquezas, e consequentemente o crescimento sustentável da arrecadação tributária”.

Fonte: https://valor.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2024/03/26/carf-e-judiciario-adotam-posicionamento-pro-fisco.ghtml

ARTIGO DA SEMANA –  As instâncias julgadoras no processo administrativo fiscal da União

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A página oficial do Superior Tribunal de Justiça na internet veiculou recentemente (21/03/2024) a notícia do julgamento do Mandado de Segurança nº 27.102, impetrado contra ato do Ministro da Justiça e Segurança Pública[1].

O julgamento versou sobre a interposição de recurso administrativo envolvendo servidor público que, em última análise, pretendia reverter penalidade administrativa que lhe foi imputada.

A discussão girou em torno dos artigos 56, §1º e 57, da Lei nº 9.784/99[2].

O impetrante sustentou que a conjugação destes dispositivos leva à conclusão de que podem ser interpostos três recursos administrativos a serem apreciados por autoridades diferentes.

No julgamento, a Primeira Seção do STJ decidiu que  a interpretação do artigo 57, de Lei nº 9.784/99, “direciona para a possibilidade da interposição de apenas dois recursos, a saber, o primeiro perante a instância administrativa de origem, enquanto o segundo junto à instância administrativa imediatamente superior”.

Ponto importante deste julgado foi afirmação de que o processo administrativo deve obedecer à tramitação prevista na lei que o disciplina. No processo administrativo federal da Lei nº 9.784/99, “O recurso tramitará por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa”, tal como dispõe o art. 57.

Esta decisão STJ impõe uma reflexão sobre as normas reguladoras do processo administrativo fiscal da União, sobretudo no momento em que tramita o Projeto de Lei nº 2.483/2022, que busca dar nova disciplina ao processo administrativo tributário federal.

O ponto de partida para a reflexão é o art. 151, III, do Código Tributário Nacional, segundo o qual a suspensão da exigibilidade do crédito tributário é alcançada pelas reclamações (impugnações) e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo.

Considerando que para o CTN, a expressão lei deve ser entendida por norma decorrente do Poder Legislativo, tem-se que a disciplina do processo administrativo fiscal está submetida à reserva de lei em sentido formal.  

Como se sabe, a “lei” de que trata o art. 151, III, do CTN, é o Decreto nº 70.235/72, recepcionado com statuslei ordinária.

No entanto, o Decreto nº 70.235/72 peca pela falta de clareza ao dispor sobre a quantidade de instâncias julgadoras no processo administrativo fiscal da União.

O artigo 25, I, do Decreto nº 70.235/72, define as Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ) como a autoridade julgadora de primeira instância

O art. 25, II afirma que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) é o órgão julgador de segunda instância.

O artigo 26, por sua vez,  dispõe que Ministro da Fazenda, em instância especial, tem competência para julgar recursos de decisões dos Conselhos de Contribuintes, interpostos pelos Procuradores Representantes da Fazenda junto aos mesmos Conselhos.

Não fosse a redação do art. 25, II, dada pela Lei nº 11.941/2009, indicando a competência do CARF também para julgar recursos especiais, e o §1º informando que o CARF é constituído por seções e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, o processo administrativo fiscal da União se encerraria, para o contribuinte, em somente duas instâncias.

Não se pode esquecer, é verdade, do contencioso administrativo tributário de pequeno valor (até 60 salários-mínimos), aquele em que o julgamento ocorrerá por membro de DRJ, monocraticamente, em primeira instância e por Turma de Julgamento da DRJ em última instância. 

Retornando ao Decreto nº 70.235/72, deve-se concluir que a Câmara Superior de Recursos Fiscais é, na verdade, uma instância especial, visto que os recursos sob sua apreciação não têm como exclusivo requisito de admissibilidade o fato de ter ocorrido decisão desfavorável no órgão fracionário do CARF, mas também a comprovação de divergência, de modo que a Câmara Superior funciona como órgão uniformizador da jurisprudência.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a instância especial de que trata o art. 26, do Decreto nº 70.235/72, só deve ser acionada nos casos de nulidade da decisão do CARF, não sendo “lícito ao Ministro cassar tais decisões, sob o argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei”[3]  

Também é certo que o recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda, segundo a melhor doutrina, independe de previsão legal.

Logo, melhor seria que o Decreto nº 70.235/72 simplificasse as coisas, deixando que as DRJs seriam os órgãos julgadores de primeira instância, o CARF seria o órgão competente de segunda instância, cabendo à Câmara Superior o julgamento em instância especial com o propósito de uniformizar a jurisprudência.

Lamentavelmente, o Projeto de Lei nº 2.483/2022 incorre no mesmo erro da norma atual, prevendo um intrincado sistema de recursos e sem clara identificação das instâncias julgadoras.   

O art. 62, do PL 2483, por exemplo, prevê que O rito ordinário compreende duas instâncias de julgamento e uma instância especial, mas a conclusão sobre os órgãos competentes de segunda instância e instância especial demanda interpretação da norma.

Os Capítulos do PL 2483/2022 que tratam dos Ritos Processuais e do Julgamento no CARF também não têm redação que indique claramente os recursos cabíveis e seu processamento, sem contar o fato de outorgarem a disciplina de várias questões ao Ministro da Fazenda.

Ainda há longo caminho pela frente, mas o Congresso Nacional não pode perder a oportunidade de conferir um tratamento claro, conciso e preciso para as instâncias julgadoras e os recursos no âmbito do processo administrativo fiscal da União.  


[1] ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE SUSPENSÃO. INÉPCIA PARCIAL DA VESTIBULAR. AUSÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR. RECURSO HIERÁRQUICO. LIMITAÇÃO DE SUA TRAMITAÇÃO A TRÊS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVAS (ART. 57 DA LEI N. 9.784/99). POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE APENAS DOIS RECURSOS. ORDEM DENEGADA.

1. A ausência de causa de pedir, relativamente a um dos pleitos trazidos com a inicial, impõe a extinção parcial do mandamus, nos termos do art. 330, § 1º, I, do CPC/2015.

2. Conquanto a literalidade do art. 57 da Lei n. 9.784/99 anuncie que “o recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa”, sua adequada exegese direciona para a possibilidade da interposição de apenas dois recursos, a saber, o primeiro perante a instância administrativa de origem, enquanto o segundo junto à instância administrativa imediatamente superior.

3. Segurança denegada.

(MS n. 27.102/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 23/8/2023, DJe de 30/8/2023.)

[2] Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 1o O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.

Art. 57. O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa.

[3] ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO DE CONTRIBUINTES – DECISÃO IRRECORRIDA. RECURSO HIERÁRQUICO. CONTROLE MINISTERIAL. ERRO DE HERMENÊUTICA.

I – A competência ministerial para controlar os atos da administração pressupõe a existência de algo descontrolado, não incide nas hipóteses em que o órgão controlado se conteve no âmbito de sua competência e do devido processo legal.

II – O controle do Ministro da Fazenda (Arts. 19 e 20 do DL 200/67) sobre os acórdãos dos conselhos de contribuintes tem como escopo e limite o reparo de nulidades. Não é lícito ao Ministro cassar tais decisões, sob o argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei.

III – As decisões do conselho de contribuintes, quando não recorridas, tornam-se definitivas, cumprindo à Administração, de ofício, ?exonerar o sujeito passivo ?dos gravames decorrentes do litígio? (Dec. 70.235/72, Art. 45).

IV – Ao dar curso a apelo contra decisão definitiva de conselho de contribuintes, o Ministro da Fazenda põe em risco direito líquido e certo do beneficiário da decisão recorrida.

(MS n. 8.810/DF, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Seção, julgado em 13/8/2003, DJ de 6/10/2003, p. 197.)

Carf anula mais de R$ 1 bilhão em autos de infração da Rede D’Or por pejotização

Conselheiros basearam sua decisão em julgamento do Supremo Tribunal Federal

A maior rede de hospitais privados do país, Rede D’Or São Luiz, tem conseguido vitórias consecutivas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para anular partes de autuações fiscais sobre a contratação de serviços médicos por meio de pessoas jurídicas, a famosa “pejotização”.

No início de fevereiro, houve dois julgamentos sobre o tema, que somados, anulam R$ 1,3 bilhão em autos de infração. Cabe recurso.

No dia 6 de fevereiro, a 2a Turma Ordinária, da 4a Câmara, da 2a Seção de julgamento, afastou parte de um auto de infração, cujo valor atualizado era de R$ 369 milhões, em dezembro de 2023, segundo comunicado da empresa (processo no 10166.720689/2017-18). No dia 7, foi a vez da 1a Turma Ordinária, da 3a Câmara, da 2a Seção, que anulou autuação de R$ 986 milhões (processo no 10166.730893 /2017-39).

Após os julgamentos, ficou mantido parte dos autos de infração em valor atualizado aproximado de R$ 2 milhões, segundo comunicado divulgado no dia 8 de fevereiro.

Os dois processos tratam de autos de infração antigos, lavrados pelo

Fisco, com base em alegação genérica de que os médicos prestavam serviços como pessoas jurídicas e que isso seria uma fraude para mascarar o vínculo empregatício, por haver subordinação dos médicos ao hospital. Nesses casos, cobraram 20% de contribuição previdenciária e contribuição para terceiros, além de multa de ofício de 35% e, em alguns casos, multa agravada de 150%.

Supremo esclarece decisão sobre terceirização

O caso julgado no dia 6 de fevereiro já teve decisão publicada. Os conselheiros basearam sua decisão em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, que entendeu ser lícita a terceirização em qualquer atividade ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas (Tema 725).

No recurso, a Rede D’Or destacou esse julgamento do STF e argumentou que não houve comprovação de dolo, fraude ou conluio, “na medida em que as pessoas jurídicas contratadas são verdadeiras empresas médicas e que esse modelo de contratação é amplamente usado neste ambiente”.

Citou, ainda, que o Carf e a Justiça do Trabalho têm reconhecido que o vínculo empregatício é incompatível com a atividade dos profissionais médicos. Por fim, ressaltou julgamento de 2023, na qual a 2a Turma do Supremo reconheceu a legalidade da contratação de um médico, como pessoa jurídica (RCL no 57.917). E também julgamento da 1a Turma, com posicionamento semelhante (RCL no 47.843).

O relator, conselheiro Rodrigo Rigo Pinheiro destacou que seria o caso de cancelar o crédito tributário em discussão, “considerando que o modelo de contratação exercido pela recorrente é lícito pela legislação respectiva e foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral.”

Ele também destaca que a mesma rede teve dois processos administrativos tributários semelhantes cancelados (acórdãos 2401- 005.900 e 2201-004.378).

No caso em julgamento, o conselheiro destacou que as provas no processo se deram, exclusivamente, com base em regimentos internos, manuais de médicos e códigos de conduta “sem analisar a situação concreta de cada um desses profissionais”.

Muitos médicos trabalham em vários hospitais ao mesmo tempo”

— Caio Taniguchi

Ele também destacou que a Justiça do Trabalho já se pronunciou sobre a inexistência de vínculo empregatício entre médicos e prestadores de serviços e outros hospitais da Rede D’Or São Luiz. Ainda ressaltou que os médicos têm autonomia para a organização de suas agendas. “Logo, não haveria de se falar em subordinação jurídica a ensejar o enquadramento desses profissionais como segurados empregados.”

Ainda entendeu pela ausência de subordinação ao analisar que existe uma série de notas-fiscais das pessoas jurídicas prestadoras de serviço, emitidas para diversas empresas relacionadas à saúde.

De acordo com o advogado Alessandro Cardoso, sócio do Rolim Goulart Cardoso Advogados, a decisão recém publicada traz profundidade na fundamentação sobre o tema. Para ele, o Fisco sempre entendeu no sentido de reconhecer o vínculo em caso de prestação de serviços entre empresas.

Contudo, a polêmica já estaria resolvida, segundo Cardoso, com o artigo 129 da Lei no 11.196, de 2005. O dispositivo diz que, para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais está sujeita à legislação aplicável às pessoas jurídicas. Isso teria sido referendado pelo Supremo, ao declarar esse artigo constitucional na ADC 66, em dezembro de 2020. Isso, diz ele, sem falar no julgamento do STF no Tema 725.

O valor das autuações aplicadas contra a Rede D’Or são muito relevantes, segundo Caio Taniguchi, do TozziniFreire Advogados. “São autuações antigas, lavradas quando a Súmula 331 do TST [que vedava a terceirização da atividade fim] estava em vigor”, diz.

Segundo Taniguchi, na época, os autos de infração eram genéricos, sem analisar o caso concreto para ver se realmente existem os requisitos previstos no artigo 3o da CLT para a caracterização de vínculo como: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. E no caso dos médicos, em geral, ressalta, eles têm autonomia para atender seus pacientes, muitos trabalham em vários hospitais ao mesmo tempo e têm seu consultório particular.

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota, que os casos que envolvem o tema “pejotização” discutem questões probatórias, “de modo que as decisões proferidas pelo Carf podem ser favoráveis ao Fisco ou ao contribuinte, a depender das provas juntadas ao processo administrativo”.

Como exemplo de precedente favorável à União, a PGFN citou o acórdão 9202-010.163, no qual a 2a Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf manteve o lançamento fiscal, por entender que ficou provada a prática de simulação. “Portanto, no âmbito do Carf, a análise de autuações sobre “pejotização” é feita caso a caso, não sendo possível afirmar que existe um posicionamento favorável ou contrário, em tese, à pejotização.”

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Rede D’Or São Luiz informou, por nota, que “não comenta decisões do Ministério da Economia”.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/03/20/carf-anula-mais-de-r-1-bilhao-em-autos-de-infracao-da-rede-dor-por-pejotizacao.ghtml

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