João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
A Súmula CARF nº 9 impõe uma reflexão sobre a efetividade das intimações realizadas no curso do processo administrativo fiscal.
De acordo com o art. 23, II, do Decreto nº 70.235/72, a intimação no âmbito do processo administrativo fiscal poderá ocorrer por via postal, telegráfica ou por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo.
A Súmula CARF nº 9, por sua vez, afirma que “É válida a ciência da notificação por via postal realizada no domicílio fiscal eleito pelo contribuinte, confirmada com a assinatura do recebedor da correspondência, ainda que este não seja o representante legal do destinatário”.
Na verdade, a Súmula CARF nº 9 estabelece como regra a teoria da aparência, presumindo que aquele que recebeu a intimação no domicílio fiscal do contribuinte é um preposto deste.
Mas esta presunção de validade da intimação exteriorizada pelo CARF não pode ser absoluta.
Mesmo que não se refira especificamente ao processo administrativo fiscal, a Lei nº 9.784/99, diante de seu forte caráter principiológico, não pode ser desconsiderada.
Nos termos do art. 26, §3º, da Lei nº 9.784/99, “A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado”.
Como se vê, a Lei nº 9.784/99 deixa evidente que o legislador foi enfático ao determinar que haja certeza da ciência do administrado quanto aos atos administrativos.
Da precisa observação de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[1] acerca do art. 26, §3º, constata-se “que do texto emana a ideia de que o fim sobreleva o meio, postulado, aliás, que retrata o sentido moderno das nulidades na teoria geral do processo. Significa que se deve considerar válida a intimação mesmo que a forma empregada não tenha sido a prevista em lei; o que importa, isto sim, é que o destinatário tenha tomado ciência do ato ou providência a ser cumprida”.
A compreensão dada pelo CARF ao art. 23, II, do Decreto nº 70.235/72, como se vê, subverte esta ordem e concede maior relevância ao meio do que à finalidade a ser atingida.
Com efeito, a necessária certeza quanto à ciência do administrado/contribuinte é importante para dar publicidade ao ato administrativo e também para que o sujeito passivo possa, querendo, exercer seu direito de ampla defesa, manifestando sua contrariedade ao ato/decisão que repercute negativamente em sua esfera de interesses.
Não havendo regular intimação do administrado, estará caracterizada evidente violação ao direito constitucional da ampla defesa, cujo corolário lógico é a correta intimação dos atos administrativo e decisões proferidas pela Administração.
De nada adiantaria haver um direito à ampla defesa, se à Administração não fosse imposto o dever de proceder à devida comunicação de seus atos e decisões aos administrados, de forma inequívoca.
A orientação emanada da Súmula CARF nº 9 também colide com as previsões do Código de Processo Civil, bastando trazer como exemplo os cuidados estipulados pelo legislador para a realização da citação pela via postal (art. 248, do CPC).
Não é por outra razão que LUIZ FUX[2] afirma o rigor que deve ser observado quanto à certeza da efetividade do ato, esclarecendo que “A lei, em nosso entender, não deixa margens a dúvidas; por isso, se a carta é recebida por gerente de agência, sem poderes de representação, há nulidade da citação. Aliás a necessidade do AR (aviso de recebimento), assinado por quem de direito, afasta esta exegese deploravelmente flexível em face de um ato processual de tamanha repercussão jurídico-formal”.
O mesmo se deve entender quanto aos atos praticados ao longo do processo administrativo fiscal.
Nesta ordem de ideias, fica claro que a orientação da Súmula CARF nº 09 não prestigia a certeza quanto ao recebimento da intimação e por isso mesmo viola os princípios do contraditório e da ampla defesa.
[1] in Processo Administrativo Federal – Comentários à Lei nº 9.784 de 29/1/1999. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, pág. 163.
[2] in Curso de Direito Processual Civil. 5ª edição. Rio e Janeiro: Forense, 2022, pág. 333.