Contribuinte tem direito à certidão positiva com efeito de negativa enquanto houver pedido pendente em processo administrativo do débito tributário

Confirmando sentença, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reconheceu que uma contribuinte tem direito à suspensão da cobrança de débito tributário apurado em processo administrativo pendente de apreciação pela Fazenda Nacional e à expedição de certidão positiva de débito tributário com efeito de negativa. Na via administrativa a impetrante buscava a compensação do crédito tributário.

 A compensação ocorre quando o pagamento de um tributo é realizado de forma indevida ou a maior, gera um crédito do contribuinte para com a Fazenda Pública (crédito tributário). O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que, por meio da compensação tributária, o contribuinte pode restituir, recuperar ou utilizar valores pagos equivocadamente para quitar as obrigações tributárias já apuradas (liquidadas).

 O processo chegou ao tribunal por meio de remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige que o juiz encaminhe o processo à segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.

Na relatoria, a desembargadora federal Maura Moraes Tayer, verificou que se trata de suspensão de exigibilidade, nos termos do art. 151, III e IV, do Código Tributário Nacional (CTN), aplicável ao caso concreto. “Os processos administrativos tratam de compensação dos créditos da impetrante com os seus débitos perante a Receita Federal, cuja apuração definiria a situação da impetrante como sujeito passivo do crédito tributário”, conforme fundamentado na sentença, citou a magistrada.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou jurisprudência consolidando que “estando pendente de exame de pedido em processo administrativo no qual se discute a compensação do crédito tributário, não pode a Administração negar a expedição de certidão negativa de débito com efeito de negativa”, e que “o próprio pedido de compensação tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, porquanto afastada a certeza e a liquidez da dívida”, ressaltou a desembargadora federal.

Portanto, votou a magistrada no sentido de que a sentença foi acertada, conclusão reforçada pela ausência de recurso voluntário (ou seja, interposto por alguma das partes), e deve ser mantida.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto da relatora.

Processo: 0013817-72.2014.4.01.3300

RS/CB

Assessoria de Comunicação Social

Tribunal Regional Federal da 1ª Região  

Pendência fiscal de matriz ou filial impede certidão negativa para estabelecimento do mesmo grupo

A Primeira Seção unificou o entendimento das turmas de direito público do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao estabelecer que a administração tributária não deve emitir a Certidão Negativa de Débitos (CND) – ou mesmo a Certidão Positiva com efeito de Certidão Negativa de Débitos (CPEND) – para uma filial quando houver pendência fiscal contra a matriz ou outra filial do mesmo grupo.

O colegiado deu provimento a embargos de divergência interpostos pela Fazenda Nacional contra acórdão da Segunda Turma, que entendeu que a existência de débito em nome da filial ou da matriz não impede a expedição da certidão de regularidade fiscal em favor de uma ou de outra.

A recorrente apontou entendimento diverso da Primeira Turma, segundo o qual “filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprios”, de modo que essa relação de dependência impede a expedição da certidão de regularidade fiscal quando se verifica a existência de dívida tributária em nome de algum estabelecimento integrante do grupo empresarial.

Filial não tem personalidade jurídica

Ao lembrar o regramento sobre o tema, a relatora, ministra Regina Helena Costa, destacou a ausência de personalidade jurídica da filial e “a existência do atributo de unidade da pessoa jurídica de direito privado, inclusive quando em cotejo os estabelecimentos matriz e filial”.

Segundo a magistrada, a filial não se constitui mediante registro de ato constitutivo, bem como encerra conformação secundária em relação à pessoa jurídica de direito privado, sendo a sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) decorrente da considerável amplitude da “identificação nacional cadastral única”.

A ministra ressaltou que a certificação de regularidade fiscal é dirigida ao sujeito passivo da obrigação tributária, um ente revestido de personalidade jurídica.

“Uma sociedade de fato pode realizar operações mercantis e, com isso, dar ensejo à obrigação de pagar o Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). No entanto, no polo passivo da obrigação não poderá figurar, porquanto destituída de personalidade jurídica, respondendo, pelo débito tributário, as pessoas físicas dela gestoras”, explicou.

Cultura de conformidade fiscal da sociedade empresária

A ministra observou que a Primeira Seção, ao julgar o Tema 614 dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento de que a filial, apesar de possuir CNPJ próprio, não configura nova pessoa jurídica, razão pela qual as dívidas relacionadas a fatos geradores atribuídos a determinado estabelecimento constituem, na verdade, obrigação tributária da “sociedade empresária como um todo”.

De acordo com a relatora, diante da falta de personalidade jurídica da filial, que decorre da unidade da pessoa jurídica de direito privado, a obtenção da CND ou da CPEND está condicionada à integralidade da situação tributária da entidade detentora de personalidade jurídica – sejam as eventuais pendências oriundas da matriz ou da filial.

Para a magistrada, a circunstância de a filial estar inscrita no CNPJ é insuficiente para afastar a unidade da pessoa jurídica de direito privado. “Além disso, a comunhão de esforços entre as unidades operacionais da sociedade empresária – matriz e filial – na expansão e no fortalecimento do negócio exige a cultura de conformidade fiscal, que abrange o comprometimento com a transparência da pessoa jurídica integralmente considerada”, ponderou.

Leia o acórdão no EAREsp 2.025.237.

Ponte: Notícias do STJ

Garantia plutocrática: o governo quer o Carf só para ricos

Por Fernando Facury Scaff

A Medida Provisória 1.160/23 introduziu duas medidas negativas: umaprincipiológica, pois fez retornar o famigerado voto de qualidade, quando o princípio jurídico é in dubio pro contribuinte, vigorando assim a presunção de inocênciao que já comentei; e outra plutocrática, isto é, em prol dos ricos (plutocracia = ploutos que significa riqueza + kratos, que significa poder), ao elevar exponencialmente os valores para admissibilidade de recurso ao Carf.

É fácil a compreensão: após a MP 1.160/23 o “contencioso de pequeno valor” passou a ser de 1.000 salários-mínimos (R$ 1,3 milhão); antesera de 60 salários-mínimos (R$ 78.120,00).

Teoricamente quem tem problemas fiscais acima de R$ 1,3 milhão possui muito maior capacidade econômica do que aqueles que possuem problemas fiscais da ordem de R$ 78.120. É claro que isso é um pressuposto, pois pode ocorrer de uma riquíssima pessoa, física ou jurídica, ter um problema tributário de pequeno valor; e outra, paupérrima, ter um problema de grande monta. Mas, convenhamos, esta segunda hipótese é muito menos provável em se tratando de imposto de renda, Pis, Cofins e outros tributos federais, que dimensionam a receita a partir do porte econômico dos contribuintes.

Ocorre que a alteração efetuada acarretou a seguinte esdrúxula situação: ao 1º grupo (o “rico“) está assegurado o duplo grau de julgamento, através de um colegiado composto de forma paritária entre servidores fiscais e contribuintes (o Carf); quem está no 2º grupo (o “pobre”) não terá direito a novo julgamento administrativo, por órgão nenhum. 

Para os “pobres” restará confiar apenas no 1º grau de julgamento, que são as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJs), compostas de forma colegiada exclusivamente por servidores fazendários. O problema não está em serem servidores da Receita Federal, mas em não haver a possibilidade de recurso voluntário, em caso de decisão contrária ao contribuinte que impugnar um Auto de Infração de valor inferior ao novo valor de alçada (R$ 1,3 milhão). Além disso, como alerta Hugo de Brito Machado Segundo, os julgadores de 1ª instância estão vinculados a toda uma gama de normas administrativas, muitas demais ilegais, que só o Carf tem poder para afastar.

O pior é a justificativa constante da Exposição de Motivos da MP 1.160/23, onde se lê que esse parâmetro advém do valor estipulado no inciso I do §3º do art. 496 do CPC, que dispõe sobre o limite de alçada da remessa necessária, no caso de sentença proferida contra a União ou que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal”. Que leitura torta! “Remessa necessária”, conforme o CPC, decorre de decisão contrária à Fazenda Pública; no caso do contencioso administrativo-fiscal, o que foi travado pela alta alçada estabelecida é o recurso voluntário do contribuinte que perdeu o julgamento em 1ª instância! Melhor seria manter os 60 salários-mínimos, correlacionando com a limitação dos Juizados Especiais Cíveis (JECs) dos estados e municípios, como destacou Suzy Hoffmann.

Consta ainda da Exposição de Motivos que “a ampliação do limite de alçada poderá reduzir em cerca de 70% (setenta por cento) a quantidade de processos encaminhados ao Carf, o que poderá reduzir o tempo médio para o órgão entrar no fluxo para 2,27 anos”. Só esse dado demonstra que o volume de processos (e de pessoas) atingidas pela norma será gigantesco, exatamente o grupo que é pretensamente “mais pobre”.

Cabe lembrar que o Carf é um tribunal administrativo amplamente democrático, não só pela sua composição paritária, mas também porque prescinde de advogados para nele atuar. Conheço incontáveis processos em que o próprio contribuinte pessoa física apresentou sua defesa e foi vitorioso. Empresários e seus contadores também estão habilitados a defender diretamente seus direitos perante o Carf. Claro que estarão sempre melhor defendidos por advogados especializados na matéria sob análise, mas a possibilidade de defesa pelo próprio contribuinte é uma das características desse conselho.

O que vai desafogar o Carf em número de processos, entulhará o Judiciário. E, ainda pior, é rotina no Judiciário exigir que seja efetuada garantia dos valores em discussão, o que implica na oferta de bens ou na contratação de caríssimos seguros ou cartas de fiança bancária para o exercício de sua defesa. Ou seja, a vida piorará para quem tem um problema fiscal abaixo de R$ 1,3 milhão.

Se isto não for considerado uma garantia plutocrática não sei o que mais poderá ser.

Diversas inconstitucionalidades podem ser identificadas nessa medida, mas prefiro seguir outro caminho e ser propositivo: que tal estabelecer que para esses processos abaixo da alçada a exigibilidade do crédito só possa ocorrer após decisão de segunda instância judicial? A Fazenda Nacional poderá até promover a execução fiscal, mas as CNDs continuarão a ser expedidas com efeito negativo, e a defesa poderá ocorrer através de embargos sem apresentação de garantia. Será que a União topa essa alteração no sistema?

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 6 de fevereiro de 2023, 8h00

A questão tributária em recuperação judicial: começa a ser trilhado o fim do impasse?

A reforma da Lei 11.101/2005 buscou em certa medida aclarar pontos específicos e superar divergências que na prática geravam o que parte da doutrina denomina “jurisprudência lotérica”, em que as partes passam a contar com um fator imponderável: dependendo de quem for o juiz da causa, seu destino poderá ser completamente diferente.

No tocante à questão tributária, embora mantida a redação do artigo 57 da Lei 11.101/2005, que prevê a comprovação da regularidade fiscal como requisito para a concessão da recuperação judicial e cuja aplicação era mitigada pelos tribunais pátrios, a Lei 14.112/2020 trouxe importantes alterações com relação ao prosseguimento das execuções fiscais (artigo 6º, §7º-B da Lei 11.101/2005), melhores condições de parcelamento e transação envolvendo débitos tributários (artigos 10-A, 10-B e 10-C da Lei 10.522/2002) e novas hipóteses de convolação em falência (artigo 73, V e VI da lei 11.101/2005).

Diante da mudança legislativa, que colocou à disposição das recuperandas novos incentivos ao equacionamento dos débitos tributários, parte da jurisprudência e da doutrina passou a entender que a orientação anterior no sentido de que o juízo recuperacional poderia dispensar a exigência da certidão negativa para a concessão da recuperação judicial estaria superada.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) passou a exigir prova da regularidade fiscal das recuperandas para a concessão da recuperação judicial, em especial nos casos em que a aprovação do plano de recuperação judicial ocorreu após a vigência da reforma da Lei 11.101/2005. Com a alteração do entendimento outrora sedimentado inclusive para os processos em andamento, concluiu-se que não há direito adquirido a regime jurídico decorrente de construção jurisprudencial, concedendo-se prazos que variam de 30 a 180 dias para a comprovação da regularidade fiscal, inclusive ex officio.

No entanto, a questão não se uniformizou na medida em que o próprio STJ, mesmo após a vigência da reforma, tem mantido o posicionamento até então vigente em decisões monocráticas, no sentido de manter a dispensa da providência do artigo 57 da Lei 11.101/2005, considerada incompatível com o princípio da preservação da empresa.

Em síntese, a partir daí, passamos a ter o TJ-SP, na maioria dos casos, exigindo prova da regularidade fiscal como requisito legal para a homologação do plano de recuperação judicial ou eventuais aditivos, e o STJ mantendo a mesma linha do entendimento anterior à reforma legislativa nas inúmeras decisões monocráticas recentemente proferidas sobre o tema.

Diante desse quadro, o TJ-SP, cumprindo seu papel fundamental de uniformização da jurisprudência (artigo 926 do CPC), aprovou em 24/11/2022 os seguintes enunciados:

Enunciado XIX: Após a vigência da Lei 14.112/2020, constitui requisito para a homologação do plano de recuperação judicial, ou de eventual aditivo, a prévia apresentação das certidões negativas de débitos tributários, facultada a concessão de prazo para cumprimento da exigência.

Enunciado XX: A exigência de apresentação das certidões negativas de débitos tributários é passível de exame de ofício, independentemente da parte recorrente.

O Enunciado XIX tem fundamental importância para a análise da questão e deve ser interpretado à luz da jurisprudência atual do TJ-SP. Com efeito, a partir da sua redação interpreta-se que a comprovação da regularidade fiscal é requisito para a homologação de planos de recuperação judiciais e eventuais aditivos, sendo que o TJ-SP estabeleceu como critério temporal a data da deliberação assemblear:

“Direito intertemporal. Não há direito adquirido a regime jurídico. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Requisitos para concessão de recuperação judicial que devem ser apurados tal como previstos, no ordenamento jurídico, à época da deliberação da assembleia geral de credores sobre o plano de recuperação judicial. Tempus regit actum. Art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal; art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Assim, não se pode invocar orientação jurisprudencial anterior à entrada em vigor da Lei 14.112/2020 caso a deliberação assemblear seja posterior, como ocorre na hipótese” (TJ-SP; Agravo de Instrumento 2067179-82.2021.8.26.0000; relator: des. Cesar Ciampolini; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; data do julgamento: 20/10/2021; data de registro: 27/10/2021).

Além disso, o Enunciado XIX, à luz do entendimento acima colacionado, abrange expressamente as hipóteses de aditamento a planos de recuperação judicial, sendo este ponto essencial para a solução de possíveis controvérsias, pois em razão da pandemia de Covid-19 diversas empresas que já tinham seus planos homologados em data anterior à vigência da Lei 14.112/2020 (23/01/2021) e apresentaram novos aditivos passaram a sustentar a inaplicabilidade da nova lei para condicionar a nova homologação à prova da regularidade fiscal.

Desse modo, de acordo com a análise aqui exposta, todas as deliberações assembleares sobre planos de recuperação judicial ou eventuais aditivos ocorridas após a vigência da Lei 14.112/2020 seguem o princípio geral do tempus regit actum, devendo a sua homologação ser precedida da apresentação das certidões negativas de débitos tributários prevista no art. 57 da Lei 11.101/2005.

Já o Enunciado XX vai em linha com o entendimento já sedimentado pelo TJSP, no sentido de que compete ao Judiciário o exame de ofício a questão da legalidade do processo recuperacional e falimentar na medida em que se trata de questão de ordem pública e em conformidade com o artigo 933 do CPC devem ser conhecidas de ofício. Aliás, não é por outra razão que o enunciado deixa expresso que a essas situações aplica-se o efeito translativo dos recursos, o que significa dizer que a questão de deve ser conhecida pelo órgão julgador mesmo que o recurso tenha objeto distinto.

Evidente que a edição dos enunciados acima não implica o fim dos debates, por dois motivos.

O primeiro, é que o entendimento do TJ-SP, apesar de ter de ser respeitado por todos os órgãos julgadores do estado de São Paulo, salvo melhor juízo, não vincula, por óbvio, o STJ, o que significa dizer que a questão da comprovação da regularidade fiscal como requisito para a concessão da recuperação judicial e se pode a questão ser conhecida de ofício pelo órgão julgador fatalmente continuará sendo objeto de inúmeros recursos especiais até pronunciamento específico quanto à divergência.

O segundo, é que alguns pontos importantes ainda não foram objeto de uniformização e, portanto, não são tratados pelos enunciados. Destacamos, a nosso ver, os principais:

a) A despeito da mudança jurisprudencial no tocante à aplicação do art. 57 da Lei 11.101/2005, não há, ainda, definição quanto às consequências de eventual não apresentação das certidões negativas, se sobrestamento ou extinção do processo, revogação do stay period ou convolação da recuperação judicial em falência.

b) As novas regras relacionadas a parcelamento e transação tributários são direcionadas à Fazenda Nacional, com possibilidade de edição de leis semelhantes pelos demais entes da federação. Nesse sentido, a possibilidade de equacionamento das dívidas tributárias de empresas em recuperação judicial em âmbito estadual e municipal não é uniforme e, nesse cenário, o Judiciário deve se deparar também com a questão da exigibilidade ou dispensa das certidões negativas das demais Fazendas Públicas, consideradas as peculiaridades de cada caso.

c) É possível que existam débitos tributários em litígio sem garantia do juízo, o que, salvo melhor juízo, impossibilitaria a obtenção de certidão positiva com efeito negativo. Ao se deparar com situações de impossibilidade de obtenção das certidões negativas ou positivas com efeito negativo, deverá o Judiciário avaliar, de acordo com as circunstâncias concretas, qual a melhor solução a ser adotada.

Todos esses últimos pontos são essenciais, pois além do inequívoco objetivo do legislador de preservar a atividade empresarial e seus benefícios econômicos e sociais, os tribunais superiores já consolidaram o entendimento que a Fazenda Pública não pode criar óbices ao livre exercício da atividade econômica (artigo 170, CF) como meio coercitivo para cobrança de tributos (Súmulas 70, 3.323 e 547/STF e 127/STJ).

Apesar de todos os problemas que ainda serão enfrentados, não há dúvida de que toda solução começa com o primeiro passo e este foi dado pelo TJ-SP, provocando desta feita que o STJ também se pronuncie em breve sob a forma de enunciado ou por meio de julgamentos colegiados.

Oreste Nestor de Souza Laspro é advogado, administrador judicial. Professor de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2023, 8h00

Homologação da partilha em arrolamento sumário dispensa prévio recolhimento do ITCMD

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.074), estabeleceu a tese de que, no arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Porém, para o colegiado, deve ser comprovado o pagamento dos tributos relativos aos bens e às rendas do espólio, como preceituam o artigo 659, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC) e o artigo 192 do Código Tributário Nacional (CTN).

Com a fixação da tese, podem voltar a tramitar todos os processos individuais ou coletivos sobre a mesma questão, que haviam sido suspensos à espera do julgamento do repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos idênticos. 

Simplificação e flexibilização de procedimentos envolvendo o ITCMD

Em seu voto, a relatora, ministra Regina Helena Costa, explicou que o CPC de 2015, ao disciplinar o arrolamento sumário, transferiu para a esfera administrativa fiscal as questões referentes ao ITCMD, evidenciando que a legislação atual prioriza a agilidade da partilha amigável ao focar na simplificação e na flexibilização dos procedimentos, alinhada com a celeridade e a efetividade, e em harmonia com o princípio constitucional da razoável duração do processo.

“O artigo 659, parágrafo 2º, do CPC/2015, com o escopo de resgatar a essência simplificada do arrolamento sumário, remeteu para fora da partilha amigável as questões relativas ao ITCMD, cometendo à esfera administrativa fiscal o lançamento e a cobrança do tributo”, afirmou.

Segundo a ministra, tal procedimento não impede a incidência do imposto, pois não se trata de isenção, mas apenas de postergar a apuração e o respectivo lançamento para momento posterior. 

Todavia, observou a magistrada, ficam resguardados os interesses fazendários, considerando que o fisco deverá ser devidamente intimado pelo juízo para tais providências e poderá discordar dos valores atribuídos aos bens do espólio pelos herdeiros.

Regras específicas para títulos translativos de bens móveis e imóveis

Regina Helena ressaltou que, além disso, os títulos translativos de domínio de imóveis obtidos pelas partes somente serão averbados se demonstrado o pagamento do ITCMD, conforme os artigos 143 e 289 da Lei de Registros Públicos, estando os oficiais de registro sujeitos à responsabilidade tributária em caso de omissão no dever de observar eventuais descumprimentos das obrigações fiscais pertinentes (artigo 134, VI, do CTN).

A relatora também assinalou que, nas hipóteses de emissão de novo Certificado de Registro de Veículo (CRV), é preciso o prévio recolhimento do tributo, como determina o artigo 124, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro.

Por outro lado, a ministra ressalvou que o artigo 192 do CTN não impede a prolação da sentença homologatória da partilha ou da adjudicação, nem bloqueia a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação, quando ausente o recolhimento do ITCMD.

“Isso porque tal dispositivo traz regramento específico quanto à exigência de pagamento de tributos concernentes aos bens do espólio e às suas rendas, vale dizer, disciplina hipóteses de incidência cujas materialidades são claramente distintas da transmissão causa mortis, evidenciando, desse modo, a ausência de incompatibilidade com o artigo 659, parágrafo 2º, do CPC/2015″, esclareceu.

Desse modo, concluiu Regina Helena, “a homologação da partilha ou da adjudicação, no arrolamento sumário, prende-se à liquidação antecipada dos tributos que incidem especificamente sobre os bens e as rendas do espólio, sendo incabível, contudo, qualquer discussão quanto ao ITCMD, que deverá ocorrer na esfera administrativa, exclusivamente”.

Leia o acórdão no REsp 1.896.526.

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