ARTIGO DA SEMANA –  CARF: um órgão arrecadador

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Duas notícias veiculadas nesta semana informam que o CARF, após o restabelecimento do voto de qualidade em favor do fisco, foi responsável pela manutenção de exigências fiscais bilionárias. Veja aqui e aqui.

Na verdade, o restabelecimento do voto de qualidade pró-fisco foi medida adotada pelo Governo Federal com um propósito bem definido: aumentar a arrecadação e alcançar o déficit zero.

Não foi à toa que, no bojo do voto de qualidade em favor da Fazenda, surgiu um pacote de vantagens para estimular o pagamento pelo contribuinte que não teve seu recurso acolhido, que poderá pagar o débito com a exclusão de multas e juros, parcelado em 12 meses e com a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.

O CARF, então, passou a ser instrumento de arrecadação com a institucionalização do voto de bancada.

Esta nova função atribuída ao CARF é lamentável.

O órgão, antes independente e tecnicamente impecável, transformou-se num longa manus da Receita Federal. 

Há consequências extremamente danosas decorrentes da função arrecadatória do CARF.

Um primeiro ponto a se considerar é que, priorizando julgamentos de processos de alto valor para que sejam resolvidos pelo voto de qualidade, o CARF perde sua independência e, o que é pior, toda a credibilidade construída ao longo de anos.

Outra questão relevante que deve ser vista é que, diante de um órgão revisor parcial, as Delegacias de Julgamento sentir-se-ão totalmente à vontade para manter exigências fiscais, desestimulando-se a busca da verdade material e deixando de fazer Justiça. Como se diz, o exemplo vem de cima e a instância superior está decididamente inclinada, quase torta, em favor do fisco.

Ao fim e ao cabo, fazer do CARF um órgão arrecadador desprestigia o processo administrativo fiscal, que sempre foi entendido como uma importante ferramenta de revisão das autuações promovida pela fiscalização da Receita Federal.

Além de proporcionar decisões justas, com discussões técnicas em alto nível, o processo administrativo fiscal sempre foi prestigiado pela garantia da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, desde que as impugnações e recursos sejam apresentadas nos prazos da lei.

No entanto, a partir do momento em que cresce a expectativa decisão final desfavorável ao contribuinte, o processo administrativo fiscal se tornará um ritual de passagem para a discussão judicial.

Consequentemente, há uma clara tendência de aumento das medidas judiciais em matéria tributária de iniciativa dos contribuintes.

Portanto, além de não resolver o problema do contribuinte, o CARF arrecadador vai criar um novo gargalo no Poder Judiciário. 

Arrecadação em janeiro passa de R$ 280 bi e tem maior resultado em termos reais da série

Descontada a inflação, alta foi de 6,67% na comparação com o resultado do mesmo mês em 2023

A arrecadação de impostos e contribuições federais somou R$ 280,636 bilhões em janeiro de 2024, uma alta real (descontada a inflação) de 6,67% na comparação com o resultado de janeiro de 2023, quando o recolhimento de tributos somou R$ 251,745 bilhões, em termos nominais. 

Em relação a dezembro de 2023 a arrecadação avançou 20,86%, em termos reais. De acordo com a Receita, esse é o melhor resultado para um mês, e não apenas para os meses de janeiro, em termos reais, em toda a série histórica iniciada em 1995.

O resultado das receitas veio acima da mediana das expectativas das instituições do mercado financeiro ouvidas pelo Projeções Broadcast, que era de R$ 277 bilhões. O dado ficou dentro do intervalo de projeções, que ia de R$ 261,50 bilhões a R$ 285,663 bilhões.

O Fisco destacou o crescimento da arrecadação do IRRF de rendimentos de capital, em decorrência da tributação de fundos de investimentos. As receitas com IRRF de rendimentos de capital somaram R$ 14,104 bilhões, um avanço de 24,41%, sendo que R$ 4,1 bilhões são decorrentes da tributação de fundos exclusivos, alteradas em 2023.

Também foi destacada a melhora no desempenho da arrecadação do PIS/Cofins em razão do retorno da tributação incidente sobre a gasolina e diesel. Além disso, também houve pagamentos atípicos de IRPJ e da CSLL, o que contribuiu para o bom desempenho do mês.

Desonerações

As desonerações concedidas pelo governo resultaram em uma renúncia fiscal total de R$ 11,027 bilhões em janeiro de 2024, valor menor do que o registrado no mesmo mês de 2023, quando ficaram em R$ 12,350 bilhões.

O resultado é fruto da retomada da tributação sobre combustíveis, feita ao longo de 2023. Em janeiro, o governo retomou a cobrança integral do PIS/Cofins sobre o diesel, que havia sido zerado em 2021, com retomada parcial em setembro de 2023.

Já a desoneração da folha de pagamento resultou em uma renúncia de R$ 700 milhões em janeiro.

Esse é um tema sensível ao governo, que vetou integralmente a prorrogação da política de desoneração da folha de pagamentos de 17 setores econômicos, e apresentou uma medida provisória com uma proposta de reoneração gradual. O tema está gerando divergências entre o Congresso e o governo, que deve enviar um projeto de lei com urgência constitucional para tratar do tema.

Adotada desde 2011, a desoneração da folha de pagamentos é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, a depender do setor produtivo. Na prática, a medida reduz a carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.

Fonte: Canal Rural, 22/02/2024

Carf afasta qualificação da multa em amortização de ágio interno

Na prática, o contribuinte não deverá pagar multa

Por maioria, a 1ª Turma da Câmara Superior Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a qualificação da multa aplicada contra o contribuinte, reduzindo a penalidade de 150% para 75%, em um caso envolvendo amortização de ágio interno. A maioria dos conselheiros negou provimento ao recurso da Fazenda Nacional, que pedia o restabelecimento da multa qualificada, afastada pela turma baixa.

Por unanimidade, a turma ainda manteve cobrança de IRPJ/CSLL sobre ganho de capital na operação que gerou o ágio. Além disso, por voto de qualidade, negou a dedução do IRRF pago sobre o ganho de capital. Com relação à discussão sobre o direito à amortização do ágio, o contribuinte desistiu do recurso.

Na prática, o contribuinte não deverá pagar multa, uma vez que o colegiado determinou também que a unidade de origem exclua a penalidade por completo com base no artigo 9° da Lei 14.689/2023. O dispositivo prevê o perdão das multas na hipótese de julgamento de processo resolvido favoravelmente à Fazenda pelo voto de qualidade.

Ao restabelecer o voto de qualidade no Carf, a Lei 14689/23 definiu alguns benefícios aos contribuintes, entre eles a exclusão da multa para os casos decididos pelo desempate. No caso concreto, houve decisão por voto de qualidade desfavorável ao contribuinte na turma baixa, que não permitiu a amortização de ágio interno.

No caso concreto, a fiscalização questionou o ágio registrado em 2005, quando o contribuinte comprou ações da empresa Du Pont Safety Resources do Brasil LTDA e quotas da Pioneer Sementes LTDA. O entendimento foi de que, para fins de ganho de capital, houve uma alienação de participação societária e que esta ocorreu por um custo superior ao de aquisição.

Uma das principais questões levantadas pela turma ordinária durante o julgamento foi o fato de ter havido cobrança de IRPJ sobre ganho de capital na operação de integralização de capital na Du Pont Safety Resources Brasil Ltda DSRB pela Du Pont Spain (com ações da Pioneer). A questão foi se caberia analisar no caso apenas o direito à amortização do ágio sem considerar o fato de que para a mesma operação foi apurado ganho de capital, o que caracterizaria manutenção de duas infrações fiscais antagônicas entre si.

O processo tramita com o número 16561.720124/2016-65.

Fonte: Jota, 21/02/2024

Ex-diretor de rede de farmácia é condenado por sonegação de R$ 8 milhões em impostos

A 22ª Vara Federal de Porto Alegre condenou o ex-diretor de uma rede de farmácias pela supressão e redução de pagamentos de impostos em prejuízo avaliado em aproximadamente R$ 8 milhões. A sentença foi publicada em 17/01.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação narrando que o ex-diretor e o seu sócio foram responsáveis pela sonegação de tributos federais ao prestarem declarações falsas às autoridades fazendárias e ao terem deixado de recolher, dentro do prazo legal, valores de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRPF), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Dessa forma, os denunciados teriam ocasionado prejuízos de R$ 4.879.991,31 pelas declarações falsas aos agentes oficiais, e de R$ 3.776.048,43 pelo não recolhimento devido de impostos, totalizando cerca de R$ 8 milhões em tributos iludidos.

A defesa contestou, requerendo a absolvição sob os argumentos de negativa de autoria e de exclusão da culpabilidade (que o réu não teve culpa pelos fatos). Alternativamente, requereu ainda a desclassificação da acusação de fraude nas declarações para a modalidade tentada.

O juízo da 22ª Vara Federal observou que a acusação do MPF postulou que o não recolhimento devido dos tributos ocorreu entre outubro de 2016 e novembro de 2107. Tendo em vista que a denúncia foi recebida em maio de 2021, e que o delito de não recolhimento de tributos prescreve em quatro anos de acordo com a Lei nº 8.137/90, o juízo reconheceu que somente o período de abril a novembro de 2017 poderia ser considerado para o julgamento da acusação de fraude nos recolhimentos.

Para o juízo, a materialidade do delito ficou comprovada a partir dos documentos oficiais anexados ao caso. Já a autoria ficou evidenciada a partir da comprovação de que o réu, ao lado de seu sócio, assumiu a condição de diretor da rede em 2015.

Em depoimento prestado em juízo, o acusado disse ter herdado uma situação difícil à frente da empresa, uma vez que o antigo controlador da empresa foi preso no bojo da Operação Lava Jato, que foi então descoberta uma fraude no balanço trabalhista da empresa e que, dessa forma, os bancos passaram a não conceder mais créditos para a empresa.

O juízo considerou que a dificuldade financeira da empresa não justifica a exclusão da culpa do réu: “Não se admite que a empresa adote a prática ilegal como forma contumaz de manutenção dos negócios por longo período de tempo, sendo razoável que se exija demonstração de medidas realizadas no objeto de saneamento dos negócios, como por exemplo, a injeção de recursos próprios dos sócios, a busca por créditos, o enxugamento da folha salarial (…)”.

A alegação de que o delito teria sido apenas tentado não procedeu perante o juízo, que observou que a rede de farmácia suprimiu informações, deixando de aparecer no cadastro de devedores da Receita Federal, o que se caracteriza como um crime concreto e executado.

O réu foi condenando à pena privativa de liberdade de três anos e seis meses de reclusão e ao pagamento de 191 dias-multa, pena que, nos termos da lei, foi substituída por duas restritivas de direitos, prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade.

O outro sócio, por ter seu paradeiro desconhecido, foi citado por edital e responde separadamente, em ação penal tramitando na mesma vara. 

Fonte: Notícias do TRF4

Sócios-administradores de empresa são condenados por sonegação fiscal e deverão pagar mais de R$ 27 milhões

A 5ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS) condenou os três sócios-administradores de uma empresa sediada no município gaúcho de Flores da Cunha por sonegação fiscal. Eles foram condenados a pena de reclusão de quatro anos e deverão pagar mais de R$ 27 milhões para reparar o dano causado aos cofres públicos. A decisão foi publicada na terça-feira (9/1).

Em novembro de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com a ação narrando que, entre outubro de 2002 e junho de 2005, os três sócios-administradores de uma empresa de equipamentos e transportes deixaram de recolher tributos federais relativos ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), Programa Integração Social (PIS) e Contribuição Para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) com omissão de receitas. O autor afirmou que eles deixaram de declarar e confessar tais débitos em DCTF e de informá-los em DIPJ e DACONI, impedindo ou retardando o conhecimento e a cobrança de tais créditos pela Receita Federal.

Em sua defesa, os três homens sustentaram que a acusação se baseia pelo simples fato deles integrarem a sociedade empresarial, mas não há provas de suas efetivas participações na alegada fraude contra o fisco. Alegaram que a denúncia é precária na individualização da conduta dos réus para que se possa resultar inequívoca a autoria.

Ao analisar o caso, o juízo pontuou que o entendimento pacífico é de que o autor do delito de sonegação fiscal é todo aquele que tenha o poder de decidir pela prática ou não da conduta criminosa, bem como de evitar a ocorrência do resultado. “De fato, tratando-se de crimes tributários, são autores do crime todos aqueles que possuem poderes de direção e de administração, fixando as diretrizes a serem seguidas, assim como aqueles que praticam conscientemente atos executórios, operacionalizando a fraude”.

A sentença ressaltou que os réus, em seus interrogatórios, buscaram sustentar sua desvinculação da prática delituosa apurada pela autoridade fiscal. Entretanto, tal tese não se sustenta, pois não “é crível que, em uma empresa familiar, com apenas três sócios e administradores, as decisões estratégicas referentes à gestão e cumprimento das obrigações tributárias não contassem com a participação e contribuição de todos. Independentemente da implementação de uma divisão de tarefas em função das habilidades e afinidades de cada um, é intuitivo que as questões de alto impacto, tais como a apuração e o recolhimento de tributos, exigiam o acompanhamento e o direcionamento conjunto dos responsáveis legais”.

O juízo ainda destacou que a prova testemunhal proporcionou indicativos suficientes de que a empresa era administrada em sistema de gestão compartilhada entre os sócios. Dessa forma, restou comprovado que os três réus foram os responsáveis pela omissão de receitas e consequente supressão ou redução dos tributos federais. “Esse comportamento foi nitidamente revestido de dolo, na medida em que a conduta criminosa se estendeu por quase três anos e o modus operandi consistia na inserção reiterada e deliberada de informações falsas nos documentos fiscais, o que revela, sem sombra de dúvida, a vontade livre consciente de praticar o comportamento descrito no tipo penal”.

A ação foi julgada procedente e a sentença fixou a pena de quatro anos e nove meses de reclusão, em regime inicial semiaberto. Também foi definido o valor mínimo de indenização para reparação do dano em R$ 27.359.863,00. Cabe recurso da decisão ao TRF4.

Secos/JFRS (secos@jfrs.jus.br)

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