Receita Federal contraria decisão do STJ sobre incentivos fiscais de ICMS

Entendimento está em solução de consulta editada nesta semana pelo órgão

A Receita Federal considera que ainda não é obrigada a seguir a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a tributação de incentivos fiscais de ICMS. Em solução de consulta, o órgão aplica entendimento mais restritivo do que o adotado pelos ministros no julgamento realizado no primeiro semestre. Também destaca que a Medida Provisória no 1.185, de agosto, deverá alterar as regras a partir de 2024.

A questão é relevante porque a União estima que vai deixar de arrecadar, neste ano, R$ 70 bilhões em Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL em razão de empresas estarem abatendo valores relativos a subvenções de ICMS do cálculo desses tributos. On- tem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que essa era umas das dificuldades para a União alcançar a arrecadação almejada.

O entendimento da Receita está na Solução de Consulta Cosit nº 253, de 2023, publicada na segunda-feira. A discussão foi levantada por uma empresa do comércio atacadista de mercadorias em geral da Bahia, beneficiária de subvenção para investimento na forma de créditos presumidos e de redução de base de cálculo do ICMS.

A empresa alegou à Receita que o objetivo implícito do benefício é a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, no Estado da Bahia, para aumentar a concorrência com atacadistas de fora do Estado, gerar empregos e proteger o comércio local.

Na resposta, a Receita Federal cita a Solução de Consulta no 145, publicada em 2020, antes, portanto, de o STJ julgar o tema, no primeiro semestre deste ano — o que foi feito por meio de recurso repetitivo. Em um primeiro momento, esse julgamento foi festejado pelo Ministério da Fazenda.

Afirma a Receita que a norma “é cristalina” no sentido de que a concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendi- mentos econômicos é um dos requisitos indispensáveis para a aplicação do artigo 30 da Lei no 12.973, de 2014, que afasta a incidência de tributos federais.

Para o órgão, o descumprimento dessa condição impede a exclusão de valores das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente da forma de recebimento da subvenção para investimento. O entendimento, segundo advogados, contraria a posição do STJ, que não exige essa demonstração.

A decisão dos ministros, dizem, permite que a Receita cobre IRPJ e CSLL se verificar, em fiscalização, que os valores do benefício fiscal foram usados para outros fins que não a garantia da viabilidade do empreendimento econômico. Pela legislação, os ganhos com os incentivos têm de ser “registrados em reserva de lucros” e só pode- riam ser usados na própria empresa ou para abater prejuízo fiscal.

Na solução de consulta, a Receita lembra que há recurso pendente de julgamento no STJ e, por isso, não há ainda manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a respeito. De acordo com a Receita, as decisões do tribunal superior só passam a ter efeito vinculante a partir de norma da PGFN.

Ainda segundo a Receita, está pendente de decisão no Supremo Tribunal Federal (STF) recurso sobre possibilidade de exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins de valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e Distrito Federal.

Pedro Grillo, do escritório Brigagão, Duque Estrada Advogados, critica a posição do órgão, adotada mesmo após o recurso repetitivo do STJ, que criou uma distinção entre crédito presumido e os outros incentivos. “A Receita está mantendo a posição que sempre teve, apesar de haver um repetitivo em sentido contrário”, afirma.

O advogado destaca que a solução de consulta cita a MP que ainda não está produzindo efeitos. “Todo esse entendimento cairá por terra com a MP”, diz. “O texto da medida provisória traz regra muito pior para os contribuintes.”

Para Thais Veiga Shingai, da banca Mannrich e Vasconcelos Advogados, a União tanto discorda da decisão do STJ que, por meio da MP, seriam revogadas as normas vigentes de subvenções para investimento. Elas se tornariam integralmente tributadas (43%) com a possibilidade de o contribuinte pedir a habilitação de seu incentivo e obter crédito fiscal de Imposto de Renda (25%) a depender da avaliação da Receita. “O texto da MP indica que a decisão do STJ não é tão favorável à União.”

Embora a Receita Federal tenha defendido que a decisão do STJ foi favorável a ela, acrescenta a advogada, “na verdade foi desfavorável porque o STJ determinou a aplicação do artigo 30 da Lei no 12.973, que, entre outros elementos, equipara incentivos fiscais a subvenções para investimento, afastando a tributação”. Pela primeira vez, afirma a advogada, a Receita analisou o acórdão do STJ para dizer que não está vinculada. “Mas se a Receita interpretava o acórdão de forma favorável a ela não teria problema nenhum em aplicá-lo ao caso concreto do contribuinte, que tinha crédito presumido de ICMS e redução de base de cálculo”, diz.

Daniel Tessari, do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, entende que “a solução de consulta cristaliza o cenário de insegurança jurídica”. O advogado destaca que o assunto ainda tem algumas frentes de discussão, com a MP e recursos pendentes nos tribunais.

Em nota ao Valor, a Receita informa que, após a decisão do STJ, buscou orientar a todos. “Inclusive com a possibilidade de regularização antes do início de procedimentos de fiscalização”, diz, acrescentando que, levantamento recente identifica dezenas de procedimentos fiscais em andamento relativos ao tema.

Fonte: Valor Econômico – 01/11/2023

STJ julga dedução de PLR de diretor empregado do IRPJ

A 1a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar ontem um tema considerado inédito. Os ministros analisam a possibilidade de dedução, do cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL, de valores de participação nos lucros e resultados (PLR) e gratificações de administradores e diretores que também são empregados — modalidade de contratação que não é muito comum.

Por enquanto, apenas a relatora do caso, a ministra Regina Helena Costa, proferiu voto, a favor do contribuinte. Para ela, esses valores distribuídos aos diretores e administradores devem ser considerados despesas e, portanto, podem ser deduzidos. Antes mesmo de seu voto, o ministro Gurgel de Faria pediu vista (REsp 1948478).

A tributação da PLR — tanto de celetistas como estatutários — é motivo de briga histórica entre Fisco e contribuintes. Em 2021, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), havia mais de R$ 7 bilhões em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e no Judiciário.

Em seu voto, a ministra Regina Helena Costa admitiu recurso do ING Bank, que vinha perdendo até então em todas as instâncias do Judiciário. O Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF-3), com sede em São Paulo, manteve sentença favorável aos autos de infração sofridos pela instituição financeira, entre os anos de 2006 e 2007.

No julgamento, um dos advogados que assessora o ING Bank, Alexandre Ponce de Almeida, do escritório Velloza Advogados, fez sustentação oral. Ele destacou que o parágrafo 1o do artigo 3o da Lei no 10.101, de 2000, que trata de PLR, afirma expressamente que, para efeito de apuração do lucro real, a pessoa jurídica poderá deduzir como despesa operacional as participações atribuídas aos empregados nos lucros ou resultados, sem fazer qualquer distinção entre eles.

Almeida ainda citou um outro

julgamento, de relatoria da ministra Regina Helena Costa, que tratou de PLR de diretores estatutários. Nele, a ministra fez um paralelo em relação a casos de diretores empregados para abordar a possibilidade de dedução desses valores do cálculo do IRPJ e da CSLL (REsp 1897960).

A procuradora Marise Correa de Oliveira, representante da PGFN, também fez sustentação oral no julgamento. Alegou que o recurso não poderia ser admitido pelo STJ por envolver análise de provas. E que o TRF da 3ª Região, ao analisar o caso, concluiu que não seria possível a dedução dos valores, uma vez que os diretores exercem atividade de gestão, “que está muito mais próxima do empregador do que do empregado”.

Ela acrescentou que a função de diretor é diferente da de empregado, que tem assegurado pelo artigo 7o, inciso XI, da Constituição o pagamento de PLR, desvinculado da remuneração.

Por fim, Marise citou que o Regulamento do Imposto de Renda (RIR), de 1999, era vigente na época das autuações. De acordo com ela, a norma — Decreto no 3.000 — dizia expressamente, no artigo 303, que “não serão dedutíveis, como custos ou despesas operacionais, as gratificações ou participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica”. Ao contrário da situação de empregados, ressaltou, com previsão de dedução no artigo 359.

Logo em seguida, o ministro Gurgel de Faria já antecipou que pediria vista. A ministra Regina Helena Costa preferiu, então, citar trechos de seu voto. Destacou que fez um voto longo, em homenagem ao ineditismo do tema. “O tribunal de origem entendeu que, por serem diretores empregados, os valores não seriam dedutíveis e assim manteve autuações lavradas pela Receita de 2006 e 2007. É um caso bem peculiar, estamos falando de autuações”, disse a relatora.

A ministra passou por diversas leis, que desde 1946 tratam do assunto, até chegar na Lei no 10.101, de 2000, que não faz distinção entre os trabalhadores ao tratar da dedução, e no Regulamento do Imposto de Renda, de 1999, que impedia o abatimento de valores pagos a diretores.

Para a ministra Regina Helena Costa, contudo, não faria sentido existir uma lei prevendo essa dedução, uma vez que esses valores dispendidos pelas empresas para o pagamento de PLR devem ser considerados despesas, que têm possibilidade de abatimento prevista no IRPJ e na CSLL.

“A indedutibilidade de despesa é que precisaria de previsão legal”, disse. Ela acrescentou que o que está dentro dessa dedução não precisa ser dito, uma vez que todos os custos e despesas devem ser abatidos na sistemática do lucro real.

Em seu voto, ainda afirmou que o Carf não tem posição consolidada sobre o assunto, mas tem decisão recente, de 2020, da Câmara Superior, no mesmo sentido do seu voto. Por fim, esclareceu que a solução encontrada no processo não deve ser generalizada porque ela atende às particularidades desse caso. O julga- mento então foi suspenso com o pedido de vista.

Para o advogado Leandro Cabral, do Velloza Advogados, que também assessora o ING Bank, o voto da ministra Regina Helena “é irretocável”.

Segundo Cabral, ela entendeu que essa despesa com PLR e gratificação a empregados que ocupam cargo diretivo reduz o lucro da companhia e não há razão para se exigir fora da regra de dedução do IRPJ e da CSLL. “Haveria necessidade de lei caso se quisesse tratar como indedutível, mas não há. Ao contrário, esses pagamentos a empregados são dedutíveis”, diz. “Esse julgado é importante também para ajudar a uniformizar a jurisprudência do Carf, inclusive mediante súmula.”

Fonte: Valor Econômico, 18/10/2023

ARTIGO DA SEMANA – Há 35 anos…

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Há 35 anos foi promulgada a atual Constituição da República.

Batizada de Constituição Cidadã, a CF/88 trouxe importantes avanços quanto aos direitos e garantias, individuais e coletivos.

Trouxe também um novo Sistema tributário, já deixando claro que só entraria em vigor em março de 1989.

Tributos antigos foram extintos.

Novos tributos nasceram em 05/10/1988.

Outros permaneceram, embora com alterações aqui e acolá.

De lá pra cá, a Constituição foi emendada.

Muito emendada. 

Quase remendada.

131 Emendas Constitucionais + 6 Emendas Constitucionais de Revisão.

Daqui a pouco serão tantas Emendas quantos os artigos da Constituição…

Nem o que era para ser transitório (ADCT) ficou sem Emenda.

Emendas também extinguiram tributos novos, nascidos em 1988, que começaram a engatinhar em 01/03/1989.

Emendas criaram tributos para fazer companhia àqueles nascidos em 1988, afinal de contas toda família tende a crescer…

Emendaram a “Constituição Tributária” para constitucionalizar o que o Judiciário disse que era inconstitucional. 

Ainda não houve Emenda para desonerar totalmente as exportações dos tributos incidentes em todas as etapas do ciclo produtivo.

Também não surgiu Emenda para desonerar o investimentos.

Nem de longe se vê uma Emenda prevendo um Sistema Tributário Nacional simples, racional e que funcione sem Emendas.

O Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) continua, por força da Constituição de 1988, com a companhia da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A União, egoísta, não abre mão de tributar a renda através de exação que não divida com ninguém.

O Imposto de Importação também não sofre de solidão. Está sempre de mãos dadas com o ICMS, ISS, PIS, COFINS e, muitas vezes, com o IPI.

O consumo sempre está lotado. ICMS, ISS, PIS, COFINS, IPI e CIDE ocupam todo o espaço.

Mais uma Emenda vem aí.

Mudanças na tributação do consumo estão a caminho, com um leve toque na tributação do patrimônio.

Se o Sistema Tributário Nacional, como o próprio nome diz, é um sistema, não faz sentido mexer numa parte sem recauchutar todo o pneu. 

A nova tributação do consumo, do jeito que está se desenhando, vai durar pouco. Novas Emendas surgirão para corrigir falhas graves.

O retoque na tributação do patrimônio que está surgindo representa, mais uma vez, a constitucionalização do que a Justiça afirmou ser inconstitucional: incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves.

Por que não reformar todo o Sistema?

Por que  emendar às pressas?

Por que já propor um IVA que não será IVA?

Por que desperdiçar a oportunidade de fazer a Reforma Tributária mais próxima do ideal?

Por que lei complementar nacional para instituir imposto da competência dos Estados e Municípios?

A conferir o que virá nos próximos 35 anos…

Para tributaristas, compensações por voto de qualidade não afastam desigualdade

O restabelecimento do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — promovido por meio da Lei 14.689/2023publicada nesta quinta-feira (21/9) — trouxe como “brinde” uma série de contrapartidas que podem beneficiar os contribuintes derrotados em suas demandas no órgão. No entanto, segundo os tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema, tais compensações não são suficientes para afastar o caráter de desigualdade do voto de desempate a favor do governo nos julgamentos do Carf.

Entre as contrapartidas listadas para os casos de derrota do contribuinte pelo voto de qualidade, estão as seguintes: exclusão de multas e cancelamento de representação fiscal para fins penais; pagamento da dívida sem juros e em 12 parcelas (devendo o contribuinte se manifestar em até 90 dias); possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); não incidência do encargo legal em caso de inscrição em dívida ativa da União; e emissão de certidão de regularidade fiscal no curso do prazo de 90 dias para manifestação do contribuinte para pagamento do tributo devido.

Além disso, será possível usar precatórios para amortização ou liquidação da dívida; ampliar a capacidade de negociação da Fazenda Nacional no âmbito dos acordos de transação tributária, com a possibilidade de oferta de propostas mais vantajosas para os contribuintes; e dispensar o oferecimento de garantia pelo devedor para discussão judicial dos créditos abrangidos pela decisão, desde que ele tenha capacidade de pagamento.

No entanto, de acordo com Daniel Moreti, sócio do escritório Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados e juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, essas medidas todas não vão afastar as perdas que o contribuinte sofrerá com o voto de qualidade, já que é no processo administrativo tributário que são discutidos temas específicos com maior especialização e riqueza de detalhes.

“Nele, o contribuinte estará em desvantagem. Pagar em 12 parcelas sem juros ou levar o débito à discussão judicial, sem a necessidade de garantia prévia, podem até ser formas de alívio, mas não solucionam a perda sofrida pelos contribuintes. Vale destacar que houve ainda o veto a diversos outros dispositivos que redimensionariam as multas tributárias e trariam importantes diretrizes para a conformidade tributária, a fim de reduzir a litigiosidade na relação entre o Fisco e os contribuintes.”

Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados, entende que as contrapartidas aliviam a situação, mas não compensam integralmente a desigualdade, algo inerente ao voto de desempate.

“Por exemplo, a questão relativa à cumulação de multa isolada com a de ofício tem sido desfavorável aos contribuintes no âmbito do Carf, justamente por voto de qualidade em favor do Fisco”, lembrou ela. “Ocorre que essa matéria está sendo julgada favoravelmente aos contribuintes no Judiciário. Nesse cenário, o contribuinte terá interesse em derrubar a decisão do Fisco no Judiciário e, apesar de não se sujeitar a exigência da garantia, terá custos para judicializar o tema. E se, ao final, o contribuinte lograr êxito no Judiciário, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional terá de arcar com honorários de sucumbência. A decisão, por voto de qualidade, nesse caso, vai se mostrar ineficiente tanto para o Fisco quanto para o contribuinte.”

Para Simone Bento, advogada do Rolim Goulart Cardoso Advogados, os benefícios não compensam integralmente a desigualdade decorrente da retomada do voto de qualidade.

“Caso fosse pró-contribuinte, obviamente, o crédito tributário estaria fulminado já administrativamente. E nenhum benefício relacionado a facilidade de pagamento, redução de multa e necessidade de discussão no Judiciário (ainda que sem garantia) consegue amenizar os efeitos da manutenção de cobranças por voto de minerva do próprio Fisco.”

Compensações substanciais
Sócia do escritório Bueno Tax Lawyer, Fernanda Lains diz que os benefícios jamais colocarão fim à desigualdade causada pelo voto de qualidade, mas, assim mesmo, não é possível ignorar que as compensações são substanciais.

“É como se houvesse o diferimento do tributo no tempo, este bastante largo. Não bastasse, o contribuinte poderá se valer do uso de prejuízo fiscal e de base negativa da CSLL para a compensação do tributo devido, além de poder utilizar, para tanto, precatórios. A depender da análise da jurisprudência sobre o tema no Judiciário, o contribuinte terá boas razões financeiras para fazer o pagamento do tributo tido por devido.”

Por sua vez, Mauricio Terciotti, sócio do escritório TAGD Advogados, pondera que o objetivo do Carf não deve ser arrecadatório, mas proferir julgamentos justos com base nos princípios que norteiam as discussões tributárias e do processo administrativo.

“Entendo que não há benefício financeiro que compense um julgamento injusto, desigual. Independentemente dessa questão, esse benefício de poder pagar o débito sem multa e juros é muito interessante para o contribuinte do ponto de vista financeiro, sobretudo porque as discussões administrativas demoram alguns anos para serem finalizadas.”

Para Leonardo Gallotti Olinto, sócio do escritório Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, as contrapartidas não compensam os prejuízos, mas são uma evolução válida e louvável. O grande problema, segundo ele, é o “vai e volta” do voto de desempate. “Veja quantas vezes essa questão mudou. Isso faz com que o entendimento do tribunal, que deveria ser estritamente técnico, acabe sendo casuístico. Se dois processos idênticos tiverem sido julgados em momentos diferentes, um com o voto de qualidade cá, outro lá, os resultados serão distintos, o que não é, logicamente, saudável, nem desejável.”

Eduardo Bonates, sócio do escritório Almeida, Barretto e Bonates Advogados, afirma que as tentativas de amenizar o prejuízo do contribuinte não passam de uma manobra. “Parece inacreditável e surreal. E é exatamente isso. Na prática, a nova lei fez com que a União trocasse de lado e, ao invés de derrotada em disputas tributárias no âmbito da Receita Federal, agora se tornasse vencedora. Da noite para o dia. É como alterar o placar de um jogo após a partida ser encerrada. E aí, depois de cometer um absurdo como esses, de alterar uma derrota administrativa numa vitória bilionária, dizem para o empresário que ele pode ficar despreocupado, que pode parcelar e retirar o juros de uma dívida que nem era para existir. Estamos falando de mais de R$ 50 bilhões somente em 2023.”

Por fim, Diego Miguita, sócio do escritório VBSO Advogados, opina que a nova lei é razoável. “Nenhuma previsão da Lei nº 14.689/2023 pode ser considerada incentivo ao não recolhimento, especialmente porque as estatísticas demonstram que o voto de qualidade resolve a minoria dos casos, e que, em geral, são exatamente aqueles nos quais há legítimas dúvidas sobre a interpretação da legislação aplicável. Certamente, casos contaminados por fraude ou simulação, por exemplo, continuarão a ser decididos da mesma forma que antes, isto é, sem que o voto de qualidade seja decisivo.”

Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2023, 20h38

ARTIGO DA SEMANA – Medida Provisória 1.185/2023: ausência de relevância e urgência

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Acabei de ler interessante artigo no Conjur sobre a Medida Provisória 1.185/2023.

O autor do artigo, advogado Bruno Guimarães, traça um histórico da evolução legislativa da dedução das despesas de incentivos fiscais do ICMS na base de cálculo do IRPJ, discorre sobre as decisões do CARF e do STJ favoráveis aos contribuintes, e conclui que a MP 1185, na verdade, é a solução adotada pelo fisco para reverter uma derrota.

A conclusão do Bruno Guimarães faz todo sentido e escancara uma realidade: a MP 1185 não preenche os requisitos constitucionais para a adoção de uma medida provisória.

Atualmente não se discute mais o cabimento de medidas provisórias em matéria tributária.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284/CE, em sessão ocorrida em 01/07/1992 – portanto anterior à TV Justiça… – o STF afirmou que as medidas provisórias constituem meio hábil para a instituição de tributos, conforme se depreende da seguinte passagem do voto do Min. CARLOS VELLOSO, relator: “Há os que sustentam que o tributo não pode ser instituído mediante medida provisória. A questão, no particular, merece algumas considerações. Convém registrar, primeiro que tudo, que a Constituição, ao estabelecer a medida provisória como espécie de ato normativo primário, não impôs qualquer restrição no que toca à matéria. E se a medida provisória vem a se transformar em lei, a objeção perde objeto.”

Quase dez anos depois, a Emenda Constitucional nº 32/2001 trouxe profundas mudanças no tratamento das medidas provisórias, valendo destacar o art. 62, § 1º, III, e o § 2º do mesmo artigo dispondo que Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.”

Como se vê, a EC 32/2001 consagrou aquilo que já era pacífico na jurisprudência, admitindo a instituição de tributos por medida provisória, embora, no que diz respeito aos impostos, determine a sua conversão em lei no ano anterior, salvo em relação aos impostos discriminados no art. 62, § 2º (imposto de importação, imposto de exportação, IPI e IOF). Fica vedada, também de acordo com pacífica posição jurisprudencial, a utilização de medida provisória para dispor sobre tributo da competência residual da União, já que não se pode utilizar medida provisória para tratar de matéria reservada à lei complementar (art. 62, § 1º, III), sendo este o veículo adequado para a instituição dos tributos de que trata o artigo 154, I e o artigo 195, § 6º, da Constituição.

Mas a utilização de medidas provisórias, sejam tributárias ou não, tem uma premissa básica: tratar de assuntos relevantes e urgentes.

Após um período de hesitação jurisprudencial, o STF passou a admitir o controle de constitucionalidade destes requisitos[1]. Em outras palavras, é possível que o Judiciário manifeste-se sobre a questão de saber se determinado assunto reúne os requisitos de relevância e urgência de modo a ser disciplinado por medida provisória.

A MP 1185/2023 não trata de matéria relevante e urgente.

De acordo com a Exposição de Motivos do Ministro da Fazenda[2], a dedução dos incentivos fiscais do ICMS na base de cálculo do IRPJ decorre de veto presidencial derrubado pelo Congresso Nacional.

Além disso, o governo justifica o novo tratamento dado à matéria em razão de um alegado rombo de R$ 80 bilhões ao ano, segundo cálculos da Receita Federal.  

Mas há ainda outro motivo a ensejar a adoção da MP 1185: as decisões do CARF e do STJ (Tema 1182[3]dos Recursos Repetitivos) contrárias ao interesse do fisco, afirmando ser desnecessária a demonstração de concessão do incentivo como estímulo à implantação ou expansão do empreendimento.

Portanto, a MP 1185 está sendo utilizada para “corrigir” um veto derrubado pelo Congresso e decisões favoráveis aos contribuintes.

A MP 1185 está sendo utilizada como um capricho do Poder Executivo em ver atendida sua vontade, com exclusivo propósito arrecadatório, em oposição à manifestação do Congresso Nacional que derrubou o veto e à interpretação do Judiciário contrária aos interesses do fisco.

Exatamente por isso, a matéria não é relevante, como já decidiu o STF em situação praticamente idêntica[4].

Também não se trata de matéria urgente, na medida em que o rombo apontado pelo Ministro da Fazenda pode (e deve) ser coberto por outras fontes de receitas e, principalmente, pela redução de despesas, esta última uma solução que passa longe da cabeça dos nossos governantes. 


[1] MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA 2.226, DE 04.09.2001. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RECURSO DE REVISTA. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA NA ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º; 5º, CAPUT E II; 22, I; 24, XI; 37; 62, CAPUT E § 1º, I, B; 111, § 3º E 246. LEI 9.469/97. ACORDO OU TRANSAÇÃO EM PROCESSOS JUDICIAIS EM QUE PRESENTE A FAZENDA PÚBLICA. PREVISÃO DE PAGAMENTO DE HONORÁRIOS, POR CADA UMA DAS PARTES, AOS SEUS RESPECTIVOS ADVOGADOS, AINDA QUE TENHAM SIDO OBJETO DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO, DA APARENTE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA E DA PROTEÇÃO À COISA JULGADA. 1. A medida provisória impugnada foi editada antes da publicação da Emenda Constitucional 32, de 11.09.2001, circunstância que afasta a vedação prevista no art. 62, § 1º, I, b, da Constituição, conforme ressalva expressa contida no art. 2º da própria EC 32/2001. 2. Esta Suprema Corte somente admite o exame jurisdicional do mérito dos requisitos de relevância e urgência na edição de medida provisória em casos excepcionalíssimos, em que a ausência desses pressupostos seja evidente. No presente caso, a sobrecarga causada pelos inúmeros recursos repetitivos em tramitação no TST e a imperiosa necessidade de uma célere e qualificada prestação jurisdicional aguardada por milhares de trabalhadores parecem afastar a plausibilidade da alegação de ofensa ao art. 62 da Constituição. (…)

(ADI 2527 MC, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 16/08/2007, DJe-147  DIVULG 22-11-2007  PUBLIC 23-11-2007 DJ 23-11-2007  PP-00020  EMENT VOL-02300-01  PP-00107 RTJ VOL-00205-01 PP-00044)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – A QUESTÃO DO ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS – POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DA URGÊNCIA E DA RELEVÂNCIA ( CF, ART. 62, CAPUT)- REFORMA AGRÁRIA – NECESSIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO – INVASÃO DE IMÓVEIS RURAIS PRIVADOS E DE PRÉDIOS PÚBLICOS – INADMISSIBILIDADE – ILICITUDE DO ESBULHO POSSESSÓRIO – LEGITIMIDADE DA REAÇÃO ESTATAL AOS ATOS DE VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA – RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 – INOCORRÊNCIA DE NOVA HIPÓTESE DE INEXPROPRIABILIDADE DE IMÓVEIS RURAIS – MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE DESTINA, TÃO-SOMENTE, A INIBIR PRÁTICAS DE TRANSGRESSÃO À AUTORIDADE DAS LEIS E À INTEGRIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA – ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA QUANTO A UMA DAS NORMAS EM EXAME – INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO GENÉRICA – CONSEQÜENTE INCOGNOSCIBILIDADE PARCIAL DA AÇÃO DIRETA – PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, INDEFERIDO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS . – A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância ( CF, art. 62,”caput”) . – Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraordinariamente, pela Constituição da Republica. Doutrina. Precedentes . – A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional, apóia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções estatais. UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS – INADMISSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA . – A crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica, em razão do fato de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo . – Nada pode justificar a utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo – quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material -, investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de “checks and balances”, a relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da República . – Cabe, ao Poder Judiciário, no desempenho das funções que lhe são inerentes, impedir que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar medida provisória culmine por introduzir, no processo institucional brasileiro, em matéria legislativa, verdadeiro cesarismo governamental, provocando, assim, graves distorções no modelo político e gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação de poderes . – Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais legitimadores das medidas provisórias ora impugnadas. Conseqüente reconhecimento da constitucionalidade formal dos atos presidenciais em questão. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA – O CARÁTER RELATIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA – NECESSIDADE DE NEUTRALIZAR O ESBULHO POSSESSÓRIO PRATICADO CONTRA BENS PÚBLICOS E CONTRA A PROPRIEDADE PRIVADA – A PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO . – O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente ( CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da Republica . – O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto – enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade – reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social . – Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico- -social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade. O ESBULHO POSSESSÓRIO – MESMO TRATANDO-SE DE PROPRIEDADES ALEGADAMENTE IMPRODUTIVAS – CONSTITUI ATO REVESTIDO DE ILICITUDE JURÍDICA . – Revela-se contrária ao Direito, porque constitui atividade à margem da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a conduta daqueles que – particulares, movimentos ou organizações sociais – visam, pelo emprego arbitrário da força e pela ocupação ilícita de prédios públicos e de imóveis rurais, a constranger, de modo autoritário, o Poder Público a promover ações expropriatórias, para efeito de execução do programa de reforma agrária . – O processo de reforma agrária, em uma sociedade estruturada em bases democráticas, não pode ser implementado pelo uso arbitrário da força e pela prática de atos ilícitos de violação possessória, ainda que se cuide de imóveis alegadamente improdutivos, notadamente porque a Constituição da Republica – ao amparar o proprietário com a cláusula de garantia do direito de propriedade ( CF, art. 5º, XXII)- proclama que “ninguém será privado (…) de seus bens, sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV) . – O respeito à lei e à autoridade da Constituição da Republica representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica, quer por atuação de movimentos sociais (qualquer que seja o perfil ideológico que ostentem), quer por iniciativa do Estado, ainda que se trate da efetivação da reforma agrária, pois, mesmo esta, depende, para viabilizar-se constitucionalmente, da necessária observância dos princípios e diretrizes que estruturam o ordenamento positivo nacional . – O esbulho possessório, além de qualificar-se como ilícito civil, também pode configurar situação revestida de tipicidade penal, caracterizando-se, desse modo, como ato criminoso ( CP, art. 161, § 1º, II; Lei nº 4.947/66, art. 20) . – Os atos configuradores de violação possessória, além de instaurarem situações impregnadas de inegável ilicitude civil e penal, traduzem hipóteses caracterizadoras de força maior, aptas, quando concretamente ocorrentes, a infirmar a própria eficácia da declaração expropriatória. Precedentes. O RESPEITO À LEI E A POSSIBILIDADE DE ACESSO À JURISDIÇÃO DO ESTADO (ATÉ MESMO PARA CONTESTAR A VALIDADE JURÍDICA DA PRÓPRIA LEI) CONSTITUEM VALORES ESSENCIAIS E NECESSÁRIOS À PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA . – A necessidade de respeito ao império da lei e a possibilidade de invocação da tutela jurisdicional do Estado – que constituem valores essenciais em uma sociedade democrática, estruturada sob a égide do princípio da liberdade – devem representar o sopro inspirador da harmonia social, além de significar um veto permanente a qualquer tipo de comportamento cuja motivação derive do intuito deliberado de praticar gestos inaceitáveis de violência e de ilicitude, como os atos de invasão da propriedade alheia e de desrespeito à autoridade das leis da República. RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 . – Não é lícito ao Estado aceitar, passivamente, a imposição, por qualquer entidade ou movimento social organizado, de uma agenda político-social, quando caracterizada por práticas ilegítimas de invasão de propriedades rurais, em desafio inaceitável à integridade e à autoridade da ordem jurídica . – O Supremo Tribunal Federal não pode validar comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente, agressões inconstitucionais ao direito de propriedade e à posse de terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo, invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na Constituição da Republica . – As prescrições constantes da MP 2.027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP nº 2.183-56/2001, precisamente porque têm por finalidade neutralizar abusos e atos de violação possessória, praticados contra proprietários de imóveis rurais, não se mostram eivadas de inconstitucionalidade (ao menos em juízo de estrita delibação), pois visam, em última análise, a resguardar a integridade de valores protegidos pela própria Constituição da Republica. O sistema constitucional não tolera a prática de atos, que, concretizadores de invasões fundiárias, culminam por gerar – considerada a própria ilicitude dessa conduta – grave situação de insegurança jurídica, de intranqüilidade social e de instabilidade da ordem pública. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E DEVER PROCESSUAL DE FUNDAMENTAR A IMPUGNAÇÃO . – O Supremo Tribunal Federal, no desempenho de sua atividade jurisdicional, não está condicionado às razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta. Tal circunstância, no entanto, não suprime, à parte, o dever processual de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio ao princípio da especificação das normas, os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar. Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de não conhecimento (total ou parcial) da ação direta, indicar as normas de referência – que, inscritas na Constituição da Republica, revestem-se, por isso mesmo, de parametricidade -, em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais. Precedentes (RTJ 179/35-37, v.g.).

(STF – ADI: 2213 DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 04/04/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 23-04-2004 PP-00007 EMENT VOL-02148-02 PP-00296)

[2] 5. Apesar do arcabouço legislativo consolidado há décadas, a Lei Complementar no 160, de 7 de agosto de 2017, inseriu os §§ 4º e 5º no art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, que foram interpretados como afastamento da aplicação de requisitos não previstos no art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, às “subvenções para investimentos” concedidas por meio do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. 

6. O Presidente da República vetou os referidos dispositivos, quando sancionou parcialmente o Projeto de Lei Complementar no 54, de 2015, conforme Mensagem Presidencial no 276, de 7 de agosto de 2017, em face da violação ao art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, mas o veto foi posteriormente rejeitado pelo Congresso Nacional. 

7. Ao pretender equiparar diversos benefícios concedidos pelos Estados relacionados ao ICMS a subvenções governamentais para investimento, os dispositivos promulgados causaram distorções tributárias, com impactos profundamente negativos para a arrecadação federal, além da insegurança jurídica e do aumento de litigiosidade tributária. 

8. A concessão de benefícios em caráter geral ou de forma incondicionada pelos Estados e pelo Distrito Federal, com decorrente redução das bases de cálculo de tributos federais, provoca impacto fiscal negativo na ordem de R$ 80 bilhões (oitenta bilhões de reais) ao ano, segundo estimativa realizada pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. 

9. Nesse contexto, faz-se necessário modificar a legislação tributária a fim de estabelecer adequado tratamento aos incentivos fiscais federais relacionados às subvenções para investimentos concedidas pelos entes federados. 

[3] 1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como reduçãode base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

[4] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.135/2022. ALTERAÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR N. 195/2022 (DIREITO FINANCEIRO) E DAS LEIS N. 14.399/2022 E 14.148/2021. APOIO FINANCEIRO E AÇÕES EMERGENCIAIS PARA O SETOR CULTURAL E DE EVENTOS POR MEDIDA PROVISÓRIA: INVIABILIDADE SEM COMPROVAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS. VETOS APOSTOS ÀS LEIS DERRUBADOS PELO CONGRESSO NACIONAL. REPETIÇÃO DAS RAZÕES DE VETO COMO MOTIVAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA REGULAMENTANDO MATÉRIA RESERVADA A LEI COMPLEMENTAR: IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA PARA SUSTAR OS EFEITOS DA MEDIDA PROVISÓRIA ATÉ DELIBERAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. EFEITOS EX TUNC DO DEFERIMENTO. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal admite o controle de constitucionalidade de medida provisória quando se comprove desvio de finalidade ou abuso da competência normativa do Chefe do Executivo, pela ausência dos requisitos constitucionais de relevância e urgência. Na espécie, o Presidente da República valeu-se de medida provisória para desconstituir o que deliberado pelo Congresso Nacional e reafirmado na derrubada dos vetos presidenciais às normas alteradas pela Medida Provisória n. 1.135/2022. 2. Nos termos do inc. III do § 1° do art. 62 da Constituição da República, é vedado ao Poder Executivo editar medida provisória que disponha sobre matéria reservada a lei complementar. 3. Presentes os pressupostos de plausibilidade do direito alegado e do risco de vir a se tornar ineficaz o julgado, impõe-se o deferimento da medida cautelar para suspender os efeitos da medida provisória n. 1,135/2022, com efeitos ex tunc, repristinando-se as Leis n. 14.399/2022, n. 14.148/2021 e a Lei Complementar n. 195/2022. 4. Deferimento de cautelar submetida ao referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

(ADI 7232 MC-Ref, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 09-01-2023  PUBLIC 10-01-2023)

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