Cabe ao devedor comprovar a nulidade da certidão da dívida ativa nos autos da execução fiscal

 A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) julgou que cabe ao executado comprovar a nulidade da certidão da dívida ativa nos autos da execução fiscal negando provimento ao recurso interposto por uma mulher acusada de dever tributos. De acordo com o processo, a autora teve seu pedido de exceção de pré-executoriedade rejeitado pelo juiz de primeiro grau. A exceção de pré-executividade é a defesa que pode ser utilizada em ação de execução fiscal para pedir ao juiz que reavalie, regularize ou anule o processo, apontando problema de ordem pública ou mérito.

Diante da sentença, a executada recorreu ao TRF1, por meio de agravo de instrumento, argumentando que não foi notificada quanto à nulidade da Certidão de Dívida Ativa (CDA). Disse, ainda, que lhe foi arbitrada multa abusiva em 75% do valor do tributo, o que, segundo ela, teria caráter confiscatório, vedado pelo inciso IV do art. 150 da Constituição Federal.

O recurso foi distribuído à relatoria do desembargador federal Hercules Fajoses, membro da 7ª Turma do TRF1. O magistrado verificou que a CDA questionada pela executada contém todos os elementos exigidos pelo § 5º do art. 2º da Lei 6.830/1980, com presunção de certeza, liquidez (quanto vale em dinheiro) e exigibilidade. Portanto, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), caberia à executada o ônus de juntar o processo tributário que correu administrativamente para desconstituir (anular) o crédito tributário.

Acrescentou o magistrado que somente a ausência de requisito formal da CDA configura nulidade por cerceamento de defesa. “Alegações genéricas, sem comprovação efetiva de seus argumentos, não afastam a supracitada presunção”, destacou.

Multa moratória – O desembargador federal entendeu que a multa, prevista no art. 44 da Lei 9.430/1996 (que dispõe sobre a legislação tributária federal) e determinada em 75% do tributo no caso concreto, tem caráter punitivo. Neste caso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que a multa moratória (ou seja, pela demora em cumprir a obrigação) tem como limite o valor da obrigação principal.

A abusividade, conforme o STF, está configurada quando a multa excede os 100%. Portanto, “a multa aplicada à agravante, de caráter punitivo, não excede o percentual de 100% (cem por cento) sobre o valor do tributo, o que afasta o alegado caráter confiscatório”, concluiu.

Processo: 1000815-82.2018.4.01.0000

Data do julgamento: 14/02/2023

Data da publicação: 23/02/2023

RS/CB

Assessoria de Comunicação Social

Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Execução fiscal ajuizada na comarca de domicílio do devedor antes da Lei 13.043/2014 é de competência da justiça estadual

Por unanimidade, a 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que o Juízo de Direito da Comarca de Itauçu/GO, onde é o domicílio do devedor, tem competência para processar e julgar a execução fiscal proposta pela Caixa Econômica Federal (Caixa) com o objetivo de receber valores de contribuições para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Consta dos autos que a ação foi ajuizada perante a justiça estadual da comarca que declinou de sua competência para a 12ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás ao argumento de que após a edição da Lei 13.043/2014 a execução fiscal não mais se processa no âmbito da justiça estadual.

Já o juízo federal suscitou conflito negativo de competência argumentando que a revogação da jurisdição que foi delegada (atribuída) para as execuções fiscais dos entes da União produz efeitos apenas para os processos posteriores à vigência da lei.

No TRF1, o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, entendeu que o Juízo de Direito da Comarca de Itauçu/GO é competente para analisar a causa e explicou que, conforme o art. 109, § 3º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), “sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

O magistrado esclareceu que o art. 15, inciso I, da Lei 5.010/1966, que organizou a justiça federal de primeira instância, estabelecia que as comarcas do interior sem juízo federal tinham competência para “processar e julgar os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas”, e foi recepcionado (ou seja, continuou valendo) pela CF/88.

A Lei 13.043/2014 revogou o dispositivo da lei anterior, porém com a ressalva de que, nos termos do art. 75, “não alcança as execuções fiscais da União e de suas autarquias e fundações públicas ajuizadas na Justiça Estadual antes da vigência desta Lei”, prosseguiu o desembargador federal.

Portanto, conforme a lei e a jurisprudência do TRF1, estabelecida em julgamentos de outros conflitos de competência negativos desta natureza, “tal revogação não alcança as execuções fiscais da União e de suas autarquias e fundações públicas ajuizadas na Justiça Estadual anteriormente ao início da vigência da norma revogadora”, concluiu o relator.

Processo: 1011585-95.2022.4.01.0000

Data do julgamento: 14/02/2023

Data da publicação: 22/02/2023

RS/CB

Assessoria de Comunicação Social

Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Bloqueio de valores pelo Bacenjud realizado antes do parcelamento de dívida deve ser mantido

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que valores bloqueados por meio do Bacenjud antes do parcelamento da dívida devem ser mantidos. Com isso, o Colegiado deu razão à Fazenda Nacional que, por meio de agravo interno contra decisão monocrática que havia liberados valores para dar garantia a uma execução fiscal, argumentou que o bloqueio havia ocorrido antes do parcelamento e, por isso, deveria ser mantido.

O agravo interno visa discutir decisões monocráticas proferidas pelo relator com o objetivo de levar a decisão ao conhecimento do órgão colegiado competente para que este se manifeste.

A garantia, no processo de execução fiscal, visa assegurar ao credor (no caso, a União) que a dívida será paga e permite que o devedor exerça seu direito de defesa. Já o bloqueio via Bacenjud dificulta a ocultação pelo executado em processos judiciais de valores dos quais é titular porque atinge todas as movimentações de sua conta bancária em determinado período, dando maior eficácia à penhora de valores.

Na relatoria do processo, a desembargadora federal Gilda Maria Sigmaringa Seixas observou que a Fazenda Nacional tem razão porque tendo os valores sido bloqueados por meio do Bacenjud antes do parcelamento da dívida, a jurisprudência do TRF1 e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Tema 1.012, firmou-se no sentido de que o bloqueio deve ser mantido com a seguinte tese: “(…) fica mantido o bloqueio se a concessão ocorre em momento posterior à constrição, ressalvada, nessa hipótese, a possibilidade excepcional de substituição da penhora on-line por fiança bancária ou seguro garantia, diante das peculiaridades do caso concreto, mediante comprovação irrefutável, a cargo do executado, da necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade”.

Finalizou a magistrada votando no sentido de dar provimento ao agravo interno, “com efeito modificativo, para negar provimento ao agravo de instrumento, mantendo o bloqueio dos ativos financeiros realizado em momento anterior ao parcelamento da dívida exequenda”.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto da relatora.

Processo: 1004735-93.2020.4.01.0000

Data do julgamento: 14/02/2023

Data da publicação: 15/02/2023

RS/CB

Assessoria de Comunicação Social

Tribunal Regional Federal da 1ª Região

ARTIGO DA SEMANA – Enunciados da I Jornada de Direito Tributário do Conselho da Justiça Federal

Em outubro de 2022, foi realizada a I Jornada de Direito Tributário, por meio do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em parceria com o Superior Tribunal de Justiça e a Associação dos Juízes Federais do Brasil.

Por ocasião da conclusão dos trabalhos, foram aprovados 12 (doze) Enunciados agrupados em quatro temas previamente definidos: Sistema Tributário Nacional, Normas Gerais de Direito Tributário, Espécies Tributárias e Processo Tributário.

Os Enunciados não têm caráter vinculante, mas seguramente são balizadores das decisões proferidas pelos magistrados federais em matéria tributária, daí a importância de conhecê-los e estudá-los. 

SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 

ENUNCIADO 1 – A ausência de finalidade lucrativa (art. 150, inciso VI, “c”, CF/1988), para fins de gozo da imunidade tributária das instituições de educação ou de assistência social, não se confunde com gratuidade ou com a proibição de auferir lucros, desde que haja a reversão dos seus resultados, rendas e patrimônio, à finalidade essencial, vedada a sua distribuição, a qualquer título. 

Justificativa: A ausência de finalidade lucrativa é exigência da CF/88, para que as instituições de educação e de assistência social sejam imunes aos impostos. Contudo, falta de finalidade lucrativa não implica em gratuidade e em que tais entidades não possam auferir resultados positivos. A necessidade de gratuidade, não é exigida pela Lei Maior; não se exige beneficência, apenas falta de finalidade lucrativa. Conforme Regina Helena Costa1, a imunidade pressupõe a capacidade econômica, pois despindo-se os fatos de conteúdo econômico, seriam os mesmos irrelevantes para o direito tributário, ou se estaria diante de mera não incidência. E segundo Roque Antonio Carrazza2, a gratuidade não é requisito para gozo da imunidade pois, se a gratuidade fosse conditio sine qua non ao desfrute da imunidade, praticamente estaria esvaziada em relação às escolas, a norma contida nesta alínea “c” Cf. RE 58.691/SP e 93.463/RJ. Quanto à possibilidade de auferimento de resultados positivos, a há proibição de se obter sobras, superávits, ou lucros em sentido amplo; o que a CF/88 exige é que esses resultados positivos não sejam distribuídos, devendo os mesmos serem aplicados no desenvolvimento de suas atividades.3 

[1] COSTA, Regina Helena. Aspectos da Imunidade Tributária. Tese (Doutorado em Direito) Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, 2000. 

[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 31a ed., 2017, p. 929/930. 

[3] Cf. Carrazza, p. 914/916 e BARRETO, Aires F. C. Dir. Trib. Mun. Saraiva, 75-78.

ENUNCIADO 2 – O princípio da capacidade contributiva não está limitado aos impostos. 

Justificativa: O princípio da capacidade contributiva encontra fundamento imediato no princípio da isonomia, além de outros princípios constitucionais, como o direito de propriedade, o princípio da solidariedade, entre outros. Por isso, mesmo que não estivesse positivado na CF, o dever de observância desse princípio vincularia o legislador tanto no que se refere à delimitação da hipótese de incidência tributária, quanto no que se refere à eleição dos elementos de graduação do tributo. Sucede que o dispositivo constitucional que consagrou expressamente o princípio – art. 145, § 1, da CF – apresenta redação que dá ensejo a interpretações limitadoras do alcance da capacidade contributiva, em três aspectos fundamentais: (a) o dispositivo apenas faz alusão à capacidade contributiva em sentido relativo (graduação do tributo), deixando escapar a faceta objetiva do princípio (eleição, para a hipótese de incidência tributária, de materialidades que expressem relevância econômica); (b) a expressão “sempre que possível” dá a entender que se trata de uma faculdade do legislador; (c) a referência a impostos conduz à compreensão de que o princípio da capacidade contributiva não se aplica às demais espécies tributárias. Explicitar que a capacidade contributiva não decorre exclusivamente do art. 145, § 1o, da CF, parece importante para afastar tais compreensões equivocadas, além de refletir entendimento dominante na doutrina (cf., entre outros: P. B. Carvalho; A. P. Velloso; B.T. Grupenmaceher) e uma tendência interpretativa dos tribunais (cf.: STF, RE 406.955; RE 562.045). 

ENUNCIADO 3 – A arbitragem é meio legítimo de solução de conflitos entre Fisco e contribuintes, desde que venha a ser legalmente instituída. 

Justificativa: O enunciado objetiva assentar a possibilidade de instituição da arbitragem como meio para a solução de controvérsias em matéria tributária, afastando os óbices da indisponibilidade do crédito tributário e, igualmente, do interesse público. É sabido que, no que concerne à solução das contendas no âmbito do direito público, a impossibilidade do emprego do método arbitral já foi superada, seja pela jurisprudência (STF, AI 52181), seja por força de uma positivação legal genérica (art. 1o, §1o, da Lei n. 9.307/1996, com a redação da Lei n. 13.129/2015), relacionada a direitos disponíveis, além de inúmeros permissivos legais específicos. Especialmente quanto à indisponibilidade do crédito tributário, a qual constitui uma emanação da própria indisponibilidade do interesse público, é de se notar que traduz a impossibilidade de sua disposição ao alvedrio do administrador. Não há, por óbvio, impedimento a que tal ocorra se o administrador estiver assim autorizado pelo legislador, o qual se encontra habilitado, constitucionalmente, para tanto. Nesse sentido, apropriada a visão de Pedro Gonçalves (Administração Pública e arbitragem – especial, o princípio legal da irrecorribilidade de sentenças arbitrais. InEstudos em homenagem a António Barbosa de Melo. Coimbra: Almedina, 2013, p. 784. Org.: CORREIA, Fernando Alves; SILVA, João Calvão da; ANDRADE, José Carlos Vieira de Andrade; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; COSTA, José Manuel m. Cardoso). O enunciado, portanto, expressa a mensagem de que compete ao legislador, flexibilizando a indicada indisponibilidade, autorizar a Administração Tributária a submeter os seus litígios à arbitragem. Não se enveredou – advirta-se – aqui pela discussão sobre qual a natureza da espécie normativa exigida para tal fim. 

NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO 

ENUNCIADO 4 – A responsabilidade tributária por sucessão empresarial prevista no art. 132 do Código Tributário Nacional (CTN) se aplica aos casos de cisão previstos no art. 229 da Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A). 

Justificativa: O art. 132 do CTN, que trata das hipóteses de responsabilidade tributária por sucessão empresarial, não fez menção explícita à cisão, pois esse conceito apenas foi normatizado pela Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A.), que entrou em vigor posteriormente ao CTN. No entanto, o entendimento pacífico da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que esse dispositivo determina a responsabilidade tributária solidária entre as empresas cindendas e a sociedade que foi cindida, considerando essa operação como uma espécie de transformação (REsp n. 1.682.792/SP e REsp n. 852.972/PR). A Lei das S.A. estabelece que a cisão pode ser total ou parcial (art. 229) e, em regra, ela implicará a solidariedade pelas obrigações anteriores entre as sociedades que absorverem o patrimônio da companhia cindida e a sociedade original. Ocorrida a cisão parcial, é possível estipular as obrigações que serão transferidas às sociedades cindendas; na hipótese de oposição dos credores a essa estipulação, não haverá solidariedade entre as companhias, como prevê o art. 233, parágrafo único, da Lei n. 6.404/1976. Nesse sentido, a cisão é uma operação societária com alta discricionariedade por parte dos sócios em determinar qual patrimônio é vertido à cindenda e qual permanece com a cindida. Todavia, o art. 123 do CTN veda que convenção particular possa determinar a responsabilização tributária, considerando que eventuais estipulações previstas, conforme o parágrafo único do art. 233 da Lei n. 6.404/1976, não podem ser opostas ao Fisco, sob pena de violação dos princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público. 

ENUNCIADO 5 – Informações e dados relativos a incentivos fiscais, concedidos a pessoas jurídicas ou por elas fruídos, devem ser fornecidos a qualquer interessado (transparência passiva), nos termos da Lei de Acesso à Informação, além de ser divulgados no Portal da Transparência do ente federado (transparência ativa). 

Justificativa: Segundo a Receita Federal do Brasil, os incentivos fiscais destinados a promover a equalização das rendas entre diferentes regiões ou a incentivar determinado setor da economia classificam-se como “gastos tributários”, isto é, constituem “gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte”. Assim, trata-se de verdadeira política pública, que se utiliza não do gasto direto, mas sim do indireto, por meio da renúncia de receitas públicas, para atingir objetivos econômicos e sociais, acepção que se aplica inteiramente aos incentivos fiscais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Nesse contexto, devem ser públicas as informações sobre as pessoas jurídicas objeto dessa desoneração tributária, os valores a elas concedidos e por elas fruídos em determinado período, eventuais condições a que estejam sujeitas e outras informações pertinentes, porquanto, afinal, o Estado, em sentido amplo, é que está financiando essas pessoas jurídicas beneficiadas às custas dos demais membros da sociedade. Por isso, trata-se de informações e dados revestidos de inegável interesse público, que devem ser prestados pelas Administrações Tributárias (CRFB, art. 5o, inciso XXXIII), razão pela qual não deve ter lugar a alegação de sigilo fiscal nesse tocante (CTN, art. 198, caput); afinal, quem recebe incentivos do Poder Público deve estar sempre aberto aos mais amplos controles, inclusive social. 

ENUNCIADO 6 – A responsabilidade tributária dos terceiros elencados no rol do art. 134 do Código Tributário Nacional é subsidiária, sendo assegurado o benefício de ordem. 

Justificativa: Ainda que o caput do art. 134 do CTN preveja que “respondem solidariamente”, o instituto da solidariedade, pela definição do parágrafo único do art. 124 do próprio CTN, é incompatível com preceito de que tal responsabilidade se aplica na “impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte”, contido no mesmo dispositivo. Trata-se, portanto, de “flagrante ausência de tecnicidade legislativa” (STJ, 1a Seção, EREsp 446.955/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 9/4/2008). A Primeira Seção do STJ concluiu, na ementa do mesmo julgado, que é “cediço que o instituto da solidariedade não se coaduna com o benefício de ordem ou de excussão. Em verdade, o aludido preceito normativo cuida de responsabilidade subsidiária”. Renato Lopes Becho defende que “é possível sustentar o caráter subsidiário da responsabilidade de terceiros. Talvez o legislador, por equívoco, tenha estipulado uma aparente solidariedade apenas no intuito de manter o contribuinte no polo passivo da ação de cobrança do crédito tributário” (Desdobramentos das decisões sobre responsabilidade tributária de terceiros no STF. RDDT, n. 204, p. 45-57, set. 2012). Kiyoshi Harada tem o mesmo entendimento: “na verdade, o texto do dispositivo sob exame refere-se à responsabilidade subsidiária, pois a solidária não comporta benefício de ordem” (ITBI: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010, p. 159). 

ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS 

ENUNCIADO 7 – A empresa vendedora, cuja comprovada boa-fé evidencie a regularidade da operação interestadual realizada com o adquirente, não pode ser objetivamente responsabilizada pelo pagamento do diferencial de alíquota de ICMS em razão de a mercadoria não ter chegado ao destino final. 

Justificativa: Trata-se de entendimento firmado pela 1a Seção, no EREsp n. 1.657.359 (Rel. Min. Gurgel de Faria) em que se verificou a divergência entre acórdãos da 1a e da 2a Turma, no qual o Tribunal privilegiou a justiça material, uma vez que, há anos, inúmeros contribuintes têm sido autuados para pagamento de tributo cujo fato gerador não se perfectibilizou por dolo ou culpa de terceiros. O paradigma segue a linha adotada pelo STJ, a fim de proteger o contribuinte que age de boa-fé (por exemplo, Súmula n. 509: “É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda”). 

ENUNCIADO 8 – No ICMS-ST progressivo, o contribuinte-substituído também tem legitimidade ativa ad causam para pleitear a declaração de inexistência da relação jurídica tributária. 

Justificativa: O enunciado proposto sistematiza o comando do art. 10 da Lei Complementar n. 87/1996, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e o majoritário entendimento doutrinário sobre o tema. 

PROCESSO TRIBUTÁRIO 

ENUNCIADO 9 – É cabível negócio jurídico processual em litígios que tenham por objeto créditos tributários não inscritos em Dívida Ativa, quer no âmbito do processo administrativo fiscal, aplicando- se, por analogia, o art. 190 do CPC, quer no âmbito de processo judicial. 

Justificativa: O cabimento de negócio jurídico processual em matéria tributária é um fato consumado, reconhecido pela Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme portarias que regulamentam o tema e casos concretos de acordos já celebrados, mas tais normativos não preveem este tipo de pacto em processos administrativos ou em processos judiciais, envolvendo débitos não inscritos em Dívida Ativa. Entretanto, o negócio jurídico processual não vincula órgãos, mas, sim, as pessoas jurídicas em lide, sendo que tanto a Procuradoria quanto a Receita Federal são órgãos da União, razão pela qual poder-se-ia afirmar a presença da titular dos direitos e obrigações processuais em tela. Ora, se tomado como premissa que o processo judicial tributário admite composição, nos termos do art. 190 do CPC, não há nada que justifique isso ser admissível para processos envolvendo débitos inscritos, mas não para os que envolvam os não-inscritos e, por consequência, também nada obsta que se aplique ao processo administrativo fiscal, tendo por fim maior celeridade e segurança jurídica. 

ENUNCIADO 10 – É possível a antecipação da garantia de futura Execução Fiscal por meio do ajuizamento de tutela de urgência antecedente, com base nos dispositivos gerais dos arts. 300 a 302 do CPC, sendo desnecessário o aditamento para formulação de pedido principal. 

Justificativa: Após a confirmação da existência do débito tributário no Processo Administrativo, cessa a suspensão da exigibilidade do crédito. É notória a demora na inscrição do referido débito em dívida ativa e no ajuizamento da Execução Fiscal. Assim, na vigência do CPC/1973 os contribuintes passaram a ajuizar Ações Cautelares Inominadas, com o único objetivo de – oferecendo apólice de seguro garantia, carta de fiança bancária ou bens à penhora – antecipar os efeitos que seriam obtidos com a aceitação de garantia em execução fiscal pendente de ajuizamento pelas Fazendas Públicas. Sendo assim, possível a expedição de Certidões Positivas com o efeito de negativas de Quitação de Tributos. Tal entendimento era respaldado pelo julgamento do repetitivo proferido nos autos do RESP n. 1.156.668/DF: “o contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa”. Com o atual Código de Processo Civil as ações cautelares autônomas deixaram de existir e criou-se um grande problema, pois a antecipação de garantia, por vezes, é indeferida (vide a respeito TJSP; Apelação 1010617-47.2017.8.26.0053; Relator: Ferraz de Arruda; 13a Câmara de Direito Público). Outrossim, há situações nas quais se exige o aditamento, para a formulação de pedido principal, quando na verdade a existência ou não do débito tributário não será discutida nessa ação, mas sim nos autos da Execução Fiscal e/ou nos respectivos Embargos à Execução Fiscal. Assim, mostra-se de suma importância que se possibilite a antecipação da garantia nesses casos. 

ENUNCIADO 11 – A distribuição de ação de produção antecipada de provas não importa renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa. 

Justificativa: O parágrafo único do art. 38 da Lei Federal n. 6.830/1980 prevê que a distribuição de ação judicial (mandado de segurança, ação anulatória etc.), visando a desconstituição do crédito tributário, implica em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa. No entanto, a distribuição de ação de produção antecipada de provas não acarreta a renúncia prevista neste dispositivo. Após advento do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), a produção antecipada de provas deixou de ser mero procedimento cautelar e ganhou autonomia. Assim, considerando as três hipóteses previstas no art. 381 do CPC, poderá ser distribuída ação cujo objeto é simplesmente a produção de uma prova. A prova é produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, com a participação da parte adversa. Após produção da prova, o juízo responsável homologa a prova, mas sem realizar qualquer juízo de mérito. Como não há juízo de mérito na ação de produção antecipada de provas, é válido que o contribuinte distribua esta ação sem que isto acarrete renúncia da fase administrativa. A fase administrativa de um auto de infração pode levar anos para se encerrar. Então, em alguns casos, não é possível aguardar até a fase probatória de um processo de conhecimento para se produzir a prova necessária para defesa do contribuinte, sob pena de perecimento de documentos, circunstâncias, fatos, dentre outros. Por isso, na forma do inciso I, do art. 381, do CPC, é defeso ao contribuinte distribuir ação de produção antecipada de provas para produzir as provas necessárias antes de seu perecimento. E, por vezes, o contribuinte necessita produzir uma prova para sua defesa na própria fase administrativa. Pode-se necessitar de demarcar a área exata de um imóvel para defesa de autuação de ITR. Pode-se necessitar de uma perícia química de um produto para se defender de uma autuação de classificação fiscal. Pode-se necessitar de uma perícia contábil para análise dos demonstrativos para se defender de uma autuação de IRPJ. Assim, na forma dos incisos II e III, do art. 381, do CPC, é defeso ao contribuinte distribuir ação de produção antecipada de provas para produzir as provas necessárias para viabilizar a autocomposição (levando a própria autoridade administrativa a reconhecer o erro de eventual autuação) ou mesmo evitar o ajuizamento de futura ação judicial sobre o crédito tributário (considerando que a prova produzida antecipadamente pode levar o julgador administrativo a anular o auto de infração). Desta forma, mostra-se relevante a pacificação de que a distribuição desta ação não implicará na renúncia da fase administrativa. 

ENUNCIADO 12 – A exigência de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal deve ser dispensada quando o embargante comprovar, de maneira suficiente, não possuir patrimônio para garantia do crédito. 

Justificativa: Os artigos 8o e 9a Lei de Execução Fiscal (LEF Lei n. 6.830/1980) informam que o executado tem o prazo de 5 dias para pagar ou garantir a execução. Garantida a execução, tem o prazo de 30 dias para oferecer embargos à execução, que não serão admitidos antes da garantia, conforme art. 16 da LEF. Os embargos à execução constituem a única possibilidade de defesa em execução fiscal, ressalvada a matéria de ordem pública. Assim, o executado que não possui patrimônio suficiente para garantir o débito, não exerce os direitos de acesso ao Judiciário, contraditório e ampla defesa, garantidos constitucionalmente (art. 5o, XXXV e LV). A Teoria do Estatuto do Patrimônio Mínimo, do Min. Luiz Edson Fachin, sustenta o resguardo de um patrimônio mínimo para preservar a dignidade da pessoa humana. Necessário mitigar a obrigatoriedade de garantia integral do crédito para o recebimento dos embargos à execução fiscal quando o devedor comprovar que não possui patrimônio para a garantia do crédito. O STJ já se posicionou: (…)resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5o, CF/1988), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal (…) deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito (REsp n. 1.487.772/SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 12/6/2019). 

Precatórios para pagamento ou amortização das dívidas tributárias

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vem publicando atos normativos voltados à regulamentação da transação de créditos inscritos em dívida ativa da União, dentre os quais destacamos a Portaria PGFN nº 14.402/20 e nº 6.757/2022 e que recebem nossa atenção por aspecto pragmático importante: autorização para o uso de precatórios para pagamento ou amortização das dívidas tributárias.

Precatórios, sabe-se, são requisições de pagamento expedidas pelo Judiciário para materializar a satisfação de dívidas da Fazenda Pública em favor do particular derivadas de condenação judicial definitiva.

Para o emprego do precatório de terceiro na transação, exige-se a cessão fiduciária do direito creditório estampado no precatório em favor da União, na qual deve constar o valor integral do precatório e providenciada por meio de escritura pública lavrada no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Importante destacar que, apesar de a cessão fiduciária exercer a função ordinária de garantia, para fins da transação opera como meio de amortização ou liquidação do crédito tributário transacionado. Isto porque, tendo por objeto o direito creditório portado pelo titular do precatório, ela, a cessão fiduciária, realiza-se, em suma, pela transmissão do domínio creditório.

O contrato de cessão fiduciária contará, como parte cedente do crédito, o contribuinte ou o terceiro detentor do direito e, como parte cessionária, a União, que receberá, em transmissão, os direitos e deveres que lhe competem, estando representada por autoridade compositiva dos quadros funcionais da RFB no caso da transação regulamentada pela Portaria RFB nº 208/2022, ou pela PGFN na transação regulamentada pela Portaria PGFN nº 6757/2022.

Importante mencionar a hipótese em que o crédito do precatório seja superior à dívida tributária. Os referidos atos normativos estabelecem que, caso remanesça saldo do precatório, após a liquidação do débito transacionado, os valores poderão ser devolvidos ao contribuinte, desde que não tenha em seu nome outras inscrições ativas perante a PGFN ou débitos em aberto administrados pela Receita Federalo.

Mas, esse saldo  remanescente do precatório pode ser utilizado para amortização ou liquidação do saldo devedor de parcelamento de dívida no âmbito da Receita (parágrafo único artigo 73 da Portaria RFB nº 208/2022), ou tratando-se de inscrições ativas parceladas, garantidas ou suspensas por decisão judicial, esses valores permanecerão em conta à disposição do juízo até o encerramento das respectivas ações judiciais, ou também poderão servir como garantia em substituição a outras garantias anteriormente  prestadas (parágrafos 1º e 2º do artigo 83 da Portaria PGFN nº 6757/2022[1]).

Tratando-se de hipótese em que não existam outros débitos ou outras inscrições ativas contra o devedor, o saldo remanescente do precatório deverá ser devolvido ao devedor-cedente.

Consoante o artigo 72 da Portaria RFB nº 208/2022e o artigo 82 da Portaria PGFN nº 6757/2022, a dívida transacionada somente será reputada liquidada, isto é, extinta, quando depositado o valor do precatório em conta à disposição do juízo.

Diante dessa regra, poder-se-ia indagar: por que não se considera o momento da cessão fiduciária como fator para a extinção do crédito tributário e liberação do devedor? 

Para responder a essa questão, há que se voltar ao plano constitucional onde está definido o procedimento para que se considere satisfeita a dívida expressa em precatório: (1) requisição do pagamento pelo Presidente do Tribunal que tenha proferido a decisão; (2) inclusão no orçamento da entidade tributante das verbas necessárias ao pagamento do precatório que devem ser (3) apresentados até 1º de julho de cada ano; (4) pagamento atualizado até o final do exercício seguinte ao da apresentação do precatório, observada a ordem cronológica.

O esgotamento desse iter definido como necessário na Constituição, parece-nos, justificar legitimamente a postergação do efeito extintivo do crédito tributário tal como posta nos referidos dispositivos normativos das portarias.

Admitir que a extinção do crédito tributário somente se perfaz com o pagamento do precatório é pertinente, o que, contudo, não deixa de ser um problema para o contribuinte, pois, cientes de que esse percurso pode demorar meses, como fica, até lá, a situação fiscal do contribuinte? Seria possível considerá-la regular? 

Entendemos que sim, pois esse período entre expedição e pagamento do precatório materializa nítido caso de moratória, contemplada como causa de suspensão de exigibilidade no inciso I, do artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN)[2], justamente porque consagra postergação do pagamento de crédito tributário até a efetiva liberação e pagamento do precatório.

Assume essa moratória caráter individual, operada mediante a assinatura de termo de transação, mas não está ela apta a gerar direito adquirido, podendo ser revogada de ofício caso o respectivo beneficiário não consiga satisfazer os termos da transação a que se vinculou.

Não temos dúvida sobre a relevância de medida desse quilate para a relação fisco e contribuinte, uma vez apta a reduzir iniquidades de nosso sistema jurídico especialmente a do pagamento de precatórios, admitindo, positivamente, a ideia do encontro de créditos e débitos  da União, para com isso trazer celeridade na resolução da crise de inadimplência de ambos sujeitos da relação tribuária.


[1] Art. 83. Remanescendo saldo de precatório depositado, os valores poderão ser devolvidos ao devedor-cedente, desde que não existam outras inscrições ativas do devedor.
§ 1º Se as inscrições ativas estiverem parceladas, o devedor poderá optar pela utilização dos valores para amortização ou liquidação do saldo devedor.
§ 2º Se as inscrições estiverem garantidas ou suspensas por decisão judicial, os valores permanecerão em conta à disposição do juízo até o encerramento das respectivas ações judiciais, sendo possível a substituição das garantias anteriormente prestadas pelo saldo remanescente depositado.

[2] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; (…).

Íris Vânia Santos Rosa é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do mestrado do IBET-SP, professora de Direito Tributário e Processo Tributário do curso de graduação da Fundação Santo André (FSA), professora do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-SP e do Ibet, professora do curso de extensão “Processo Tributário Analítico” do Ibet e pesquisadora do Grupo de Estudos “Processo Tributário Analítico” do Ibet.

Mariane Targa de Moraes Tenório é advogada do escritório Saad, Santos Rosa, Behling e Munhoz; mestre e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

Revista Consultor Jurídico, 1 de janeiro de 2023, 8h00

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