João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
Questão bastante importante surge da interpretação do artigo 135, III, que dispõe sobre a possibilidade de sócios ou administradores responderem por débitos da pessoa jurídica.
De acordo com este dispositivo, (a) apenas o sócio ou administrador que detenha a gestão da empresa é que poderá ser pessoalmente responsabilizado por débito da pessoa jurídica e (b) ainda assim, é preciso que fique provado que este sócio ou administrador praticou atos contrários à lei ou com excesso de poderes que lhe foram conferidos pelos atos constitutivos da sociedade.
Segundo a pacífica orientação da jurisprudência, o não pagamento do tributo, por si só, não caracteriza infração à lei de modo a permitir a responsabilização do sócio, como deixa claro a Súmula STJ nº 430[1].
Por outro lado, nos casos de dissolução irregular da sociedade – extinção de fato da empresa – presume-se a infração à lei e fica autorizado o redirecionamento ao sócio administrador (Súmula STJ nº 435[2]).
Na compreensão do Tema 981 dos Recursos Repetitivos, o STJ definiu que o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN.
O Superior Tribunal de Justiça, tratando do artigo 135, III, do CTN, também esclarece sobre o ônus da prova do ato contrário à lei ou com excesso de poderes. Assim, a Corte entende que, no caso do sócio constar como codevedor no título executivo (Certidão da Dívida Ativa) a ele é que caberá o ônus de provar que não praticou ato ilegal ou com excesso de poderes contratuais, sob pena de macular-se a presunção de liquidez e certeza do título (REsp nº 947.063/RS entre outros). Mas havendo o redirecionamento da execução fiscal em relação ao sócio, o ônus da prova caberá ao fisco (exequente) – EREsp nº 702.232/RS.
Uma questão que ainda precisa ser definida pela jurisprudência diz respeito à fundamentação legal da responsabilização do sócio/administrador na Certidão de Dívida Ativa.
De acordo com o art. 202, III, do CTN, o título executivo deve indicar o enquadramento legal da exigência e, obviamente, da responsabilidade tributária.
No entanto, não raro, as CDAs que instruem as execuções fiscais não indicam qual a fundamentação legal da responsabilidade tributária do sócio executado.
Sem saber em que dispositivo legal está lastreada a sua responsabilização, o executado não tem como exercer na plenitude seu direito de defesa, à vista das diversas possibilidades de sujeição passiva indireta previstas no Código Tributário Nacional.
Por aí já se vê a clara nulidade das CDAs e das execuções fiscais que omitem a fundamentação legal da responsabilidade do sócio, valendo a pena lembrar importante decisão do TRF1:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO CUJO NOME CONSTA DA CDA. NULIDADE DO TÍTULO QUE NÃO APRESENTA FUNDAMENTO LEGAL DA CORRESPONSABILIDADE. CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.
1. Embora a dívida ativa regularmente inscrita goze de presunção de certeza e liquidez ( CTN, art. 204) e seja admissível o ajuizamento da execução fiscal também contra eventuais corresponsáveis (Lei 6.830/1980, art. 2º, § 5º/I e art. 4º/V), há necessidade de que o título executivo tenha se constituído validamente em relação a eles, porque o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente (Súmula 430/STJ).
2. “A responsabilidade tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributária, cada uma com seu pressuposto de fato e seus sujeitos próprios. A referência ao responsável enquanto terceiro (dritter Persone, terzo ou tercero) evidencia que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela” ( RE 562.276-PR, repercussão geral, r. Ministra Ellen Gracie, Plenário/STF em 03.11.2010).
3. Não obstante o nome dos sócios conste como corresponsável pelo débito da empresa, não está indicado o dispositivo legal em que se fundamenta a corresponsabilidade, como exige o art. 2º, § 5º/III, da Lei 6.830/1980, caracterizando nulidade do título em relação a eles.
4. A falta de indicação do fundamento legal na CDA é questão de direito, não tendo o executado de provar nenhum fato, caso em que podia ser apreciada em exceção de pré-executividade CTN, art. 204, p. único.
5. Aliás, como se trata de crédito previdenciário constituído na vigência da Lei 8.620/1993, é de se concluir, como o fez o juiz de primeiro grau, que o sócio tenha sido originariamente incluído na CDA/1998 por força do art. 13 dessa lei. Posteriormente, esse dispositivo foi declarado inconstitucional pelo STF ( RE 562.276-PR, repercussão geral, r. Ministra Ellen Gracie, Plenário/STF em 03.11.2010) e revogado pela MP n. 449/2008, convertida na Lei n. 11.941/2009.
6. Como a responsabilidade tributária de terceiro não decorre da norma tributária impositiva (regra matriz de incidência tributária), mas de uma norma específica de responsabilidade tributária (regra matriz de responsabilidade tributária), a higidez do título para fundamentar execução contra o responsável depende de indicação do fundamento legal da própria responsabilidade. Do contrário, não será suficiente, por si só, para fundamentar o redirecionamento. (Paulsen, Leandro. Direito Processual Tributário. Livraria do Advogado, 8ª Ed. pág. 261).
7. Agravo de instrumento da União/exequente desprovido.
(TRF-1 – AI: 00490287320174010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NOVÉLY VILANOVA, Data de Julgamento: 12/04/2021, OITAVA TURMA)
Interessante notar que nem mesmo o recente PL 2.488/2022, que propõe uma nova Lei de Execuções Fiscais, se preocupou com o assunto. É preciso que a lei deixe expresso que a indicação dos dispositivos legais que fundamentam a responsabilidade do devedor, se for o caso, é um dos requisitos da CDA, sob de não ser possível o pleno exercício do direito de defesa, cujo ônus a jurisprudência fez recair sobre o sócio/administrador.
[1] “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.
[2] “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.