João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.
Na sessão de julgamentos do dia 29/12, o Plenário do STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 1.355.208, com Repercussão Geral reconhecida sob o Tema 1.184.
Em discussão, a possibilidade de lei estadual (SC) fixar valor mínimo para o ajuizamento de execução fiscal por município (Pomerode).
Esta matéria não é nova. O STF já havia enfrentado a questão no Tema 109[1], concluindo, naquela ocasião, pela vedação de lei estadual impor valor mínimo para o ajuizamento de execução pelo ente municipal.
A reviravolta no posicionamento do Tribunal, segundo se percebe da notícia do julgamento, tem duplo fundamento: (a) a superveniente aprovação da Lei nº 12.767/2012 e (b) a expressivo quantidade de execuções fiscais em andamento, correspondendo ao total de 39% dos processos em andamento no Judiciário.
Daí o Plenário do STF fixou a seguinte tese para o Tema 1.184: “1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis”.
A decisão do STF contém grave equívoco e a tese firmada na compreensão do Tema 109 deveria ter prevalecido.
A existência do Tema 109, além da preservação do pacto federativo, tem uma outra justificativa: a federação é composta por milhares de municípios, cada qual com sua peculiaridade. Com todo respeito, não se pode comparar a realidade financeira de Pomerode com a de Florianópolis, por exemplo. Logo, cabe ao legislador municipal fixar os valores mínimos para a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execuções fiscais.
Com efeito, é preciso recordar que o requisito de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa esbarra na necessidade de prévia lei (do próprio ente federativo, claro) autorizando a adoção de tais soluções alternativas, tendo em vista a indisponibilidade do crédito da Fazenda Pública.
Acrescente-se que a tal tentativa de conciliação ou a chamada solução administrativa deverá importar em alguma espécie de moratória (para além de um parcelamento convencional), anistia ou remissão, já que não crível, sequer razoável, supor que o devedor realizará o pagamento do débito inscrito em dívida ativa sem que lhe seja concedida alguma vantagem.
Logo, além de situações em que o CTN impõe prévia lei, há de ser analisado o tema sob o ponto de vista da renúncia de receita e seus reflexos na responsabilidade fiscal.
A obrigação de prévio protesto também não resolve o problema.
Ainda que o CNJ tenha identificado que as execuções fiscais representam um gargalo na Justiça Brasileira, desconhece-se qualquer estudo tenha identificado o grau de recuperabilidade do crédito da Fazenda em razão do protesto extrajudicial da CDA.
Do ponto de vista prático e no mundo real, protesto extrajudicial nunca foi motivo para o micro ou pequeno empresário regularizar seus débitos. Idem para as pessoas físicas. O mundo continua a girar independentemente do protesto, enfim.
Não é o protesto que compele o devedor ao pagamento, mas a constrição judicial de seu patrimônio realizada no âmbito do processo judicial.
Também não se pode perder de vista que o CTN e a Lei de Execuções Fiscais não preveem o prévio protesto como requisito para o ajuizamento de execuções fiscais. Logo, não cabe à lei ordinária e muito menos à jurisprudência prever condição para a cobrança judicial do crédito inscrito em dívida ativa não previsto na lei complementar que disciplina a relação jurídica tributária.
A propósito, nem mesmo o credor privado está obrigado ao cumprimento desta etapa para o exercício do direito de ação, daí surgindo a clara violação à isonomia, sobretudo em razão da relevância do interesse público em captar recursos necessários à satisfação das necessidades da coletividade.
O elevado número de execuções fiscais em andamento no Judiciário também tem origem na ineficiência de quem cobra e na morosidade da própria Justiça.
Nunca é demais lembrar que: (a) a execução fiscal é o processo de cobrança de um título extrajudicial que é formado unilateralmente pela Fazenda Pública, faculdade que não é conferida a nenhum outro credor; (b) a jurisprudência confere à Fazenda Pública o direito de recusar bem diverso de dinheiro oferecido à penhora; (c) a simples inscrição em dívida ativa já retira o devedor da situação de regularidade fiscal e autoriza sua inclusão em cadastro de devedores da Fazenda – CADIN e (d) a Fazenda Pública tem à disposição a Medida Cautelar Fiscal, cujas hipóteses de cabimento são bastante amplas e têm sido paulatinamente elastecidas pelo Judiciário.
Ora, se com todas estas garantias e privilégios o fisco não consegue receber o que lhe cabe, a causa do problema está bem identificada: ineficiência do cobrador.
Consequentemente, a solução está na punição do cobrador ineficiente. Enquanto não surgirem normas que repreendam severamente o credor público que não consiga alcançar um grau mínimo de recuperabilidade de seus créditos, esta bola de neve só irá aumentar.
Por outro lado, a solução para a fixação de um valor mínimo para a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execuções fiscais deve levar em consideração parâmetros previamente definidos, tais como a capacidade de pagamento do devedor, a relação dívida ativa/orçamento público, o percentual de recuperabilidade do exercício anterior, etc.
Tentativas de conciliação, adoção de solução administrativa e/ou prévio protesto do título, decididamente não resolverão o problema.
[1] Lei estadual autorizadora da não inscrição em dívida ativa e do não ajuizamento de débitos de pequeno valor é insuscetível de aplicação a Município e, consequentemente, não serve de fundamento para a extinção das execuções fiscais que promova, sob pena de violação à sua competência tributária.