ARTIGO DA SEMANA – Autos de Infração de ICMS e os dados obtidos junto às administradoras de cartão de crédito/débito

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

Ainda são bastante comuns os autos de infração lavrados pelas Secretarias Estaduais de Fazenda exigindo o ICMS em razão do confronto entre a receita declarada pelo contribuinte e aquelas decorrentes de informações fornecidas pelas administradoras de cartão de crédito/débito.

Estes autos de infração, evidentemente, têm sua origem na quebra do sigilo bancário do contribuinte.

A quebra de sigilo bancário tem previsão no art. 197, II, do Código Tributário Nacional e a matéria é minuciosamente disciplinada pela Lei Complementar nº 105/2001.

Os artigos 5º e 6º, da Lei Complementar nº 105/01 não autorizam apenas à Administração Pública a invadir a base de dados, informações e operações financeiras das pessoas. Muito pior: promovem por si só e de forma geral, rotineira, ininterrupta e irrestrita, a quebra automática do sigilo destes dados e informações, determinando às instituições financeiras que, independentemente de indícios, suspeitas ou qualquer outro fundamento, forneçam, periodicamente, o registro de todas as operações efetuadas pelos usuários de seus serviços.

A LC 105/2001 foi amplamente discutida no Judiciário e o Supremo Tribunal Federal acabou decidindo por sua constitucionalidade.

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, diversas normas cuidam do fornecimento e utilização de dados obtidos junto às administradoras de cartões de crédito para fins de fiscalização do ICMS.

O art. 189, VII, do Código Tributário Estadual, adaptou o art. 197, II, do CTN, para expressamente prever a obrigatoriedade das administradoras de cartão de crédito ou débito, mediante intimação, fornecerem informações de que dispõem sobre as operações realizadas por contribuinte do ICMS.

O art. 2º, II, da Lei nº 5.391/2009 e o Decreto nº 41.726/2009 dispõem que o comprovante de transação com cartão de crédito, emitido por empresa contribuinte do ICMS tem valor fiscal para efeito de apuração do imposto.

Também merece destaque o art. 3º-A, VII, da Lei nº 2.657/96, segundo o qual, considera-se saída de mercadoria sem emissão de documento fiscal os valores relativos à diferença entre os valores informados pelas administradoras de cartão de crédito ou débito em conta corrente e demais estabelecimentos similares e aqueles registrados nas escritas fiscal ou contábil do contribuinte ou nos documentos por ele emitidos.

Apesar de todos estes dispositivos da legislação tributária estadual, o cerne da questão está nos artigos 5º e 6º, da LC 105/2001 e naquilo que o STF decidiu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2859.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha acolhido a constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001, é preciso destacar que o Tribunal fez aguda ressalva quanto à aplicação do art. 6º, da LC 105/2001, pelo Estados-membros.

Com efeito, os arts. 5º e 6º, da Lei Complementar nº 105/2001[1], cuidam de situações distintas e têm destinatários diferentes.

O art. 5º, segundo a expressão literal do dispositivo, é voltado exclusivamente à União, jamais podendo ser utilizado pelos Estados.

Já o art. 6º, da LC 105/2001, tem aplicação aos demais entes da federação. 

No entanto, nas palavras do Supremo Tribunal Federal (ADIN 2859, DJ 21/10/2016), os Estados “somente poderão obter as informações de que trata o art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001 quando a matéria estiver devidamente regulamentada, de maneira análoga ao Decreto federal nº 3.724/2001, de modo a resguardar as garantias processuais do contribuinte, na forma preconizada pela Lei nº 9.784/99, e o sigilo dos seus dados bancários”.

Mas o que significa a regulamentação da matéria de maneira análoga ao Decreto federal nº 3.724/2001? 

Responde o próprio Supremo Tribunal Federal:

“… a regulamentação da matéria no âmbito estadual e municipal deverá, obrigatoriamente, conter as seguintes garantias: 

i) pertinência temática entre as informações bancárias requeridas na forma do art. 6º da LC no 105/01 e o tributo objeto de cobrança no processo administrativo instaurado; 

ii) prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo (leia-se, o contribuinte deverá ser notificado da existência do processo administrativo previamente à requisição das informações sobre sua movimentação financeira) e relativamente a todos os demais atos; 

iii) submissão do pedido de acesso a um superior hierárquico do agente fiscal requerente; 

iv) existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam certificados e com registro de acesso, de modo que torne possível identificar as pessoas que tiverem acesso aos dados sigilosos, inclusive para efeito de responsabilização na hipótese de abusos; 

v) estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios; 

vi) amplo acesso do contribuinte aos autos, garantindo-lhe a extração de cópias de quaisquer documentos e decisões, de maneira a permitir que possa exercer a todo tempo o controle jurisdicional dos atos da administração, segundo atualmente dispõe a Lei 9.784/1999.”

No Estado do Rio de Janeiro, somente a partir do Decreto nº 46.902/2020 é que foi regulamentada a aplicação do art. 6º, da Lei Complementar nº 105/2001, no âmbito estadual.

A publicação do Decreto nº 46.902/2020 é extremamente importante porque escancara um fato defendido desde há muito: até a sua publicação, a fiscalização do ICMS não estava autorizada a promover a quebra do sigilo bancário dos contribuintes, apesar de todos os dispositivos da legislação estadual que, aparentemente, davam guarida às autuações promovidas pela SEFAZ/RJ.

Em outras palavras: as normas estaduais anteriores ao Decreto nº 46.902/2020 não contemplam todas as hipóteses que, segundo o Supremo Tribunal Federal, autorizariam o acesso aos dados do contribuinte sem prévia autorização judicial.

Consequentemente, todas as informações obtidas por tal meio são imprestáveis, da mesma forma que não se aproveita o fruto decorrente de uma árvore podre ou envenenada.

Esta posição, a propósito, tem sido acolhida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro[2].

É bem verdade que há decisões do TJRJ em sentido contrário, admitindo a quebra de sigilo bancário com fundamento no art. 5º, da LC 105/2001.

Tais decisões, à evidência, não devem prevalecer, porque o art. 5º claramente tem como destinatário das informações a administração tributária da União.

Portanto, o ICMS decorrente de auto de infração lavrado anteriormente a 15/01/2020, exigindo o imposto por divergências entre o que foi declarado pelo contribuinte e o que foi informado por administradoras de cartão de crédito/débito, é indevido.  


[1] Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.           

§ 1o Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo:

I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

V – contratos de mútuo;

VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;

VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;

VIII – aplicações em fundos de investimentos;

IX – aquisições de moeda estrangeira;

X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;

XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;

XII – operações com ouro, ativo financeiro; 

XIII – operações com cartão de crédito;

XIV – operações de arrendamento mercantil; e

XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente.

§ 2o As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.

§ 3o Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.

§ 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. 

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

[2] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO C/C REQUERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO AFASTADA. AUTO DE INFRAÇÃO DE ICMS. ENCERRAMENTO DA EMPRESA NA JUNTA COMERCIAL E NO CNPJ NÃO IMPEDE A COBRANÇA DO ICMS REFERENTE AO PERÍODO EM QUE SE ENCONTRAVA ATIVA, DESDE QUE OBSERVADO O PRAZO PRESCRICIONAL. ILEGALIDADE NOS AUTOS DE INFRAÇÃO CAUSADA PELA FORMA QUE A FAZENDA COLETOU OS DADOS QUE OS FUNDAMENTARAM. INFORMAÇÕES PRESTADAS PELAS OPERADORAS DOS CARTÕES. DECISÃO DO STF NA ADI Nº 2.859, NO SENTIDO DE QUE, PARA QUE O ESTADO POSSA ACESSAR OS DADOS INDIVIDUALIZADOS, NA FORMA DO ART. 6º DA LC Nº 105/2001, É NECESSÁRIA A EXISTÊNCIA DE NORMA PRÓPRIA PREVENDO A OBSERVAÇÃO DAS GARANTIAS DETERMINADAS NO JULGADO. LEGISLAÇÃO INFORMADA PELO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DA QUAL NÃO SE VERIFICA A EXISTÊNCIA DE NORMATIZAÇÃO PRÓPRIA DO ESTADO PREVENDO MEDIDAS QUE ASSEGUREM O SIGILO DOS DADOS OBTIDOS JUNTO ÀS OPERADORAS DE CRÉDITO, NOTADAMENTE A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO CONTRIBUINTE E A IMPLANTAÇÃO DE SISTEMAS ELETRÔNICOS DE SEGURANÇA QUE SEJAM CERTIFICADOS E COM REGISTRO DE ACESSO. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO NECESSÁRIO DE APLICAÇÃO DO ART. 6º, DA LC Nº. 105/2001, CONFORME DECIDIDO PELO STF NA ADI Nº 2.859. CONFIGURADA A VIOLAÇÃO AO SIGILO BANCÁRIO DO CONTRIBUINTE, ENSEJANDO A NULIDADE DOS AUTOS DE INFRAÇÃO DECORRENTES DAS CONSULTAS. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO DO RECURSO.

(0005521-19.2018.8.19.0024 – APELAÇÃO. Des(a). MARIA ISABEL PAES GONÇALVES – Julgamento: 12/12/2022 – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)

ARTIGO DA SEMANA – ICMS, TUST, TUSD e a decisão na ADI 7195

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da Pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

O destaque desta semana vai para a decisão do plenário do STF que referendou a medida cautelar na ADI 7195 deferida pelo Mn. Luiz Fux.

Nos termos da decisão, fica provisoriamente suspenso o art. 2º, da Lei Complementar nº 194/2022[1], que incluiu um inciso X ao art. 3º, da Lei Complementar nº 87/96.  

De acordo com o art. 3º, X, da LC 87/96,  ICMS não incide sobre serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.

O Ministro Relator, no que foi acompanhado por seus pares, concluiu que há relevância na fundamentação do pedido formulado na ADI 7195 porque[2]: (a) aparentemente a União estaria invadindo a competência dos Estados para legislar sobre a base de cálculo do ICMS e (b) num primeiro momento, a expressão “operações”, segundo a Constituição, remeteria não apenas a consumo efetivo, mas a toda a infraestrutura necessária ao consumo.

A decisão do Min. Luiz Fux referendada pelo Plenário está a merecer críticas.

Ao contrário do que o STF concluiu, há forte indícios que levam à inexistência de relevância nos fundamentos do pedido formulado na ADI 7195.

O fato de uma lei complementar da União dispor sobre base de cálculo do ICMS encontra respaldo em dispositivo expresso da Constituição.

Segundo o art. 155, §2º, XII, “i”, da CF, cabe à lei complementar “fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”.

A redação deste dispositivo, introduzido pela Emenda Constitucional nº 33/2001, não merece interpretação restritiva. Deste modo, é fácil perceber que o legislador constituinte deu à União a competência para, mediante lei complementar, fixar a base de cálculo do ICMS.  

Portanto, ao menos num exame superficial, a aparente invasão na competência dos Estados não existe.

Quanto ao aspecto material da discussão, é inegável que a intenção do legislador, através do inciso X incluído ao art. 3º, da LC 87/96, foi excluir os valores cobrados a título de Tarifa pelo Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Tarifa pelo Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) da base de cálculo do ICMS em consonância com o pensamento doutrinário e diversas decisões judiciais.

A redação do inciso X, do art. 3º, da Lei Kandir, poderia ter sido mais feliz.

Na verdade, o ideal seria que a exclusão da TUST/TUSD estivesse prevista em um dos incisos do art. 13, da LC 87/96, que trata especificamente da base de cálculo do ICMS.

Mas o fato é que os juristas e os tribunais, partindo da premissa de que energia elétrica, para fins tributários, é uma mercadoria, concluíram que o ICMS só pode incidir sobre a energia efetivamente consumida pela pessoa física ou jurídica.

Consequentemente, ao se determinar a base de cálculo do ICMS, não se deve incluir qualquer valor cobrado pelas concessionárias que não corresponda à energia efetivamente consumida.    

Logo, a ideia defendida pelo STF, mesmo num exame preliminar da questão, não corresponde àquilo que se vem interpretando sobre a matéria.

É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de afastar a incidência do ICMS sobre a demanda reservada de potência, também chamada de demanda contratada, nos contratos de fornecimento de energia elétrica.

Esta manifestação jurisprudencial tem como fundamento exatamente o fato de que, para fins de direito tributário, a energia elétrica é uma mercadoria. Assim, concluiu o STJ no Tema 63 dos Recursos Repetitivos[3], que somente a energia efetivamente consumida é que corresponde à energia que circulou no estabelecimento do consumidor, sujeitando-se à incidência do ICMS.

Posteriormente, o STJ editou a Súmula 391[4] no mesmo sentido.

Pode-se dizer que a jurisprudência do STJ sobre esta matéria (demanda contratada de energia) está pacificada a exatos 14 anos, já que o Tema 63 dos Recursos Repetitivos foi julgado em 11/03/2009.

Com efeito, o próprio STF já decidiu no mesmo sentido[5].

Portanto, também quanto ao aspecto material, não há o fumus boni iure apontado pelo STF.

De todo modo, a decisão do STF não deve desanimar os contribuintes que discutem judicialmente a exclusão da TUST/TUSD da base de cálculo do ICMS.

O STF já decidiu que esta discussão não é constitucional[6].

Consequentemente, cabe ao STJ definir a questão na apreciação do Tema 986. 

A conferir…


[1] Art. 2º A Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 3º …………………………………………………………………………………………

…………………………………………………………………………………………………….

IX – operações de qualquer natureza de que decorra a transferência de bens móveis salvados de sinistro para companhias seguradoras; e

X – serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.

[2] Forçoso reconhecer, desse modo, que a fumaça de bom direito mostra-se caracterizada, vez que não se afigura legítima a definição dos parâmetros para a incidência do ICMS em norma editada pelo Legislativo federal, ainda que veiculada por meio de lei complementar. Outrossim, sob o aspecto material, o uso do termo “operações” remete não apenas ao consumo efetivo, mas a toda a infraestrutura utilizada para que este consumo venha a se realizar, isto é, o sistema de transmissão da energia”.

[3]Tema Repetitivo 63: “É indevida a incidência de ICMS sobre a parcela correspondente à demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada”. (julgado 11/03/2009)

[4] Súmula STJ 391: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”. (PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2009, DJe 07/10/2009)

[5]RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO – ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. VALOR COBRADO A TÍTULO DE DEMANDA CONTRATADA OU DE POTÊNCIA. 1. Tese jurídica atribuída ao Tema 176 da sistemática da repercussão geral: “A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor”. 2. À luz do atual ordenamento jurídico, constata-se que não integram a base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica valores decorrentes de relação jurídica diversa do consumo de energia elétrica. 3. Não se depreende o consumo de energia elétrica somente pela disponibilização de demanda de potência ativa. Na espécie, há clara distinção entre a política tarifária do setor elétrico e a delimitação da regra-matriz do ICMS. 4. Na ótica constitucional, o ICMS deve ser calculado sobre o preço da operação final entre fornecedor e consumidor, não integrando a base de cálculo eventual montante relativo à negócio jurídico consistente na mera disponibilização de demanda de potência não utilizada. 5. Tese: “A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor”. 6. Recurso extraordinário a que nega provimento.

(RE 593824, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-123  DIVULG 18-05-2020  PUBLIC 19-05-2020)

[6]RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. TARIFA DE USO DO SISTEMA DE TRANSMISSÃO – TUST. TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO – TUSD. VALOR FINAL DA OPERAÇÃO. QUESTÃO INFRACONSTITUCIONAL. LEGISLAÇÃO FEDERAL. 1. A correção jurídica da conduta de incluir os valores tarifários da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação da energia elétrica é controvérsia que não possui estatura constitucional. 2. Os juízos de origem formaram convicção com esteio na legislação infraconstitucional, notadamente o Código Tributário Nacional, Lei Complementar 87/1996, Leis federais 9.074/1995 e 10.848/2004, bem como Convênios CONFAZ 117/2004 e 95/2005, com posteriores alterações, e Resoluções da ANEEL, de modo que não se depreende da decisão recorrida ofensa direta ao Texto Constitucional. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 1041816 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 04/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017)

Empresa de informática deve pagar IRRF sobre valores enviados ao exterior para compra de softwares

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou que uma empresa de informática, sediada em Porto Alegre, deve pagar imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre os valores remetidos para o exterior para a compra de softwares produzidos em larga escala, conhecidos como softwares de prateleira. A decisão foi proferida pela 1ª Turma da corte, por maioria, na última semana (2/3).

A ação foi ajuizada em abril de 2019 pela empresa da capital gaúcha. A autora narrou que presta serviços na área de informática e comercializa softwares de prateleira. Ela afirmou que possui contrato com uma empresa australiana, fabricante de programas de computador do tipo standard, que são comercializados em escala global, recebendo os produtos e os vendendo no mercado brasileiro.

Segundo a autora, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) distingue “os programas de computador por encomenda daqueles produzidos em larga escala, chamados softwares de prateleira, consolidando o entendimento de que softwares de cópias múltiplas e comercializados no varejo seriam mercadorias”.

Dessa forma, ela argumentou que não deveria pagar o IRRF sobre as remessas feitas ao exterior como pagamento de aquisições dos softwares, por não se enquadrarem como remuneração de direitos autorais, mas sim como aquisição de mercadoria.

Em setembro de 2019, a 13ª Vara Federal de Porto Alegre proferiu sentença favorável à autora.

A União recorreu alegando que “as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas, ou remetidas para o exterior a título de royalties, a qualquer título, estão sujeitas à incidência de IRRF”. Ainda foi sustentado que a decisão do STF “teria analisado somente os contornos jurídicos atinentes à incidência do ICMS e do ISS sobre as vendas seriadas de programas de computador no varejo, não sendo aplicável ao caso em questão”.

A 1ª Turma do TRF4 deu provimento ao recurso, reformando a sentença. O relator, juiz convocado na corte Alexandre Rossato da Silva Ávila, destacou que “os programas de computador são obras intelectuais, conforme previsto pela Lei nº 9.610/98, que consolida a legislação sobre direitos autorais”.

Em seu voto, o magistrado concluiu que “na hipótese dos autos, o titular dos direitos de programa de computador é empresa domiciliada no exterior, a qual recebeu os royalties decorrentes da comercialização dos direitos da sua obra intelectual, pagos pela parte autora, que é a fonte pagadora. Logo, é devido o imposto de renda retido pela fonte pagadora a título de royalties pagos pela comercialização de programas de computador”.

ACS/TRF4 (acs@trf4.jus.br)5019649-87.2019.4.04.7100/TRF

Plenário referenda suspensão de mudança na base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou medida liminar deferida pelo ministro Luiz Fux para suspender dispositivo legal que retirava da base de cálculo do ICMS as tarifas dos serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica e encargos setoriais vinculados às operações com energia. A decisão foi tomada na sessão virtual do Plenário concluída em 3/3, na análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7195, ajuizada por governadores de 11 estados e do Distrito Federal.

Na ação, os governadores questionam alterações promovidas na Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) pela Lei Complementar federal 194/2022, que classifica combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo como bens e serviços essenciais, o que impede a fixação de alíquotas acima da estabelecida para as operações em geral. Entre outros pontos, a norma retirou da base de cálculo do imposto estadual os valores em questão.

Competência

Em seu voto pelo referendo da liminar, o ministro Luiz Fux reiterou seu entendimento de que o Legislativo Federal, ao editar a norma, extrapolou o poder conferido pela Constituição da República para disciplinar questões relativas ao ICMS. Há, a seu ver, a possibilidade de que a União tenha invadido a competência tributária dos estados.

Ele destacou também que o uso do termo “operações” remete não apenas ao consumo, mas a toda a infraestrutura utilizada para que ele venha a se realizar, isto é, o sistema de transmissão da energia.

Perdas

Fux lembrou ainda que, com a exclusão promovida pela lei, a estimativa é a de que, a cada seis meses, os estados deixem de arrecadar, aproximadamente, R$ 16 bilhões, conforme informações trazidas aos autos.

Divergência

Divergiu do relator apenas o ministro André Mendonça, que propôs que a liminar vigore até a conclusão do grupo de trabalho formado com representantes da União e dos estados no âmbito da ADI 7191 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 984, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, que discutem pontos da lei questionada.

AR/AD//CF

Fonte: Notícias do STF

STF invalida regra que ignorava imunidade da Zona Franca de Manaus ao ICMS

A Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma área de livre comércio com tratamento diferenciado, de modo que operações feitas com empresas ali situadas se equiparam a operações com o exterior. Desta forma, a venda de combustível a distribuidora localizada na ZFM é equiparável a exportação, e portanto imune à incidência do ICMS, como dita a Constituição.

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da proibição ao adiamento do pagamento de ICMS na venda de combustíveis para distribuidoras da ZFM.

Ainda assim, validou tal restrição para outras áreas de livre comércio. O julgamento virtual foi encerrado nesta terça-feira (28/2).

Histórico
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionava dispositivos do Convênio ICMS 10/2007, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que prevê adiamento do ICMS devido na compra de etanol anidro combustível (EAC) e biodiesel (B100).

O EAC, quando misturado com a gasolina tipo A (produzida nas refinarias ou petroquímicas), forma a gasolina tipo C. Já o B100 é usado para se obter o óleo diesel tipo B, a partir de sua mistura com o óleo diesel tipo A, também produzido pelas refinarias.

Conforme o convênio, empresas que vendem EAC ou B100 não precisam pagar ICMS em operações destinadas a distribuidoras de combustíveis. A própria compradora deve recolher o imposto à unidade federada de origem da mercadoria, quando revender os combustíveis.

Porém, há uma exceção: o adiamento não vale para operações isentas ou não tributadas, o que inclui as vendas para a ZFM e outras áreas de livre comércio.

Ou seja, a distribuidora localizada nessas áreas deve recolher o imposto adiado à unidade federada remetente do EAC ou do B100. Então, em vez de aguardar até o momento da revenda do combustível para promover o pagamento, é necessário recolher o tributo já no momento da compra.

O PDT alegou que a regra cria um tratamento desigual entre distribuidoras em função de sua localização geográfica. Isso porque empresas da ZFM e demais áreas de livre comércio acabam não usufruindo do benefício. A legenda ainda argumentou que tal desvantagem subverte os objetivos da ZFM e viola o princípio da segurança jurídica.

Fundamentação
Prevaleceu o voto do ministro Dias Toffoli, que havia pedido vista em novembro do último ano. Ao devolver os autos, ele demonstrou que o convênio do Confaz ignorou a imunidade de ICMS para a ZFM.

O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (SINDICOM), que atuou como amicus curiae no processo, tentou argumentar que a regra seria válida com relação à ZFM, já que o Governo do Amazonas concedeu crédito presumido às distribuidoras em valor igual ou superior ao montanto do imposto adiado.

Porém, Toffoli indicou que isso não afasta a imunidade tributária. “Não se pode utilizar de uma tributação inconstitucional com a pretensão de fazer uma espécie de contrabalanceamento em face do referido crédito presumido”, assinalou. Além disso, os interessados podem questionar o crédito presumido.

Mesmo assim, o magistrado explicou que a isenção do ICMS não se aplica a outras áreas de livre comércio. Conforme a jurisprudência da corte, as regras constitucionais que tratam a ZFM como área estrangeira não alcançam empresas situadas em outras regiões. Assim, nesses casos, os estados podem deliberar sobre o adiamento do tributo.

O único ministro que teve entendimento parcialmente divergente foi o relator, Kássio Nunes Marques. Ele votou a favor da declaração de inconstitucionalidade total da regra do adiamento do ICMS, até mesmo com relação às demais zonas de livre comércio.

Clique aqui para ler o voto de Toffoli
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ADI 7.036

Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2023, 19h43

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