Tributação e segurança jurídica

Luiz Fux

“O direito é senhor do tempo. Controla a bidirecionalidade passado/futurodas relações jurídicas que ele mesmo prescreve, fundando o clima de segurança que o sistema exige de si mesmo como condição para sua própria existência, motivo por que dissemos que o sobreprincípio da segurança jurídica depende de fatores sistêmicos. A irretroatividade é o primado que se ocupa do passado; enquanto que, para o futuro, muitos são os expedientes principiológicos necessários para que se possa falar na efetividade do primado da segurança jurídica.”

Com essas palavras, Paulo de Barros Carvalho[1] capta o que está em jogo quando se discute a modulação de efeitos das decisões proferidas pela Suprema Corte.

Em nosso sistema jurídico a questão está positivada. Inicialmente para as ações de controle abstrato: artigo 27 da Lei 9.868/99 e artigo 11 da Lei 9.882/99; e, mais recentemente, para os casos de controle difuso, mas julgados em regime de repercussão geral (artigo 927, § 3º do Código de Processo Civil de 2015). 

Em comum entre os dois textos legais, duas exigências se mostram inegociáveis — o interesse social e a segurança jurídica.

O jurista e sociólogo francês Jean Carbonnier, em seu “Flexible droit – pour une sociologie du droit sans rigueur” (Paris, LGDJ, 1998, páginas 193/194), traz considerações extremamente pertinentes sobre a segurança jurídica em tópico da obra entitulado “Les Incertitudes des Droits Subjectifs”:

Um valor que os teóricos do direito, como Paul Roubier, consideram fundamental: a segurança jurídica. Eles a colocam diante da própria justiça e antes do progresso: é ela que deve ser sacrificada em último lugar, porque condiciona os outros dois[2].

Na mesma obra, linhas adiante, o próprio autor cunhou célebre frase a respeito da segurança jurídica:

Essa é a necessidade legal básica e, ousa-se dizer, animal (C’est le besoin juridique élémentaire et, si l’on ose dire, animal).

Assumindo, então, a segurança jurídica como essa necessidade imanente ao ser humano, cabe ao Direito estabelecer um sistema que a proveja, exatamente na intenção de estabilizar as relações sociais.

Sindicando tais pressupostos ao que pertine às decisões do Supremo Tribunal Federal, especialmente aquelas que dizem respeito a exigências decorrentes da relação Fisco-contribuinte, é forçoso encetar que as situações em que se modifica o posicionamento que vinha sendo tomado até então pelos órgãos judicantes reclamam análise a partir da leitura dos primados da segurança jurídica.

A convivência em sociedade pressupõe o cumprimento da norma com os consectários de sua interpretação, oferecida pelo Poder Judiciário. A presunção de constitucionalidade das leis impõe ao cidadão obedecê-las em conformidade com a hermenêutica disposta por um dos Poderes da República. No momento em que um dos vetores do sistema se altera, está o cidadão liberado de cumprir as exigências da maneira anteriormente definida, ficando os atos já praticados resguardados pelo passado.

As decisões das Cortes Constitucionais que reconhecem a incongruência das regras com o sistema jurídico ou mesmo que definem a maneira pela qual a regra se coaduna ao sistema tem exatamente o condão de abalar essa legítima confiança na presunção estabelecida de antemão entre cidadão e Estado. 

Nos autos do RE 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 22/10/2014, DJe 24/11/2014 tive a oportunidade de me manifestar, ainda que brevemente, acerca da relação entre a própria segurança jurídica, a isonomia e os precedentes jurisprudenciais, verbis:

Então, o que se espera da jurisprudência se ela é um fator de previsibilidade e segurança jurídica? Que ela seja estável. Mas se ela não for estável, que, quando houver uma modificação dessa jurisprudência, haja, efetivamente, uma modulação temporal, para não criar um estado de surpresa no cidadão jurisdicionado. E não é uma inovação. Vai ser uma inovação do novo Código, mas já calcada na prospective overruling da Suprema Corte Americana, porque isso é uma maneira não só de se aplicar o princípio da isonomia – porque, se todos são iguais perante a lei, são iguais perante a jurisprudência -, e conferir essa segurança jurídica, que, com muita propriedade, a Professora Tereza Alvim, na exposição de motivos do projeto de lei que nós entregamos ao Senado, e que está para ser apreciado pela Câmara dos Deputados, baseada numa afirmação de Caenegem, numa obra específica sobre juízes, professores e legisladores, ela afirmava que “O cidadão jurisdicionado não pode ser tratado como um cão, que só sabe o que é proibido quando um taco de beisebol lhe toca o focinho”, que é mais ou menos o que está acontecendo. Quer dizer, a jurisprudência era pacífica, o juiz seguiu a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os Tribunais — não são os Regionais Federais, não, Ministro Marco Aurélio —, nós seguimos essa jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça também; e, aí, vem a jurisprudência e sofre uma modificação. E essa modificação pega de surpresa a todos. Então, evidentemente, ela tem que ter eficácia ex nunc .”

Em voto-vista nos autos do RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, consignei o seguinte:

O princípio da segurança jurídica é tão relevante que, além de contribuir para a duração de um sistema político, na sua ausência, qualquer sociedade entra em colapso. Ela é um dos mais elementares preceitos que todo ordenamento jurídico deve observar. Nesse diapasão, cumpre a todo e qualquer Estado reduzir as incertezas do futuro, pois, segundo pontifica Richard S. Kay, “um dos mais graves danos que o Estado pode infligir aos seus cidadãos é submetê-los a vidas de perpétua incerteza”1

Tratando especificamente da segurança jurídica em matéria tributária e sua relação direta com a modulação de efeitos das decisões proferidas pelo STF, calha mencionar recente precedente formado no Plenário da Suprema Corte. Com voto condutor de minha autoria  entendeu a Corte que os efeitos da exigência do ICMS sobre a assinatura básica mensal dos serviços de telefonia deve operar apenas a partir do momento em que o STF julgou a exigência constitucional (RE 912.888-ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, redator para o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 1/12/2022)

Àquele momento, consignei em meu voto, sagrado vencedor, os seguintes termos:

Historicamente, nossa tradição acadêmica tem dificuldade de levar em consideração as consequências das normas jurídicas e das decisões judiciais. Na aula inaugural do curso de Direito da Faculdade Nacional, em 1955, San Tiago Dantas prelecionou:
No estudo das instituições jurídicas apresentadas em sistema perde-se facilmente a sensibilidade da relação social, econômica ou política, a cuja disciplina é endereçada a norma jurídica. O sistema tem um valor lógico e racional, por assim dizer, autônomo. O estudo que dele fazemos, com métodos próprios estritamente dedutivos, conduz a uma autossuficiência, que permite ao jurista voltar as costas à sociedade e desinteressar-se da matéria regulada, como do alcance prático de suas soluções.”[3]

Ainda hoje há uma resistência considerável a levarem-se as consequências a sério, amparada por algumas falácias que buscam exaltar um purismo da Teoria Analítica ou uma falta de sensibilidade humana, uma espécie de assepsia moral de quem ousa apontar que as escolhas implicam custos e que não existe almoço de graça.

Uma das vantagens de destacar as consequências das interpretações jurídicas, num ambiente de ambiguidade de vagueza típicos da linguagem[4], é identificar quem está a se sacrificar, e em qual medida, nas escolhas políticas e judiciais.

De fato, a Constituição possui uma série de normas que estabelecem parâmetros de controle baseados nas consequências das ações públicas, como a eficiência e o fomento à livre-iniciativa e às condições equilibradas de concorrência.

O problema que a Corte está a enfrentar é típico desse cenário. O constituinte originário optou por utilizar a materialidade dos fatos como critério para repartir a competência tributária entre os entes federados. Essa divisão revela-se garantia ambivalente, tanto aos entes tributantes, como aos contribuintes. Aos entes tributantes ela assegura instrumentos para custeio de seus deveres constitucionais e legais, sem sobreposição nem risco de usurpação por seus análogos.

Contudo, num fenômeno semelhante àquele que Paulo Otero chama de erosão da legalidade[5], essa divisão vai perdendo sua capacidade de salvaguarda, pressionada pela sempre crescente complexidade e contingência da vida em sociedade.

Paradoxalmente, o apego isolado à análise supostamente “pura” dos textos legais, como proteção contra os males da interpretação econômica, impede que o jurista e o Judiciário deem máxima efetividade às próprias normas jurídicas.

Examinar o cenário ajuda a compreender como esta questão chegou ao escrutínio do Supremo Tribunal Federal.

Numa quadra de despesas sempre crescentes, os estados, o Distrito Federal e os municípios veem suas receitas pressionadas pelas mudanças de paradigmas econômicos, com a troca dos meios tradicionais de empreender pelas chamadas “tecnologias disruptivas”, pelas externalidades de um mercado em arrefecimento e pelas tensões federativas.

Cotidianamente testemunhamos mudanças na forma de realizar negócios e atividades simples da vida privada, como a transição do consumo de entretenimento para os suportes digitais. Essa mudança ameaça a matriz calcada na distinção que deu origem à divisão da competência para instituir impostos, ou seja, industrialização, mercadorias e serviços. Estados, Distrito Federal e municípios também ressentem-se do que percebem como um abandono da União, na recomposição dos valores devidos no âmbito da LC 87/1996.

Aliás, os estudiosos debruçados sobre a reforma tributária poderiam aprender muito a partir da experiência desta Suprema Corte na mediação de conflitos federativos de índole financeira e em seus desdobramentos litigiosos, dado que parte cardeal da proposta depende da transferência desembaraçada de recursos do centro à periferia das esferas federativas[6].

O contribuinte também está em posição delicada. O sistema tributário brasileiro é um dos mais confusos e custosos do mundo, conforme atestado ano após ano no estudo Paying Taxes[7], do Banco Mundial. O empreendedor brasileiro assume riscos elevados, diante da tendência de abandono da função econômica da limitação da responsabilidade[8]. Isto é especialmente contraproducente para o modelo de alocação de recursos adotado pela Constituição Federal de 1988, que rompeu com a matriz anterior, bem documentada e descrita por economistas como Nathaniel Leff[9].

Conforme observaram BUCHANAN e BRENNAN[10], a racionalidade subjacente à adoção de constituições alia-se à previsão de eleições periódicas e universais para assegurar que o exercício do poder não destoe dos marcos estabelecidos no momento idealizado da posição original (prévio à alocação de papéis sociais), sob o “véu de ignorância” proposto por RAWLS[11].

BUCHANAN e BRENNAN concluem:

“The analysis [referem-se ao modelo proposto, baseado na Public Choice Theory] can also be employed normatively to identify perverse elements in observed fiscal arrangements, elements that tend to create incentive structures that oppose those which efficiency in revenue disposition would require.”[12]

Nesse contexto, faz sentido agregar à racionalidade de uma “constituição fiscal” o apego à segurança jurídica, como instrumento para garantir expectativas normativas legítimas dos contribuintes. Ignorar essa expectativa legítima vai além de violar textualmente a Constituição Federal, na medida em que ela também é contraproducente a uma série de metas impostas, como a redução das desigualdades regionais, o fomento do pleno emprego e o próprio reforço da base de arrecadação.

In casu, havia expectativa legítima dos contribuintes à não incidência do ICMS sobre as atividades custeadas pela assinatura básica sem franquia deminutos. A estabilidade decorria das seguintes circunstâncias:

O STJ possuir jurisprudência pacífica em favor dos contribuintes;
A existência de decisões desta Suprema Corte dando por infraconstitucional ou dependente de reexame de provas a análise da matéria;
A robustez do argumento pela inconstitucionalidade e a complementar contingência do argumento contrário, demonstrada na formação da linha vencida (de modo a afastar a unanimidade).
 

O artigo 927, § 3º do Código de Processo Civil materializa as hipóteses em que a mudança no cenário jurídico enseja a modulação de efeitos da decisão judicial. In verbis:

Art. 927. (…)
(…)
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
Conjurando o contexto fático com a disposição legal, impõe-se a necessidade de estabelecimento de um termo para a cobrança do ICMS sobre os serviços de assinatura.

No que se refere à jurisprudência predominante e sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é de se ver que aquela Corte já havia decidido a questão em sede de recurso repetitivo, hipótese expressamente mencionada pelo art. 927, § 3 do CPC, transcrito alhures. Refiro-me ao REsp n. 1.176.753/RJ. Eis a ementa:

PROCESSUAL   CIVIL.        RECURSO  ESPECIAL. TRIBUTÁRIO.       ICMS.         SERVIÇOS CONEXOS (SUPLEMENTARES) AO DE COMUNICAÇÃO (TELEFONIA MÓVEL): TROCA DE TITULARIDADE DE APARELHO CELULAR; CONTA DETALHADA; TROCA DE APARELHO; TROCA DE NÚMERO; MUDANÇA DE ENDEREÇO DE COBRANÇA DE CONTA TELEFÔNICA; TROCA DE ÁREA DE REGISTRO; TROCA DE PLANO DE SERVIÇO; BLOQUEIO DDD E DDI; HABILITAÇÃO; RELIGAÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS.
A incidência do ICMS, no que se refere à prestação dos serviços de comunicação, deve ser extraída da Constituição Federal e da LC 87/96, incidindo o tributo sobre os serviços de comunicação prestados de forma onerosa, através de qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza (art. 2º, III, da LC 87/96).
A prestação de serviços conexos ao de comunicação por meio da telefonia móvel (que são preparatórios, acessórios ou intermediários da comunicação) não se confunde com a prestação da atividade fim processo de transmissão (emissão ou recepção) de informações de qualquer natureza, esta sim, passível de incidência pelo ICMS.
D
esse modo, a despeito de alguns deles serem essenciais à efetiva  prestação do serviço de comunicação e admitirem a cobrança de tarifa pela prestadora do serviço (concessionária de serviço público), por assumirem o caráter de atividade meio, não constituem, efetivamente, serviços de comunicação, razão pela qual não é possível a incidência do ICMS.
Não merece reparo a decisão que admitiu o ingresso de terceiro no feito, pois o art. 543-C, § 4º, do CPC autoriza que o Ministro Relator, considerando a relevância da matéria tratada em recurso especial representativo da controvérsia, admita a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na questão jurídica central.
Agravo regimental de fls. 871/874 não provido. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 – Presidência/STJ.
(REsp n. 1.176.753/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator para acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 28/11/2012, DJe de 19/12/2012.)

O julgado referido resulta da consolidação de entendimento anterior, formado em ambas as Turmas de Direito Público daquela Corte, tal como demonstra, dentre outros, o acórdão no EDcl no REsp n. 1.022.257/RS, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 9/12/2008, DJe de 12/2/2009). Verbis:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535 DO CPC. CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL. EFEITOS INFRINGENTES. OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO. AUSÊNCIA.
O acórdão embargado reconheceu a incidência do ICMS sobre os valores cobrados a título de assinatura básica, pois abrangem uma franquia de pulsos mínimos por mês e, portanto, remuneram, pelo menos em parte, o próprio serviço de comunicação.

No presente caso, entretanto, não se trata de assinatura básica, com inclusão de franquia mínima de pulsos, mas de simples assinatura, que apenas remunera os custos de manutenção do sistema de telecomunicações colocado à disposição do usuário dos serviços de telefonia. Necessidade de correção de erro material.

Tratando-se de simples assinatura – que não abrange franquia de pulsos —, tal como prevista na cláusula 1º do Convênio ICMS 69/98, deve ser reconhecida a ilegalidade da incidência do ICMS sobre valores cobrados a esse título, por tratar-se de serviço preparatório e atividade-meio, que não se confunde com o próprio serviço de comunicação, este sim tributado pelo imposto. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.

O aresto embargado foi expresso em prover o recurso especial para excluir da incidência do ICMS o serviço de habilitação. Obscuridade não reconhecida.

Como a impetrante, ora embargante não especificou em que consistiriam os “serviços suplementares e facilidades adicionais”, o mandado de segurança foi denegado por ausência de direito líquido e certo em face da generalidade do pedido. A denegação da segurança por ausência de direito líquido e certo não impede a repropositura da ação, por não ter sido enfrentado o mérito da impetração, não fazendo, portanto, coisa julgada material, mas apenas formal. Ausência de contradição.

Embargos de declaração acolhidos em parte, com efeitos infringentes, para dar provimento também em parte ao recurso especial.

O entendimento, em verdade, decorre de outros precedentes que já haviam estabelecido interpretação restritiva à materialidade do ICMS relativamente à tributação dos serviços de comunicação. Adotou-se entendimento no sentido de que serviços meio não poderiam ser objeto da exação. Anote-se a existência da Súmula 350 da jurisprudência daquele Tribunal: “O ICMS não incide sobre o serviço de habilitação de telefone celular”.

Àquele momento, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal caminhava para reconhecer a discussão como de índole infraconstitucional, o que reforçava a definitividade do entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Veja-se, v. g., os arestos RE 781841 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 07/02/2014 e AI 683.929-AgR-segundo, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 25.11.2010.

Entretanto, amadurecendo na discussão, a Suprema Corte examinou discussão quanto à materialidade do serviço de comunicação para fins de incidência do ICMS nos autos do RE 572.020, do qual fui redator para o acórdão. Firmou-se o posicionamento no sentido do que já vinha sendo estabelecido no Tribunal da Cidadania. É dizer, não seria possível a tributação pelo ICMS das atividades ancilares ao serviço de comunicação. Eis a ementa do acórdão:

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. HABILITAÇÃO DE APARELHOS CELULARES. A LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ART. 60, § 1º, DA LEI Nº 9.472/97) NÃO PREVÊ O SERVIÇO DE HABILITAÇÃO DE TELEFONIA MÓVEL COMO ATIVIDADE-FIM, MAS ATIVIDADE-MEIO PARA O SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. A ATIVIDADE EM QUESTÃO NÃO SE INCLUI NA DESCRIÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO CONSTANTE DO ART. 2º, III, DA LC 87/1996, POR CORRESPONDER A PROCEDIMENTO TIPICAMENTE PROTOCOLAR, CUJA FINALIDADE REFERE-SE A ASPECTO PREPARATÓRIO. OS SERVIÇOS PREPARATÓRIOS, TAIS COMO HABILITAÇÃO, INSTALAÇÃO, DISPONIBILIDADE, ASSINATURA, CADASTRO DE USUÁRIO E EQUIPAMENTO, ENTRE OUTROS, QUE CONFIGURAM ATIVIDADE-MEIO OU SERVIÇOS SUPLEMENTARES, NÃO SOFREM A INCIDÊNCIA DO ICMS, POSTO SERVIÇOS DISPONIBILIZADOS DE SORTE A ASSEGURAR AO USUÁRIO A POSSIBILIDADE DO USO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, CONFIGURANDO AQUELES TÃO SOMENTE ATIVIDADES PREPARATÓRIAS DESTES, NÃO INCIDINDO ICMS. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 2º, 150, I, E 155, II, DA CF/88. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Os serviços preparatórios aos serviços de comunicação, tais como: habilitação, instalação, disponibilidade, assinatura, cadastro de usuário e equipamento, entre outros serviços, configuram atividades — meio ou serviços suplementares. O serviço de   comunicação propriamente dito, consoante previsto no art. 60, § 1º, da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele em que um terceiro, mediante prestação negocial- onerosa, mantém interlocutores (emissor/receptor) em contato por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza (REsp. 402047/MG, Rel. Ministro HUMBERTO   GOMES   DE   BARROS, 1ª TURMA, julgado em 04/11/2003, DJ 09/12/2003). 2. A interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMS somente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamente ditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidir sobre a atividade-fim, que é o serviço de comunicação, e não sobre a atividade-meio ou intermediária como são aquelas constantes na Cláusula Primeira do Convênio ICMS nº 69/98. Tais serviços configuram, apenas, meios de viabilidade ou de acesso aos serviços de comunicação, et por cause, estão fora da incidência tributária do ICMS. 3. A Constituição autoriza sejam tributadas as prestações de serviços de comunicação, não sendo dado ao legislador, nem muito menos ao intérprete e ao aplicador, estender a incidência do ICMS às atividades que as antecedem e viabilizam. Não tipificando o fato gerador do ICMS- Comunicação, está, pois, fora de seu campo de incidência. Consectariamente, inexiste violação aos artigos 2º, 150, I, e 155, II, da CF/88. 4. O Direito Tributário consagra o princípio da tipicidade, de maneira que, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam o fato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, do CTN. 5. In casu, apreciando a questão relativa à legitimidade da cobrança do ICMS sobre o procedimento de habilitação de telefonia móvel celular, a atividade de habilitação não se inclui na descrição de serviço de telecomunicação constante do art. 2º, III, da Lei Complementar 87/96, por corresponder a procedimento tipicamente protocolar, cuja finalidade prende-se ao aspecto preparatório e estrutural da prestação do serviço, serviços meramente acessórios ou preparatórios à comunicação propriamente dita, meios de viabilidade ou de acesso aos serviços de comunicação. 6. O ato de habilitação de aparelho móvel celular não enseja qualquer serviço efetivo de telecomunicação, senão de disponibilização do serviço, de modo a assegurar ao usuário a possibilidade de fruição do serviço de telecomunicações. O ICMS incide, tão somente, na atividade final, que é o serviço de telecomunicação propriamente dito, e não sobre o ato de habilitação do telefone celular, que se afigura como atividade meramente intermediária. 7. Ex positis, nego provimento ao recurso extraordinário.

(RE 572020, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 10-10-2014 PUBLIC 13-10-2014)

Em vista deste posicionamento, compus a corrente minoritária no julgamento deste caso, o que denota a candência da matéria.

Tal era a tenacidade e a consistência do quadro favorável aos contribuintes, que a respectiva reversão afeta negativamente a capacidade de investimento e de expansão das atividades. Parece claro que o destinatário desse revés será o consumidor, quer pela redução dos investimentos, quer pela pressão pela recomposição tarifária.

Ex positis e pedindo vênia ao ministro relator, CONHEÇO dos embargos de declaração e dou-lhes PARCIAL PROVIMENTO, para modular os efeitos da declaração de constitucionalidade no tempo, de modo que o ICMS incida sobre a “assinatura básica mensal sem franquia” a partir da data da publicação da ata de julgamento do acórdão no qual o mérito foi apreciado, isto é, 21/10/2016 (no sentido da ata de julgamento como marco para modulação de efeitos: RE 605552 ED-segundos, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2021, DJe 12/04/2021; ADI 2040 ED, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 08/09/2021; ADI 1220, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 13/03/2020; ADI 3498, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 01/06/2020).

Sobressai, do julgado em questão, a conjugação dos elementos nos quais a Suprema Corte vem se fiando para fazer cumprir o primado da segurança jurídica em matéria tributária a partir da modulação dos efeitos das decisões judiciais, especialmente aquelas tomadas em controle concentrado e mesmo em recursos extraordinários julgados em regime de repercussão geral.


[1] CARVALHO, Paulo de Barros. “Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos” in “A Constituição Cidadã e o Direito Tributário – Estudos em homenagem ao Ministro Carlos Ayres Britto”. Coordenação Saul Tourinho Leal e Eduardo Lourenço Gregório Júnior. 

[2] Il est une valeur que les théoriciens du droit, tel Paul Roubier, regardent comme fondamentale: c’est la sécurité juridique. Ils la placent avant la justice même, et avant le progrès: c’est elle qu’il convient de sacrifier em dernier lieu, parce qu’elle conditionne les deux autres.

[3]  SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. “A educação jurídica e a crise  brasileira”. Revista Forense, v. 159, p. 449–459, 1955, p. 454.

[4] Sobre a inescapabilidade de um quadro de soluções possíveis derivado da ambiguidade e da vagueza dos textos jurídicos, cf., e.g., AARNIO, Aulis. La tesis de la única respuesta correcta y el principio regulativo del razonamiento jurídico. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, n. 8, p. 23–38, 1990; GUASTINI, Riccardo. Defettibilità, lacune assiologiche, e interpretazione. Revus, n. 14, p. 57–72, 2011. doi:10.4000/revus.1342; Vilanova, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: M. Limonad, 1997.

[5] OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: O sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Lisboa: Almedina, 2017

[6]  Cf. a ACO 2.865, de minha relatoria.

[7] PWC. Paying Taxes 2019: Fourteen years of data and analysis of tax systems in 190 economies: how is technology affecting tax administration and policy? Disponível em:

<https://www.pwc.com/gx/en/services/tax/publications/paying-taxes-2019.html>. Acesso em: 22 de dezembro de 2.022.

[8] Cf. SALAMA, Bruno Meyerhof. O fim da responsabilidade limitada no Brasil: História, direito e economia. São Paulo: Malheiros, 2014.

[9] “O lucro dos homens de negócios, entretanto, dependiam largamente de sua habilidade em expandir sua própria capacidade, a fim de suprir o crescente mercado interno; e as indústrias teriam preferido um apoio mais direto para si próprios, recebendo do governo empréstimos, créditos estrangeiros e raras importações. O caso de Brasília mostra claramente que o governo decide as alocações da maneira como julga melhor”. LEFF, Nathaniel. Política e Desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 45.

[10] BRENNAN, Geoffrey; BUCHANAN, James M. The power to tax: Analytical foundations of a fiscal constitution. Indianapolis: Liberty Fund, 2000 (The Collected Works of James M. Buchanan, v. 9), p. 7 e seg.

[11] RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge, Mass.: Belknap Press of Harvard University Press, 1999.

[12] BRENNAN, Geoffrey; BUCHANAN, James M. Ob. Cit., p. 178.

Luiz Fux é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

Revista Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2022, 7h01

ARTIGO DA SEMANA – Retrospectiva Tributária/2022 – PARTE 1

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das Pós-graduações da FGV Direito Rio e do IAG PUC-Rio

Chegando ao fim de mais um exercício financeiro, é hora de conferir as principais decisões dos Tribunais Superiores em matéria tributária.

Embora 2022 tenha sido um ano impactado pelas eleições para a Presidência da República, Governos Estaduais, Câmara de Deputados, Assembleias Legislativas e 1/3 do Senado, várias questões importantes foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Vamos recordá-las, mês a mês, dedicando esta primeira parte àquelas ocorridas no primeiro semestre.

JANEIRO

STJ – Primeira Turma decide que não incide ICMS sobre serviço de provimento de capacidade de satélite

Em julgamento realizado em janeiro, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ratificando orientação pacificada no Tema 427 dos Recursos Repetitivo, decidiu que não incide ICMS sobre o serviço de provimento de capacidade de satélite.

No julgamentos dos Recursos Especiais 1.473.550[1] e 1.474.142, a Primeira Turma do STJ decidiu que “Os satélites disponibilizados não passam de meios para que seja prestado o serviço de comunicação, sendo irrelevante para a subsunção tributária que se argumente no sentido que há retransmissão ou ampliação dos sinais enviados”, explicou o ministro.

Em resumo, o STJ decidiu que os satélites são meros meios disponibilizados para que outras empresas efetuem serviços de telecomunicação.

FEVEREIRO

 STF – Regra do CPC sobre efeito suspensivo se aplica a embargos em execução fiscal, decide STF

No julgamento virtual da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5165[2] proposta pelo Conselho Federal da OAB, o Plenário do STF concluiu que é constitucional a regra do art. 739-A do CPC/73  (art. 919, do CPC/2015) relativamente às execuções fiscais da dívida ativa tributária.

À luz da orientação do STF, portanto, não há inconstitucionalidade na norma que não adota como regra a atribuição de efeito suspensivo aos embargos às execuções fiscais. 

Segundo a ministra Cármen Lúcia, relatora, a nova sistemática está de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que confere ao juiz a concessão do efeito suspensivo a partir de análise e decisão sobre a situação concreta.

A relatora também afirmou que “mesmo quando o juiz nega efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal, não é possível à Fazenda Pública obter os bens penhorados ou levantar o valor do depósito em juízo antes do trânsito em julgado da sentença dos embargos, conforme previsão da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980). Por esse motivo, não há ofensa ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa e ao direito de propriedade do executado”.

 STF declara a inconstitucionalidade de leis estaduais que regulamentam imposto sobre heranças e doações no exterior.

No julgamento das ADIs 6817, 6829, 6832 e 6837, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, ajuizadas contras leis dos Estados de Pernambuco, do Acre, do Espírito Santo e do Amapá; ADIs 6821 e 6824, de relatoria do ministro Alexandre de Moares, contra leis do Maranhão e de Rondônia; ADIs 6825, 6834 e 6835, relatadas pelo ministro Edson Fachin, contra leis do Rio Grande do Sul, do Ceará e da Bahia; ADIs 6822, 6827 e 6831, relatadas pelo ministro Roberto Barroso, contra leis da Paraíba, do Piauí e de Goiás; e ADIs 6836 e 6839, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, ajuizadas contra leis do Amazonas e de Minas Gerais, o Plenário do STF reafirmou que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e de Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), nas doações e heranças instituídas no exterior, não pode ser regulamentado pelos estados, em razão da ausência de lei complementar federal sobre a matéria. 

As decisões do STF no julgamento dessas 14 (catorze) ADIs estão em consonância com a posição do Tribunal no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851108, com repercussão geral, com tese fixada no Tema 825[3]

Segundo o STF, os estados e o Distrito Federal não têm competência legislativa para instituir a cobrança do imposto quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se a pessoa falecida possuir bens, tiver sido residente ou domiciliada ou tiver seu inventário processado no exterior. Nos termos do artigo 155, parágrafo 1°, inciso III, da Constituição Federal, a competência para a instituição do ITCMD deve ser disciplinada por lei complementar federal.

As decisões nas ADIs sofreram modulação de efeitos, de modo que só terão a partir da data da publicação do acórdão do RE 851108 (20/4/2021), ressalvando-se as ações pendentes de conclusão, até a mesma data, em que se discuta a qual estado o contribuinte deveria efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação, ou a validade da cobrança do imposto, se não pago anteriormente.

MARÇO

STF –  Taxas de administração de cartão de crédito/débito não podem ser excluídas da base de cálculo do PIS/COFINS

O Plenário do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.049.811, decidiu que as taxas pagas às administradoras de cartões de crédito e débito devem ser incluídas, pelas empresas vendedoras, na sua base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Como se trata de julgamento de matéria com repercussão geral reconhecida, foi fixada a tese sobre o assunto, resultando no Tema 1024[4]

Segundo o STF, as taxas administrativas que posteriormente serão repassadas às empresas de cartões de crédito devem ser tributadas na origem, por constituírem custo operacional a ser incluído na receita das empresas que receberam o pagamento por cartão.

 STF –  Entidades religiosas que prestam assistência social podem ter imunidade tributária

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que entidades religiosas podem se beneficiar da imunidade tributária conferida às instituições de assistência social, abrangendo, além de impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços, os tributos sobre a importação de bens a serem utilizados na consecução de seus objetivos estatutários.

No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 630790, com repercussão geral reconhecida (Tema 336[5]), o Tribunal entendeu que a filantropia exercida com base em preceitos religiosos não desvirtua a natureza assistencial das entidades, para fins de direito à imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal.

Segundo o Min. Luís Roberto Barroso, relator, “O alcance da imunidade é determinado pela destinação dos recursos auferidos pela entidade, e não pela origem ou natureza da renda”.

STJ – IRPJ e CSLL não incidem sobre valor decorrente de pagamento adiado de ICMS

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é ilegal a cobrança do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em relação aos ganhos obtidos por empresa beneficiada com pagamento adiado do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), concedido como incentivo fiscal[6].

Por unanimidade, o colegiado entendeu que o fisco, ao considerar esses ganhos como lucro, possibilita que a União retire, indiretamente, o incentivo fiscal concedido pelos estados, o que levaria ao esvaziamento ou à redução do benefício. 

O caso concreto versou sobre incentivo concedido pelo fisco de Santa Catarina, segundo o qual o pagamento diferido de parte do ICMS poderá ser realizado após 36 meses, acrescido de juros simples, mas sem correção monetária. 

De acordo a Secretaria da Receita Federal, esse valor equivaleria a lucro, base de cálculo de incidência do IRPJ e da CSLL. 

No STJ, a empresa sustentou que subvenção para investimento é toda vantagem fiscal concedida pelo poder público. 

A relatora do recurso, ministra Regina Helena Costa, lembrou que o STJ, ao julgar o EREsp 1.517.492, definiu que o crédito presumido de ICMS não pode ser incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente de os créditos se enquadrarem em uma categoria específica de subvenção. Para a magistrada, a mesma tese se aplica ao pagamento diferido do ICMS.

Ainda segundo a relatora, “A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência”. 

STJ – É possível compensar tributo pago indevidamente antes do mandado de segurança que admitiu a compensação

A Primeira Seção do STJ, no julgamento dos Embargos de Divergência nº 1.770.495, definiu a possibilidade de serem compensados os tributos pagos indevidamente antes da impetração do mandado de segurança que reconheceu o direito à compensação, desde que ainda não atingidos pela prescrição[7].

De acordo com o relator dos embargos de divergência, ministro Gurgel de Faria, o reconhecimento, no mandado de segurança, do direito à compensação de valores indevidamente recolhidos antes da impetração, e ainda não atingidos pela prescrição, não implica produção de efeito patrimonial pretérito – vedado pela Súmula 271 do STF –, “visto que não há quantificação dos créditos a compensar e, por conseguinte, provimento condenatório em desfavor da Fazenda Pública à devolução de determinado valor, o qual deverá ser calculado posteriormente pelo contribuinte e pelo fisco no âmbito administrativo, segundo o direito declarado judicialmente ao impetrante”.

STJ – Base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado

 ​No julgamento do Recurso Especial 1.937.821, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou teses importantes sobre o cálculo do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nas operações de compra e venda, que passam a constituir o Tema 1.113[8].

Relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, afirmou que “No que tange à base de cálculo, a expressão ‘valor venal’ contida no artigo 38 do CTN deve ser entendida como o valor considerado em condições normais de mercado para as transmissões imobiliárias”.

Para o STJ, embora seja possível delimitar um valor médio dos imóveis no mercado, a avaliação de cada bem negociado pode sofrer oscilações positivas ou negativas, a depender de circunstâncias específicas. 

Afastando a utilização da base de cálculo do IPTU para o cálculo do imposto sobre a transmissão, o STJ decidiu que a base de cálculo do ITBI deve considerar o valor de mercado do imóvel individualmente determinado, afetado também por fatores como benfeitorias, estado de conservação e as necessidades do comprador e do vendedor, motivo pelo qual o lançamento desse imposto ocorre, como regra, por meio da declaração do contribuinte, ressalvado ao fisco o direito de revisar a quantia declarada, mediante procedimento administrativo que garanta o exercício do contraditório e da ampla defesa. 

ABRIL

STF – Autoridade fiscal pode anular atos praticados para dissimular tributo

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade do art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), introduzido artigo 1º da Lei Complementar 104/2001, que permite à autoridade fiscal desconsiderar atos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. 

A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2446[9], na sessão virtual encerrada em 08/04/2022.

Segundo a relatora, ministra Cármen Lúcia, a desconsideração autorizada pelo dispositivo está limitada aos atos ou negócios jurídicos praticados com intenção de dissimulação ou ocultação de fato gerador que, além de estar previsto em lei, já tenha se materializado. Ou seja, o Fisco estará autorizado apenas a aplicar base de cálculo e alíquota a uma hipótese de incidência estabelecida em lei e que tenha se realizado.

Para a relatora, também não procede a alegação de que o art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), retira incentivo ou estabelece proibição ao planejamento tributário das pessoas físicas ou jurídicas. Na sua avaliação, a norma não proíbe o contribuinte de buscar economia fiscal pelas vias legítimas, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixar de pagar tributos quando não for configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.

A min. Cármen Lúcia também afirmou que a denominação “norma antielisão”, como a regra é conhecida, é inapropriada, pois o dispositivo trata de combate à evasão fiscal, instituto diverso. Na elisão fiscal, há diminuição lícita dos valores tributários devidos, pois o contribuinte evita a relação jurídica geradora da obrigação tributária, enquanto, na evasão fiscal, o contribuinte atua de forma a ocultar fato gerador para omitir-se ao pagamento da obrigação tributária devida.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes divergiram da relatora, entendendo que, por ser uma medida extrema, a nulidade ou a desconsideração de atos e negócios jurídicos alegadamente simulados cabe ao Judiciário, e não à autoridade administrativa. 

MAIO

STJ – Repetitivo veda créditos de PIS/Pasep e Cofins sobre aquisição no regime monofásico

 A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.093), por maioria de votos,fixou cinco teses relativas ao creditamento de PIS/Pasep e Cofins no sistema monofásico e à legislação que disciplina o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto). As teses são as seguintes:

1 – É vedada a constituição de créditos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre o custo de aquisição (artigo 13 do Decreto-Lei 1.598/1977) de bens sujeitos à tributação monofásica (artigos 3º, inciso I, alínea “b”, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003).

2 – O benefício instituído no artigo 17 da Lei 11.033/2004 não se restringe às empresas que se encontram inseridas no regime específico de tributação denominado Reporto.

3 – O artigo 17 da Lei 11.033/2004 diz respeito apenas à manutenção de créditos cuja constituição não foi vedada pela legislação em vigor; portanto, não permite a constituição de créditos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre o custo de aquisição (artigo 13 do Decreto-Lei 1.598/1977) de bens sujeitos à tributação monofásica, já que vedada pelo artigo 3º, inciso I, alínea “b”, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003.

4 – Apesar de não constituir créditos, a incidência monofásica da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não é incompatível com a técnica do creditamento, visto que se prende aos bens e não à pessoa jurídica que os comercializa, que pode adquirir e revender conjuntamente bens sujeitos à não cumulatividade em incidência plurifásica, os quais podem lhe gerar créditos.

5 – O artigo 17 da Lei 11.033/2004 apenas autoriza que os créditos gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade (incidência plurifásica) não sejam estornados (sejam mantidos) quando as respectivas vendas forem efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, não autorizando a constituição de créditos sobre o custo de aquisição (artigo 13 do Decreto-Lei 1.598/1977) de bens sujeitos à tributação monofásica.

JUNHO

STF afasta incidência do IR sobre pensões alimentícias decorrentes do direito de família

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5422[10], afastou a incidência do Imposto de Renda (IR) sobre valores recebidos a título de alimentos ou de pensões alimentícias. 

De acordo com o Min. Dias Toffoli, relator, os alimentos ou pensão alimentícia oriundos do direito de família não são renda nem provento de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas simplesmente montantes retirados dos rendimentos recebidos pelo pagador (alimentante) para serem dados ao beneficiário. “O recebimento desses valores representa tão somente uma entrada de valores”, apontou.

Para o relator, o devedor dos alimentos ou da pensão alimentícia, ao receber a renda ou o provento (acréscimos patrimoniais) sujeitos ao IR, retira disso parcela para pagar a obrigação. Assim, a legislação questionada provoca a ocorrência de bitributação camuflada e sem justificação legítima, violando o texto constitucional.

Consequentemente, o Plenário deu interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei 7.713/1988, aos artigos 4º e 46 do Anexo do Decreto 9.580/2018 e aos artigos 3º, caput e parágrafos 1º e 4º, do Decreto-lei 1.301/1973, que preveem a incidência de IR nas obrigações alimentares.

Os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques ficaram parcialmente vencidos, entendendo que as pensões devem ser somadas aos valores do responsável legal, aplicando-se a tabela progressiva do IR para cada dependente, ressalvada a possibilidade de o alimentando declarar individualmente o Imposto de Renda.

STJ – Primeira Seção fixa teses para o bloqueio de ativos do executado pelo BacenJud em caso de parcelamento

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou orientações para o bloqueio de ativos financeiros do executado via sistema BacenJud, em caso de concessão de parcelamento do crédito tributário: 1) será levantado o bloqueio se a concessão for anterior à constrição; e 2) fica mantido o bloqueio se a concessão ocorre em momento posterior à constrição, ressalvada, nessa hipótese, a possibilidade excepcional de substituição da penhora on-line por fiança bancária ou seguro garantia, diante das peculiaridades do caso concreto, mediante comprovação irrefutável, a cargo do executado, da necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade.  

Segundo o relator do Tema 1.012[11], ministro Mauro Campbell Marques, a jurisprudência do STJ há muito já firmou entendimento no sentido de que o parcelamento de créditos tributários, na forma do artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional (CTN), suspende a sua exigibilidade, acarretando, por consequência, a suspensão da execução fiscal. 

Todavia, o parcelamento não afasta a constrição de valores bloqueados anteriormente, “de modo que a suspensão da exigibilidade decorrente de parcelamento mantém a relação jurídica processual no estado em que ela se encontra, isto é, se inexiste penhora, a suspensão do feito obsta a realização posterior de medidas constritivas, ao menos enquanto o parcelamento estiver vigendo; de outro lado, as medidas de constrição já efetivadas deverão ser preservadas até a integral quitação ou a eventual rescisão do parcelamento”. 

Ainda de acordo com o relator, “Havendo ou não, conforme previsão legal, a necessidade de garantia do débito para fins de concessão de parcelamento fiscal, as leis federais que veiculam parcelamentos fiscais trazem em seu bojo, via de regra, a determinação de manutenção das garantias ou dos gravames prestados em execução fiscal ou medida cautelar fiscal, conforme o caso, na hipótese de concessão do parcelamento, ou seja, a adesão do contribuinte ao benefício fiscal não implica a liberação dos bens e direitos que tenham sido constituídos em garantia dos valores objeto do parcelamento”. 

STJ – Primeira Seção altera tese repetitiva para permitir inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB

​Considerando o que foi julgado pelo STF no Tema 1048 da Repercussão Geral, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou a tese fixada no Tema 994[12] dos recursos repetitivos, que passou a vigorar com a seguinte redação: “é constitucional a inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB)”.


[1] PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AFASTAMENTO DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. ICMS. INCIDÊNCIA SOBRE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO. ICMS-COMUNICAÇÃO. SERVIÇO DE PRESTAÇÃO DE CAPACIDADE DE SATÉLITE. NÃO INCIDÊNCIA. FATO QUE ESCAPA DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. SERVIÇO SUPLEMENTAR À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE DE READEQUAÇÃO.

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5. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, “a incidência do ICMS, no que se refere à prestação dos serviços de comunicação, deve ser extraída da Constituição Federal e da LC 87/96, incidindo o tributo sobre os serviços de comunicação prestados de forma onerosa, através de qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza (art. 2º, III, da LC 87/96)” (REsp 1176753/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2012, DJe 19/12/2012).

6. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 816.512/PI, julgado na sistemática do art. 543-C do CPC/1973, decidiu que o ICMS somente incide sobre o serviço de telecomunicação propriamente dito, e não sobre as atividades-meio e serviços suplementares.

7. O caso dos autos, em que se discute a incidência do ICMS-Comunicação sobre os serviços de provimento de capacidade de satélite, também segue a linha dos demais precedentes do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da não tributação de serviços suplementares ou atividades-meio. Os satélites disponibilizados se constituem em meios para que seja prestado o serviço de comunicação, escapando à hipótese de incidência do imposto.

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(REsp n. 1.473.550/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 4/2/2022.)

[2] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 739-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E 919 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO. APLICABILIDADE DESSAS NORMAS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AO CONTRADITÓRIO, À AMPLA DEFESA E AO DIREITO DE PROPRIEDADE E AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA ISONOMIA. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.

[3] Tese: É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.

[4] Tese: É constitucional a inclusão dos valores retidos pelas administradoras de cartões na base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS devidas por empresa que recebe pagamentos por meio de cartões de crédito e débito.

[5] Tese: As entidades religiosas podem se caracterizar como instituições de assistência social a fim de se beneficiarem da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição, que abrangerá não só os impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços, mas também os impostos sobre a importação de bens a serem utilizados na consecução de seus objetivos estatutários.

[6] PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. IRPJ. CSLL. BASE DE CÁLCULO. INCENTIVO FISCAL. REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO DO ICMS. PRODEC. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. PACTO FEDERATIVO. IMPOSSIBILIDADE.

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III – Configura ilegalidade exigir, das empresas submetidas ao regime especial de pagamento do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense – PRODEC, a integração, à base de cálculo do IRPJ e da CSLL, do montante obtido com o incentivo fiscal outorgado pelo Estado de Santa Catarina, qual seja, o “[…] pagamento diferido do ICMS, relativo a 60% sobre o incremento resultante pelo estabelecimento da empresa naquele Estado-membro, e que será adimplido no 36° mês, sem correção monetária, sendo devidos apenas juros simples anuais de 4% (quatro por cento) […]”.

IV – Ao considerar tal soma como lucro, o entendimento manifestado pelo Fisco (Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 22/2003), sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.

V – Tal orientação leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em ato infralegal.

VI – O modelo federativo abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.

VII – Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.

VIII – A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.

IX – A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo.

Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.

X – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.

XI – Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.

XII – O abalo na credibilidade no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias.

XIII – A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.

XIV – A 1ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp n. 1.443.771/RS, assentou que o crédito presumido de ICMS, a par de não se incorporar ao patrimônio da contribuinte, não constitui lucro, base imponível do IRPJ e da CSLL, sob o entendimento segundo o qual a concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Axiologia da ratio decidendi que afasta, igualmente, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de montante outorgado, de igual forma, no contexto de incentivo fiscal relativo ao ICMS, o qual fora estabelecido, neste caso, no bojo do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense – PRODEC.

XV – Recurso Especial provido.

(REsp n. 1.222.547/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 16/3/2022.)

[7] TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. NATUREZA DECLARATÓRIA. COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 213 STJ.

1. Esta Corte de Justiça possui o entendimento de que “o mandado de segurança constitui instrumento adequado à declaração do direito à compensação do indébito recolhido em período anterior à impetração, observado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos contados retroativamente a partir da data do ajuizamento da ação mandamental” (AgInt no REsp n. 1.778.268/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 2/4/2019).

2. Tal entendimento foi mais uma vez reafirmado por ocasião da apreciação dos embargos de divergência no EREsp n. 1.770.495/RS, reconhecendo que a declaração do direito à compensação tributária permite o aproveitamento de valores referentes a indébitos recolhidos nos cinco anos anteriores à data da impetração.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp n. 1.898.418/CE, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 25/2/2022.)

[8] Tese firmada: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; 

b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); 

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

[9] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 104/2001. INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO AO ART. 116 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL: NORMA GERAL ANTIELISIVA. ALEGAÇÕES DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA LEGALIDADE ESTRITA EM DIREITO TRIBUTÁRIO E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NÃO CONFIGURADAS. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.

(ADI 2446, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079  DIVULG 26-04-2022  PUBLIC 27-04-2022)

[10] EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Presença. Afastamento de questões preliminares. Conhecimento parcial da ação. Direito tributário e direito de família. Imposto de renda. Incidência sobre valores percebidos a título de alimentos ou de pensão alimentícia. Inconstitucionalidade. Ausência de acréscimo patrimonial. Igualdade de gênero. Mínimo existencial. 1. Consiste o IBDFAM em associação homogênea, só podendo a ele se associarem pessoas físicas ou jurídicas, profissionais, estudantes, órgãos ou entidades que tenham conexão com o direito de família. Está presente, portanto, a pertinência temática, em razão da correlação entre seus objetivos institucionais e o objeto da ação direta de inconstitucionalidade. 2. Afastamento de outras questões preliminares, em razão da presença de procuração com poderes específicos; da desnecessidade de se impugnar dispositivo que não integre o complexo normativo questionado e da possibilidade de se declarar, por arrastamento, a inconstitucionalidade de disposições regulamentares e de outras disposições legais que possuam os mesmos vícios das normas citadas na petição inicial, tendo com elas inequívoca ligação. 3. A inconstitucionalidade suscitada está limitada à incidência do imposto de renda sobre os valores percebidos a título de alimentos ou de pensões alimentícias oriundos do direito de família. Ação da qual se conhece parcialmente, de modo a se entender que os pedidos formulados alcançam os dispositivos questionados apenas nas partes que tratam da aludida tributação. 4. A materialidade do imposto de renda está conectada com a existência de acréscimo patrimonial, aspecto presente nas ideias de renda e de proventos de qualquer natureza. 5. Alimentos ou pensão alimentícia oriundos do direito de família não se configuram como renda nem proventos de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas montante retirado dos acréscimos patrimoniais recebidos pelo alimentante para ser dado ao alimentado. A percepção desses valores pelo alimentado não representa riqueza nova, estando fora, portanto, da hipótese de incidência do imposto. 6. Na esteira do voto-vista do Ministro Roberto Barroso, “[n]a maioria dos casos, após a dissolução do vínculo conjugal, a guarda dos filhos menores é concedida à mãe. A incidência do imposto de renda sobre pensão alimentícia acaba por afrontar a igualdade de gênero, visto que penaliza ainda mais as mulheres. Além de criar, assistir e educar os filhos, elas ainda devem arcar com ônus tributários dos valores recebidos a título de alimentos, os quais foram fixados justamente para atender às necessidades básicas da criança ou do adolescente”. 7. Consoante o voto-vista do Ministro Alexandre de Moraes, a tributação não pode obstar o exercício de direitos fundamentais, de modo que “os valores recebidos a título de pensão alimentícia decorrente das obrigações familiares de seu provedor não podem integrar a renda tributável do alimentando, sob pena de violar-se a garantia ao mínimo existencial”. 8. Vencidos parcialmente os Ministro Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques, que sustentavam que as pensões alimentícias decorrentes do direito de família deveriam ser somadas aos valores de seu responsável legal aplicando-se a tabela progressiva do imposto de renda para cada dependente, ressalvando a possibilidade de o alimentando realizar isoladamente a declaração de imposto de renda. 9. Ação direta da qual se conhece em parte, relativamente à qual ela é julgada procedente, de modo a dar ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88, ao arts. 4º e 46 do Anexo do Decreto nº 9.580/18 e aos arts. 3º, caput e § 1º; e 4º do Decreto-lei nº 1.301/73 interpretação conforme à Constituição Federal para se afastar a incidência do imposto de renda sobre valores decorrentes do direito de família percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou de pensões alimentícias.

(ADI 5422, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-166  DIVULG 22-08-2022  PUBLIC 23-08-2022)

[11] Tese firmada: O bloqueio de ativos financeiros do executado via sistema BACENJUD, em caso de concessão de parcelamento fiscal, seguirá a seguinte orientação: (i) será levantado o bloqueio se a concessão é anterior à constrição; e (ii) fica mantido o bloqueio se a concessão ocorre em momento posterior à constrição, ressalvada, nessa hipótese, a possibilidade excepcional de substituição da penhora online por fiança bancária ou seguro garantia, diante das peculiaridades do caso concreto, mediante comprovação irrefutável, a cargo do executado, da necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade.

[12] Tese firmada: É constitucional a inclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB.

Proposta de lei quer aumentar alíquota de ICMS para 23% no Rio de Janeiro

Um projeto de lei apresentado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro pretende aumentar a alíquota geral de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 18% para 23% no estado fluminense.

O Projeto de Lei 6.510/2022 é de autoria do deputado Luiz Paulo (PSD-RJ), que argumenta na proposta que a medida é necessária “para compensar o estado pela perda de arrecadação em virtude das alterações promovidas no ICMS pelas Leis Complementares Federais 192 e 194”. 

“A nova alíquota proposta se mostra imprescindível para o estado do Rio de Janeiro exercer seu dever fundamental de prestar serviços públicos eficientes e, assim, promover a justiça fiscal e social”, completa a proposição.

Na avaliação de Ricardo Cosentino, sócio de Tributário do Mattos Filho, o projeto de lei propõe um dos maiores aumentos entre os estados. “Apesar do incremento parecer pequeno em termos percentuais, os valores envolvidos são da ordem de milhões, o que pressiona ainda mais o caixa das empresas”, destacou. 

Ele também pontuou que o aumento da alíquota terá um efeito direto no cálculo do depósito no Fundo Orçamentário Temporário (FOT), pois a fruição de incentivos fiscais está condicionada ao depósito no FOT de 10%  aplicado sobre a diferença entre o valor do imposto calculado com e sem a utilização de benefícios ou incentivos fiscais.

Clique aqui para ler o texto do projeto de lei
PL 6.510/2022

Revista Consultor Jurídico, 21 de dezembro de 2022, 18h23

Juiz anula auto de infração de ICMS após empresa comprovar tese de boa-fé

O comerciante de boa-fé não pode ser autuado em razão de nota fiscal emitida por empresa que for posteriormente declarada inidônea, quando ficar demonstrada a veracidade da compra e venda.

Com base nessa premissa, o juízo da Vara da Fazenda Pública de Araçatuba (SP) deferiu o pedido de uma empresa da agroindústria e anulou, em liminar, um auto de infração e imposição de multa referente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) lavrado pelo Fisco em razão de remessa de mercadorias para empresa declarada inidônea.

A agroindústria tentou solucionar o caso pela via administrativa, mas o pedido foi negado. A empresa, então, resolveu acionar a Justiça contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Na ação, alegou que as operações questionadas pelo Fisco ocorreram entre 2016 e 2017 — antes, portanto, de a destinatária ter sido declarada inidônea, o que só aconteceu em 2018.

A autora explicou que o questionamento se deve ao fato de que, para o Fisco, os efeitos da inidoneidade retroagem à data da criação da empresa declarada inidônea — o que contribuiu para que as operações realizadas depois disso passassem a ser consideradas “fraudulentas”. Na petição, o advogado Diêgo Vilela argumentou, porém, que a empresa autuada agiu de boa-fé e, por isso, a infração deveria ser anulada.

Responsável por julgar o pedido, o juiz José Daniel Dinis Gonçalves recorreu à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para fundamentar sua decisão. E explicou que o tribunal prestigia o contribuinte que age de boa-fé.

“A jurisprudência do C. STJ se firmou no sentido de, nos casos de fraude fiscal, como no presente caso, no qual se alega simulação quanto à existência de estabelecimento, o empresário de boa-fé que entabula negócios com empresa considerada inidônea, não pode ser responsabilizado uma vez comprovada a veracidade das operações mercantis, decidindo-se em tal hipótese que o ato declaratório da inidoneidade da empresa somente produz efeitos a partir de sua publicação”, anotou o magistrado.

Assim, concedeu a liminar e anulou o auto de infração. “Levando-se em conta o fato de que a declaração de inidoneidade foi tornada pública em data posterior às operações questionadas, e considerando-se que houve efetivo pagamento, resta concluir-se pela veracidade da transação e pela existência da boa-fé”, concluiu o juiz.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1009802-40.2022.8.26.0032

Revista Consultor Jurídico, 20 de dezembro de 2022, 20h20

Iniciado julgamento no STF em que se discute a constitucionalidade do critério espacial do DIFAL de ICMS, previsto no § 7º do art. 11 da LC nº 87/1996

16 de dezembro de 2022 | ADI 7.158/DF | Plenário do STF

O Ministro Roberto Barroso – Relator –, acompanhado pelo Ministro Edson Fachin, propôs a fixação da seguinte tese: “É constitucional o critério previsto no § 7º do art. 11 da LC nº 87/1996, na redação dada pela LC nº 190/2022, que considera como Estado destinatário, para efeito do recolhimento do diferencial de alíquota do ICMS, aquele em que efetivamente ocorrer a entrada física da mercadoria ou o fim da prestação do serviço, uma vez que conforme a EC nº 87/2015”. Segundo o Ministro, ao fixar como sujeito ativo do DIFAL o Estado em que ocorrer a entrada física da mercadoria ou o fim da prestação do serviço, quando outro for o Estado de domicílio fiscal do adquirente ou tomador, o legislador infraconstitucional buscou apenas melhor distribuir o produto da arrecadação do ICMS, de modo a atenuar o conflito entre Estados produtores e consumidores, contribuindo para o equilíbrio federativo, inexistindo qualquer alteração na hipótese de incidência do imposto, que permanece dentro dos contornos traçados pelo art. 155, II, da CF/1988. Ademais, o Ministro consignou que o critério estabelecido se encontra em conformidade com o objetivo pretendido pela EC nº 87/2015, tendo em vista que o legislador infraconstitucional buscou assegurar o equilíbrio na arrecadação tributária do ICMS pelas unidades federadas, garantindo-se receita tanto para os Estados produtores quanto para os entes de destino das mercadorias ou serviços. O julgamento aguarda o voto dos demais Ministros.

Fonte: Sacha Calmon e Misabel Derzi – Consultores & Advogados

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